Combatendo as tentativas
de elitizar uma comemoração que é naturalmente popular e de rua, o povo vai
atrás de suas troças históricas, maracatus, caboclinhos e não cede as
tentativas de enfiar garganta abaixo os cordões, os camarotes e as tais áreas
VIP's que tomam espaços que deveriam ser de todos. O Carnaval de Pernambuco ainda é, apesar dos
pesares, tipicamente de rua.
Só que esse ano a determinação de encerramento às
duas horas da manhã está ameaçando diversas de nossas expressões carnavalescas. Impondo um toque de recolher à manifestações que
até os horários são características seculares, um acordo feito entre órgãos
públicos mostra pouco se importar ou entender as tradições culturais do povo
que deveria representar.
Em Nazaré, um atentado ao
povo.
Na madrugada da
segunda-feira, 03/02, às duas horas da manhã, o Ministério Publico, acompanhado
da Polícia Militar, cumpriu a tal ordem, encurtando a festa do Maracatu
Cambinda Brasileira, no engenho Cumbe, que costumava raiar junto com o sol. O Cambinda
é o Maracatu Rural mais antigo do Brasil e faz questão de manter suas raízes em
Nazaré da Mata, município localizado na Zona da Mata de Pernambuco.
O Maracatu Rural ou
Maracatu de Baque Solto, diferente do Maracatu Nação ou de Baque Virado, é uma
manifestação cultural ligada à música folclórica pernambucana e que é marcada
pela presença dos conhecidos caboclos de lança. Ou seja, além de fazer a
manutenção do estilo Baque Solto, ele carrega consigo o trabalho de reavivar
nossas expressões e tradições folclóricas.
Tal feito pede um preparo e manutenção que muitas vezes transpassa o que pode ser feito, então cabe ao povo daquela região juntar forças para ir além do possível. Os Maracatus de Baque Solto foram intimados a depor e não será apenas em Nazaré que problemas e arbitrariedades poderão ocorrer.
Indo além...
Em Goiânia, como ficarão as tribos de caboclinhos? Quais serão as implicações, em Bezerros, ao festejo dos papaguns? E os caiporas de Pesqueira? O que isso poderá provocar em Triunfo, no Sertão, e seus caretas? Em Afogados da Ingazeira, o que poderá trazer a riqueza da festa dos Tabaqueiros? E a saída dos blocos dos bichos em Vitória do Santo Antão? Ficarão desertas as clássicas madrugadas das ladeiras de Olinda? E o Recife Antigo, o Bairro de São José?
Não é de hoje que nossas expressões populares são perseguidas e não é de hoje que seguem a resistir. Se tirarmos o nosso maracatu como exemplo, veremos que ele é herança dos bravos negros que pra cá foram trazidos.
O batuque feito para
homenagear a coroação do Rei do Congo era visto por segmentos da elite como
‘antro de vadios e desordeiros’, perturbador da paz e do sossego público.
"Os batuques, fossem eles de Xangô ou de Maracatu, invariavelmente recebiam inspeções da polícia, que prendiam seus praticantes e recolhiam os objetos de culto que encontravam nos terreiros. Desde os anos 1930, quando da divulgação das idéias modernistas e da realização do 1º Congresso Afro-Brasileiro, vimos ocorrer um movimento de transformação na visão da sociedade sobre os maracatus-nação. Na busca de símbolos que representassem o estado de Pernambuco e seu povo, os intelectuais procuram na cultura popular a fonte de inspiração. Manifestações antes vistas como atrasadas, resquícios de um passado colonial que a todo custo se desejava esconder, passam a ser revistas, assumindo novos espaços no contexto cultural do Estado.
"Os batuques, fossem eles de Xangô ou de Maracatu, invariavelmente recebiam inspeções da polícia, que prendiam seus praticantes e recolhiam os objetos de culto que encontravam nos terreiros. Desde os anos 1930, quando da divulgação das idéias modernistas e da realização do 1º Congresso Afro-Brasileiro, vimos ocorrer um movimento de transformação na visão da sociedade sobre os maracatus-nação. Na busca de símbolos que representassem o estado de Pernambuco e seu povo, os intelectuais procuram na cultura popular a fonte de inspiração. Manifestações antes vistas como atrasadas, resquícios de um passado colonial que a todo custo se desejava esconder, passam a ser revistas, assumindo novos espaços no contexto cultural do Estado.
Dentre as manifestações
escolhidas como representativas da “pernambucanidade” está o maracatu-nação. Em
um processo gradual e lento de legitimação, o maracatu é elevado de um lugar de
discriminação e exclusão a um espaço que o reconhece enquanto marco da mais tradicional
e autêntica cultura popular, emblema legitimo do Estado.” (Maracatu Itá)
Você pode até não gostar
do fervor e preferir um sossego, o que não cabe questionamentos, mas fica claro
que essa é uma questão que vai muito além de um simples festejo e merece nossa
atenção. É um pedaço de nossa identidade, logo é um pedaço de nós.
Tirar o povo da rua é querer acabar com uma festa que é sua por origem e essência. E na tentativa de homogeneizar e higienizar, fica claro o crime contra nossa cultura. Parafraseando o grande Nelson Sargento², não deixe que mudem toda sua estrutura ou que sigam a te impor outra cultura sem você perceber. Se eles fazem agonizar, nós podemos deixar morrer.
Pela livre expressão da
cultura popular! Abaixo ao ‘Carnaval Cinderela’!
Notas:
[1] Escrita pelo Mestre
Capiba, a citação faz referência a canção de mesmo nome, ‘Madeira que cupim não
rói’. Caso seja do seu interesse, na voz de Alceu Valença, em uma apresentação
incrível e acompanhada de um breve desabafo sobre a situação da música pernambucana,
escute-a: http://migre.me/hI6Mp .
[2] - A citação faz
referência à música ‘Agoniza, mas não morre’, composta por Nelson Sargento, um
dos maiores sambistas brasileiros. Caso seja do seu interesse, em uma
apresentação acompanhada da grande Tereza Cristina, escute-a: http://migre.me/hI70L.