Luiza afirma ter partido para Cuba com o espírito aberto. “Lá, vivi com eles, comi a mesma comida de que o povo se nutre. Descobri como os cubanos sofrem com o bloqueio, com a falta de infraestrutura e produtos, até de remédios. Tudo isso relatado por eles mesmos.”
Os
brigadistas se alojaram no Campamento Internacional Julio Antonio Mella, na
cidade de Caimito, província de Artemisa. Ali, assistiram a conferências, a
filmes cubanos e apresentações artísticas, além de visitarem museus e escolas.
“Participamos também de uma experiência de trabalho voluntário agrícola, introduzido
por Che Guevara, que os cubanos fazem questão de compartilhar como
conceito, pois não se baseia em uma lógica de mercado, mas tem a proposta de
formar uma consciência coletiva que sustente o ideal socialista”, diz a
estudante.
Assim,
além de conhecer cooperativas agrícolas, os participantes das Brigadas de
Solidariedade trabalharam em um campo de feijão e uma plantação de manga.
“Visitamos também a ilha da Juventude, onde ficamos quatro dias, e uma
cooperativa de artesãs que trabalham com argila. Foi bonito ver que elas mesmas
determinam as horas de atividade, pois se trata de um trabalho artístico, que
não depende de regras mecânicas de produção.”
Na
ilha, como observou a estudante, há uma boa produção de frutas e outros
produtos agrícolas, mas o modo de produção ainda não está mecanizado como no
Brasil, embora o processo de irrigação tenha lhe parecido bem eficiente. “As
vacas são destinadas à produção de leite, por isso, em Cuba, come-se
principalmente carne suína. A alimentação para a população é barata e de boa
qualidade. Cada família recebe de acordo com o que necessita. Se há
mais crianças em casa, recebem mais leite. Se há mais adultos, uma quantidade
maior de mantimentos.” O transporte também é praticamente gratuito, paga-se
simbolicamente. “E se a pessoa não tiver dinheiro, não há problema, ela pode
embarcar no ônibus do mesmo jeito. Isso é para todos.”
Cerco a Ilha
Luiza
também se surpreendeu com a reação do povo diante do bloqueio que a economista
Nidia Alfonso Cuevas, do Instituto Superior de Relações Internacionais, define
como uma barbárie. “O país perdeu parceiros comerciais. No contexto mundial, o
princípio da extraterritorialidade imposto pelos Estados Unidos impede qualquer
empresa norte-americana que se encontre em outro país de ter relações com
Cuba”, comenta a estudante.
A
estudante viu as consequências geradas por este cerco absurdo à ilha ao visitar
hospitais e escolas. A falta de estrutura causada pelo bloqueio provoca, por
exemplo, racionamento, falta de energia, limitação de medicamentos e falta de
materiais escolares. “O acesso à internet (que é via satélite e muito caro),
está disponível principalmente em universidades, centros de pesquisa, setores
do governo e em hotéis.”
Mas,
mesmo com toda a dificuldade do dia a dia, as pessoas manifestam
alegria e espontaneidade. “As crianças se divertem, parecem felizes e
protegidas nos pátios das escolas, nas ruas. Isto foi o que vi em Havana, um
grande centro, que é a capital, quando visitei algumas escolas. Não posso
generalizar, mas as pessoas que eu conheci estão sintonizadas com a revolução,
defendem o governo e sabem o que acontece fora de Cuba”.
Luiza
comenta que os cubanos demonstram conhecer muito bem a realidade do
mundo. “Pensei que por causa do bloqueio eles não soubessem dos
acontecimentos, mas os documentários na TV aberta informam muito bem sobre a
situação mundial. Alunos bem pequenos sabiam, por exemplo, muitos fatos
relacionados ao Brasil, e queriam conhecer mais.”
Em
relação á educação Luiza constatou que “é realmente para todos, e totalmente
gratuita, desde o Círculo Infantil até a Universidade.” Na saúde o acesso
também é universal. “Fui atendida no posto de saúde, pois me faltou um remédio,
e paguei um preço simbólico. Se não tivesse dinheiro, seria de graça. Também
não percebi nos médicos uma postura arrogante de quem diz ‘eu sou o doutor’.”
Lá,
existe o médico de família e há, em cada quadra da cidade, núcleos de
atendimento à família, com profissionais da psicologia, serviço social, entre
outros. ”É visível a humanidade no atendimento à saúde, mas também no geral,
com as pessoas com quem relacionei. Ouvi relatos de quem tinha doença grave e
recebe todo auxílio. Conversei com uma senhora diabética, que teve que amputar
as pernas, e ela me disse que recebe todo o atendimento de que necessita.”
Teoria na prática
O
acesso dos cubanos ao mundo da arte, da cultura, da literatura também
impressiona. “A vida cultural é riquíssima, com muitas atividades de acesso
gratuito para a população. Há numerosas feiras de livros, que realmente são bem
baratos. Lá se nota que há a prática da teoria deles. Eles entendem o
conhecimento como algo integral. E se você conhece, tem a obrigação de
compartilhar com o outro.” Uma das paixões nacionais é a novela brasileira.
“Mas os cubanos não se enganam com a ficção, têm consciência de que é fantasia,
que a realidade social brasileira não é como mostram as novelas”.
