quarta-feira, 17 de abril de 2013

Mercado sob o socialismo

Fragmentos do texto do "sovietólogo" William Bland (conhecido como Bill Bland), com edições e comentários do nosso colunista Bruno Torres, acerca do "Mercado" sob uma sociedade socialista. Pois, ao contrário do que se pensa, na primeira etapa da sociedade comunista (o socialismo) o mercado ainda não é extinto ou abolido, porém se comporta com uma lógica diferente do mercado de uma sociedade capitalista.

É normal que o termo “mercado” seja quase sempre atrelado apenas a uma sociedade capitalista. Mas o dicionário (Dicionário Oxford de Inglês’, Volume 9, Oxford, 1979;. P305) define “mercado” como: “A demanda (por uma mercadoria)”. E o termo “demanda” como: “Uma chamada para uma mercadoria por parte dos consumidores”.

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Em uma sociedade socialista, como em uma sociedade capitalista, as pessoas possuem diferentes somas de dinheiro que eles gastam nas lojas em produtos que estão à venda. Esta vontade e capacidade de gastar dinheiro em mercadorias constituem demanda, constituem um mercado. Claramente, tanto em uma sociedade capitalista, quanto numa sociedade socialista há um “mercado”, para mercadorias. Isso com base na distribuição. A distribuição é: “A dispersão entre os consumidores das mercadorias produzidas”. (Dicionário Oxford de Inglês’, Volume 4, Oxford, 19009;. P8S3).

O princípio usado para que a distribuição seja realizada no socialismo é que: “O direito dos produtores é proporcional ao trabalho que fornecem”. Isto é, os rendimentos são proporcionais (e a distribuição de mercadorias é voltada) à quantidade e à qualidade do trabalho realizado.

Marx admite que a distribuição de mercadorias de acordo com o trabalho realizado não é completamente justa, não é uma distribuição totalmente voltada à necessidade. Ele ressalta: “Um homem é superior a outro fisicamente ou mentalmente e, assim, fornece mais trabalho no mesmo tempo, ou pode trabalhar por um longo tempo. Além disso, um trabalhador é casado, outro não, um tem mais filhos do que outro e assim em diante. Mas estes defeitos são inevitáveis na primeira fase da sociedade comunista, pois é quando ela acaba de sair das dores de parto prolongados da sociedade capitalista. O direito nunca pode ser superior à estrutura econômica da sociedade”. No entanto, este é o mais próximo a que uma sociedade socialista pode chegar de um sistema completamente justo de distribuição, o mais próximo de uma distribuição conforme a necessidade. Este é um sistema muito mais justo de distribuição do que o de uma sociedade capitalista, na qual o poder de compra se concentra com os que possuem meios de produção devido à propriedade privada (legitimada pelo capitalismo).

O ganho material, então, sob o socialismo deve ser a partir do quão produtivo foi o trabalhador, para que se estimule o desenvolvimento das forças produtivas, para preparar a sociedade para um futuro estágio, no qual as pessoas ganhariam pela sua necessidade.

Esse princípio de distribuição só será possível, quando as forças produtivas forem desenvolvidas até o ponto em que haja uma abundância na capacidade de produção e quando a atitude das pessoas para o trabalho mudar: “Quando as pessoas tornam-se tão acostumadas a observar as regras fundamentais da vida social e, quando seu trabalho é tão produtivo (devido a abundância dos meios de produção), que eles vão trabalhar voluntariamente de acordo com sua capacidade...”.

Como a distribuição de acordo com o trabalho realizado dá um incentivo material para os trabalhadores maximizarem a produção, a sociedade avança o mais rapidamente possível para a exigência de comunismo de “uma abundância das necessidades da vida”.

