Na sociedade em que vivemos, onde a imensa maioria da população é
explorada e tem seus direitos mais elementares pisoteados diariamente, nós,
mulheres, somos a parcela mais oprimida e aviltada das classes trabalhadoras.
Isto porque, além de sofrermos o peso da exploração capitalista e recebermos
menores salários que os homens de nossa classe, recai sobre nós a milenar
opressão sexual. As operárias, professoras, camponesas, etc., ou seja, 90% das
mulheres em nossa sociedade são duplamente exploradas e oprimidas. Esta
opressão sexual surgiu com a propriedade privada e é representada na forma da
família monogâmica patriarcal, na qual a mulher é escrava do lar, responsável
pelo extenuante e invisível trabalho doméstico e sofrendo infinitas humilhações
e formas de violência veladas ou abertas, físicas e/ou psicológicas, sexuais e
morais dentro e fora da família.
A escravidão doméstica da mulher é extremamente lucrativa e necessária
ao sistema capitalista, pois assim este deixa para o âmbito privado e sobre as
costas das mulheres uma série de trabalhos, indispensáveis à reprodução da
força de trabalho (cuidados com casa, alimentação, filhos, etc.), que lhe
custaria uma parte de seus fabulosos lucros. Isto significa que as mulheres do
povo realizam um trabalho pesado e gratuito para as classes dominantes, estes
nos exploram direta (no mercado de trabalho) e indiretamente (com o trabalho
doméstico).
Portanto, a quem interessa manter a exploração da mulher? Às classes
dominantes exploradoras, que para justificá-la socialmente criaram ao longo da
história uma série de mitos e uma moral reacionária baseada na suposta
"natureza deficitária e frágil" da mulher, na qual a repressão sexual
é reflexo direto. Como parte da exploração da mulher, a burguesia utiliza o
corpo feminino como rentável mercadoria, nos concebendo como meros objetos
sexuais. Toda a moral e cultura patriarcais existem para manter metade da
classe subjugada e oprimida, seja pelo tolhimento direto dos direitos e pela
repressão, seja pela aparência ilusória de "liberdade", como forma de
desviar as mulheres da luta consequente por sua emancipação.
Por que não somos vadias?
Qual o objetivo da "marcha das vadias": resignificar o
termo vadia ou considerar esta qualidade como sinônimo de
"liberdade"? Para nós, ambas as pretensões estão erradas, pois
assumir este adjetivo não representa contestação ao machismo.
Quando a sociedade burguesa e sua propaganda nos atacam com suas
injúrias devemos cuspi-las de volta, não faz sentido nos apropriarmos delas.
Todos os termos ofensivos ao povo são utilizados no sentido de desvirtuar sua
essência. Os operários em greve em Jirau (Rondônia) foram chamados de
"vândalos"; os guerrilheiros em luta contra o regime militar de
"terroristas"; as massas nas favelas do Rio de "traficantes".
Os termos preconceituosos, como parte da ideologia dominante, atuam no mesmo
sentido. Haveria razão para as mulheres lésbicas se denominarem de adjetivos
ofensivos como "sapatas", ou das mulheres negras se chamarem
"macacas", ou todas nós de vadias? Claro que não! É um erro
acreditar que se combate o preconceito assimilando termos preconceituosos
impostos pela moral burguesa.
Por outro lado, assumir a condição de "vadia" não é contestar
a ideologia dominante. A moral burguesa, e dentro dela o machismo, não se
expressa apenas no conservadorismo dos padres, pastores, rabinos ou clérigos
mulçumanos. A hipocrisia é uma das características desta moral reacionária,
onde todos os "pecados" proibidos na missa são cometidos e
estimulados assim que ela termina. A suposta "liberdade" sexual
apresentada pela burguesia, o seu niilismo, onde tudo é permitido, é tão
opressor como o conservadorismo. A burca imposta pelo Talibã e a indústria
pornográfica do EUA conservam o mesmo machismo, apenas com formas diferentes.
Assim, se por um lado o machismo se expressa como castração à sexualidade
feminina, por outro lado estimula a mercantilização de nossos corpos e para
isto difunde uma falsa "liberdade" da mulher em se "vender
livremente". Ambos os aspectos reduzem a mulher ora como objeto casto de
reprodução, ora como objeto de lucro e prazer alheios e são parte da mesma
moral burguesa.
O conservadorismo e o niilismo são faces da velha moeda da moral
burguesa; optar por uma delas na ilusão de combater a outra só ajuda a
conservar a sociedade como está. Somos por uma nova moral sexual, uma moral
revolucionária, sem niilismo e sem conservadorismo. E esta nova moral só é
possível ser construída na medida em que lutamos para destruir todos os pilares
desta velha sociedade opressora e exploradora.
Por isto, para nós, a "marcha das vadias" nada tem de
contestatória; o centro na "irreverência" longe de combater, estimula
o estereótipo da mulher como objeto sexual masculino. A imagem do cartaz da
marcha das vadias de Brasília, com uma jovem branca, magra, em pose
sensual, com o sutiã nas mãos, é bem similar a inúmeras capas de "revistas
masculinas". Que contestação há nisso? A nudez pode sim representar a
contestação à moral dominante, mas neste caso não vemos nenhum nu artístico,
apenas uma imagem que reforça o padrão de beleza dominante e de comportamento
jovem que associa rebeldia à mera exposição do corpo feminino. Senão, seríamos
obrigadas a considerar como publicação revolucionária a revista
"Playboy", editada no Brasil pelos ultra-conservadores da editora
"Abril", os mesmo que editam a direitista "Veja".
Companheiras, devemos lutar pelo fim de todas as formas de opressão
contra as mulheres. A violência sexual é uma delas. Temos que combater com a
mesma energia o estupro cultural, dirigido principalmente contra a juventude,
que procura estimular e naturalizar a pedofilia e a prostituição. Devemos
combater expressões culturais do tipo "novinhas" e
"popozudas" sem medo de cair no falso moralismo ou conservadorismo. Estas
músicas, estas sim, são conservadoras, afinal reforçam o discurso da mulher
como objeto sexual.
Portanto, companheiras, não somos vadias! Vadia é a
burguesia, que em seu ócio, nada criativo, vive da exploração do trabalho
alheio. Terroristas e vândalos são os Estados imperialistas que invadem e
saqueiam nações e povos em todo o mundo. E são eles os responsáveis pela
situação de humilhação, falta de direitos, e opressão feminina nas mais
diversas esferas, pois difundem sua ideologia dominante que penetra em nosso
meio, em nossa classe. É contra estas classes dominantes, pois, que devemos
lutar, para transformar profundamente as bases desta sociedade e toda a cultura
e moral degradantes dela decorrente.
- Publicação do Movimento
Feminino Popular