Várias
conferências que Luiza assistiu despertaram seu interesse, uma delas, da
Federación de Mujeres Cubanas. Há muitos núcleos desta federação no país, que
atuam na prevenção, esclarecimento e proteção das mulheres acerca da
sexualidade e violência, por exemplo. Em Cuba, conta a estudante, as grávidas
condenadas por algum delito têm direito a acompanhamento médico idêntico ao de
uma mulher em liberdade, pois o bebê é um cidadão cubano como todos os demais,
e não vai para a prisão com a mãe. Após o nascimento, ela e o bebê recebem
atendimento até o fim da amamentação, quando então a mulher volta a cumprir a
pena. A licença maternidade em Cuba, vale dizer, tem a duração de um ano. “‘Los
hijos de la pátria’ (os filhos da pátria), crianças e adolescentes que perderam
os pais, são acolhidos pela sociedade, com todo atendimento de educação, saúde,
até a universidade.
A
vida política na nação caribenha é intensa, como notou Luiza. Os deputados não
recebem salário de político, somente a remuneração da profissão em que atuam
enquanto também cumprem o mandato. “Os políticos entendem que trabalhar no
governo é uma extensão de seu papel social, um dever. Eles têm que prestar
contas do trabalho à sociedade, de modo rigoroso.”
Ao
final das brigadas, nos cinco dias em que ainda ficou na ilha, Luiza teve
contato com alguns jovens que reclamaram por não poder viajar, “Eles disseram
que é difícil passear no próprio país, pela falta de dinheiro, pois recebem em
peso cubano. Falaram também que são poucos os que conseguem viajar para fora,
pois isso só acontece se for para realizar uma pesquisa, uma palestra ou para
fazer um curso.”
Educação para todos
Ao
visitar a Universidad de la Cultura Física y el Desporto Manuel Farjado,
acompanhada pelo professor Pedro Martinez, diretor da Radio Havana Club, Luiza
pôde conversar com o reitor Antonio Becalli Garrido, “Ele me explicou que em
Cuba o conhecimento é parte da sociedade, sendo assim, é fácil de adquiri-lo.
Todos que querem frequentar a universidade podem ter acesso a ela, pois ali se
investe em educação para todos. Em outros países, muitas vezes, pode-se ter
talento mas, se não há dinheiro, não é possível estudar ou praticar esportes.”
Em
Cuba há 14 escolas de Educação Física e todas são de graduação e pós, e os
estudantes incentivados a prosseguir estudos. O curso é fundamentado por três
eixos: regular diurno, regular para atletas de alto rendimento e o de
universalização. “Entende-se que a vida do atleta é diferenciada, com rotina de
treinos e preparação para competição. Por isso é necessária uma adaptação à
estrutura do currículo, para que siga sua vida acadêmica, com uma boa formação
e uma profissão, pois a vida do atleta é relativamente curta por fatores como o
intenso desgaste físico.”
O
curso de universalização foi implantado por Fidel para levar a universidade em
todos os cantos do interior, dando oportunidade de estudos para todos os
cubanos. São 500 os professores que ensinam nesta área, sendo 68% mulheres. Na
ilha há 23 mil estudantes de educação física e a universidade que Luiza
conheceu conta com 2.200 alunos. Os mestrados mais importantes são em
treinamento desportivo e cultura física terapêutica, formação professores de
educação física, atividade física na comunidade e esporte de combate.
Luiza
cita que o reitor Antonio Garrido, durante a entrevista, afirmou: “A essência
do desporte cubano parte da universidade. Quando falamos das nossas medalhas
olímpicas – e poucos países podem falar disso como nós – essas fundamentalmente
surgem dos professores da universidade, porque a ciência assume um papel muito
importante no desporte; pois estamos falando de biologia, fisiologia e
metodologia do desporte. Tratamos o alto rendimento em forma de sistema, temos
que ter uma equipe muito disciplinada para trabalhar com o atleta, sendo assim
a universidade tem um papel de protagonista.”
Inspiração para lutar
Luiza
também teve contato com a Federação dos Estudantes Universitários, entidade
estudantil que trabalha com uma atuação política organizada. “Alguns estudantes
disseram que a classe estudantil tem o privilégio de manter uma boa relação com
as reitorias, pois o entendimento em Cuba é de que a universidade é dos
estudantes.”
Para
Luiza, a viagem foi uma oportunidade de conhecer “a realidade de um país que
apresenta um sentido avançado de humanidade, mas vive boicotado por uma grande
potência, que não lança um olhar humano sobre este povo.” Mas os cubanos, como
ela diz ter percebido, não têm raiva dos americanos. “Falam deles como irmãos.
Nunca queimaram uma bandeira dos EUA em Cuba, tanto que muitos turistas
estadunidenses vão conhecer a ilha, onde são bem acolhidos.”
A
estudante, que veio de Lages, interior de Santa Catarina, para estudar em
Florianópolis, mora em uma república com outras quatro estudantes. Ela perdeu o
pai em 2009, tem dois irmãos e para estudar conta com o apoio da mãe, que
trabalha como auxiliar de contabilidade em uma empresa. Para continuar seu
trabalho de pesquisa, ela agora espera poder viajar para o Chile e, se tudo
correr como sonha, pretende aprofundar as pesquisas sobre infância e educação
física na Venezuela, Equador e Argentina. Esta primeira viagem de estudos
contou com o apoio da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis, e ela frisa que não
teria se concretizado sem a atenção e orientação do professor Paulo Capela, do
curso de Educação Física da UFSC.
Luiza
de Liz pensa que a o início de sua caminhada pela América Latina foi
emblemático. “Cuba é um exemplo de que muitos tiveram que morrer para que
houvesse a mudança. É uma inspiração para grandes lutas. Mas penso que apenas
espelhar-se no modelo cubano seria um engano, pois cada país tem que encontrar
seu próprio modo de fazer a sua revolução transformadora.”
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Fonte: Iela UFSC