Durante muito tempo na história do pensamento marxista, a
crença de que a economia determinaria mecanicamente os rumos da política esteve
presente como um dogma cujo questionamento implicava no banimento por heresia.
Por trás desta perspectiva existia a noção de que a vida econômica possuía leis
inexoráveis e que a produção material obedecia à uma lógica evolucionista autossuficiente.
Para os defensores desta ideia, significava que o desenvolvimento capitalista
inevitavelmente construiria as condições para a revolução socialista e para a
vitória do comunismo a nível internacional.
Desde os tempos do próprio Marx, profetizava-se a crise
final que levaria ao poder proletário como destino certo da História. Nesta
consagrada teleologia, o desenvolvimento das forças produtivas modernas
provocaria a proletarização da maior parte da população e a revolução seria
inevitável como o desabrochar de uma flor ou a reprodução de uma célula. O
comunismo como destino humano estaria assim inscrito na própria natureza das coisas.
É fácil constatar as consequências lógicas de tal concepção
da História e da economia moderna: o conformismo e o abandono do espírito
revolucionário. Não é a toa que o atual partido revisionista chinês esteja
proferindo aos 4 ventos sua tese de que “a
política não deve interferir na economia”. Não é a toa que esta também
tenha sido a perspectiva defendida por todos os revisionistas social-democratas
(partilhada tanto pelos partidários de Bernstein quanto pelos que se alinham
com a obra de Karl Kautski) até nossos dias. Em suma, o progresso em direção ao
socialismo é uma lei histórica do modo de produção capitalista e tudo o que nós
podemos fazer é garantir por meio de reformas graduais que este destino
concretize-se o quanto antes. Qualquer defesa da ação revolucionária caía,
dentro deste universo, na acusação de “voluntarismo” ou “idealismo”.
De fato, tal otimismo é contrarrevolucionário. E o primeiro
a compreender esta verdade foi justamente o próprio Lênin. A crítica a esta
noção teleológica da História, tão presente entre os partidos da II
Internacional, esteve entre suas teses fundamentais. Para o líder bolchevique,
mesmo a Rússia, um império semi-feudal com uma imensa população de camponeses e
pequenos redutos industriais, poderia encaminhar-se em direção a uma revolução
socialista, desde que o proletariado organizado fosse capaz de consolidar sua
hegemonia política entre as diversas classes exploradas e insatisfeitas com a
submissão ao imperialismo e à opressão czarista. Surge, assim, a noção de uma
aliança entre os proletários e a imensa massa de camponeses empobrecidos que
almejavam terra e o fim da guerra (aliança inconcebível para os teóricos da II
Internacional, que desprezavam os camponeses como uma classe de
pequeno-burgueses provincianos e reacionários): Uma revolução contra “O Capital”,
nos dizeres de A. Gramsci.
Lênin demonstrou no próprio desenrolar do processo
revolucionário que o proletariado tinha um projeto político inteiramente seu, e
que não deveria seguir mais a reboque do projeto desenvolvimentista da
burguesia liberal. Além de constituir um escândalo para a ortodoxia, tudo isto
carregava sérias implicações teóricas.
Fundamentalmente, afirmava a primazia da política e da
ideologia no desenvolvimento econômico. Althusser chega a conclusões
semelhantes quando afirma que é basicamente necessário que a classe produtora
esteja imbuída da ideologia dominante para que possa continuar (re)produzindo o
status quo, e que somente uma ideologia especificamente proletária que
expusesse o caráter político da economia poderia romper com este círculo
vicioso. Assim, a economia não pode mais ser concebida como um espaço
politicamente neutro e autorregulado. Ela se baseia em relações de poder que a
definem.
De fato, o capitalismo não se consolidou historicamente sem
uma forte intervenção estatal. E nem sequer se mantém sem a ajuda dos Estados
(basta observar como o Estado teve que salvar Wall Street da completa
bancarrota na crise de 2008). Os Estados em que ocorreram as primeiras vitórias
da burguesia contra os interesses conservadores da aristocracia foram também os
primeiros a promoverem o rápido desenvolvimento capitalista, o acúmulo de
riquezas, o crescimento das forças produtivas. A centralização política e a
consolidação do Estado absolutista carregavam consigo a derrota histórica da
aristocracia feudal e o fortalecimento do poder burguês como classe hegemônica.
Camponeses foram expulsos de suas terras, desintegraram-se as velhas relações
feudais e um prodigioso acúmulo de capital se deu por meio do saque criminoso
(organizado pelo Estado) das riquezas da América, África e Ásia. O capitalismo
europeu dificilmente teria se estabelecido sem a forte intervenção do Estado na
vida econômica e sem a virada política que levou à derrota da aristocracia feudal,
finalmente varrida da vida política e social com as revoluções burguesas do
final do século XVIII e da primeira metade do século XIX.
Abstraindo-se de todo este processo político, os
social-democratas viam apenas o desenvolvimento das forças produtivas na Europa
e concebiam as primeiras formas do imperialismo europeu como meras
consequências deste crescimento econômico quantitativo. Hoje podemos questionar
esta relação de causalidade. Um realmente não é possível sem o outro. Da mesma
forma, é necessário que o proletariado tome definitivamente o poder do Estado a
fim de consolidar o desenvolvimento da economia em direção ao socialismo. Assim
como o capitalismo precisou da ditadura burguesa, o socialismo exige a ditadura
proletária. O que implica em afirmar a hegemonia da ideologia do proletariado
entre o povo (entendido enquanto plebe, o conjunto das classes cujas demandas
são insatisfeitas dentro do corpo social).
Podemos perceber que a tese de que a economia é
auto-determinada e que a política é meramente um “teatro das sombras”, um
produto secundário do dinamismo econômico, vai de encontro à noção neoliberal
do homem como “homo economicus” e da intervenção estatal como uma intrusão
nociva e autoritária no “curso natural” da produção material. De certa forma,
os reformistas marxistas e os liberais andam de mãos dadas. Não é a toa que a
esquerda reformista, imbuída pela velha tese do desenvolvimento das forças
produtivas que, nas palavras de Josef Stálin,
“a todos reconcilia e a tudo justifica”,
seja a principal força política na promoção do desenvolvimento capitalista em
nossos tempos. Liberalismo e reformismo são concepções meramente reacionárias.
De fato, a luta de classes é a forma da luta política no
âmbito da economia, quando emergem as relações de poder que, em tempos normais,
aparecem ocultas no que os seres humanos percebem como formas justas e neutras
de reprodução material da vida social. Sem a luta, o inimigo não perecerá e nem
se consolidará a consciência revolucionária no proletariado. A luta classista
cria a noção de unidade de interesses entre membros de uma mesma classe, revela
quem realmente são aliados e quem são os inimigos para o conjunto da classe. A
vanguarda política do proletariado é justamente aquela que tiver a ousadia de
dar o primeiro golpe.
Iniciar o conflito político nunca foi e nem será do
interesse da classe dominante, que prefere a paz em um mundo de misérias. É
preciso ousar lutar, caso contrário, permaneceremos enganados por ilusões
“progressistas” há muito desmascaradas. É preciso combater o pacifismo
político, que anda lado a lado com o reformismo e o conformismo, se desejamos
de fato alcançar o socialismo e finalmente o comunismo.
O inimigo não morrerá por si mesmo!