Claro, a distribuição de acordo com a necessidade sob o comunismo nunca pode ser absoluta. Embora possamos dizer que o comunismo foi atingido quando todas as necessidades da vida puderem ser distribuídas de acordo com a necessidade. As forças produtivas continuarão a ser desenvolvidas e novas necessidades surgirão que podem, a princípio, ser satisfeitas apenas em uma base racionada, por exemplo, no principio socialista de acordo com trabalho realizado, com uma produção planejada.

Muitos afirmam que a diferença essencial entre capitalismo e o socialismo, nesse assunto, é que sob o capitalismo a produção é para o mercado, enquanto que sob o socialismo a produção é para uso. Eu sugiro que isso é uma contradição falsa. Marx define mercadoria como uma coisa útil produzida não para o uso pessoal do produtor e sua família, como no que ele chama de produção “natural”, mas para a troca (por troca por outras mercadorias ou venda por dinheiro). De acordo com Marx: “Uma mercadoria é uma coisa que, pelas suas propriedades, satisfaz a necessidades humanas e é produzido diretamente para a troca”.

Um trabalhador de uma fábrica de roupas – se sob o capitalismo ou no socialismo – não faz roupas para uso pessoal próprio ou de sua família, mas para troca: isto é, ele produz peças como mercadorias para o mercado.

Claro, há diferenças fundamentais entre a produção de peças de vestuário sob o capitalismo e no socialismo. Sob o capitalismo, o trabalhador é explorado; sob o socialismo, ele recebe direta ou indiretamente, no salário, o valor integral de sua obra. Sob o capitalismo, a produção é – como um todo – caótica, sob o socialismo a produção é planejada centralmente pelo Estado socialista (que se define pelo próprio proletariado como classe dominante, ao contrário do que pensam muitos). Sob o capitalismo, o motivo regulador da produção é a obtenção de lucro pelos capitalistas a partir desta exploração; sob o socialismo, o motivo e o regulador da produção são a satisfação máxima das necessidades da sociedade.

Mas as pessoas gastam o dinheiro em sua posse, dentro dos limites de seu poder de compra, em produtos que eles acreditam que vai render-lhes a máxima satisfação, irá produzir a máxima satisfação de suas necessidades. Assim, a produção para o mercado não é, em si, uma contradição com a produção para a máxima satisfação das necessidades da sociedade. Na verdade, quanto mais a produção de bens de consumo é voltada para a demanda, para o mercado, mais perto ela chega de proporcionar a máxima satisfação das necessidades da sociedade. Sob o capitalismo competitivo, a produção é voltada para o mercado automaticamente através do lucro.

Quando há uma falta de um determinado produto no mercado, o preço desta mercadoria aumenta, de modo que a taxa de lucro sobre a produção desta mercadoria sobe acima da média. Impulsionados pela motivação de obter a taxa mais alta possível de lucro, os capitalistas correm para aumentar a produção dessa mercadoria. Em consequência, a produção dessa commodity sobe até os preços caírem, até a taxa média de lucro ser reestabelecida.

Quando há um excesso de certa mercadoria no mercado, ocorre o oposto e a produção cai até o ponto em que uma taxa média de lucro é alcançada. Existem diferenças vitais em uma sociedade socialista. Em primeiro lugar, meios de produção estão em processo de socialização e não são mais propriedade privada de uma diminuta classe. Em segundo lugar, o lucro foi abolido junto com a classe capitalista. Em terceiro lugar, o preço de uma mercadoria será fixado de acordo com seu valor, isto é, de acordo com a quantidade média de trabalho envolvido em sua produção (valor-trabalho). Mas lembremos que o que estipulará o bem a ser comprado será o próprio trabalhador (com sua quantia em dinheiro, vinda do seu trabalho) que será o consumidor, comprando para suprir sua necessidade, logo que determinará se determinado produto irá ser comprado, será o “valor-uso”.

É, portanto, impossível pra a produção de bens de consumo ser orientada automaticamente para o mercado. Esta deve ser orientada para o mercado por decisões conscientes e democráticas dos trabalhadores associados. Eis a ideia de mercado sob o socialismo.