"A imperdoável cegueira ideológica de Hobsbawn" - Revisa VEJA (sic)
Creio que independente dos princípios de determinado meio de comunicação, existe uma coisa chamada 'imparcialidade' que deve ser respeitada e colocada em prática, assim como um historiador, sem perder sua criticidade e seu papel atuante, deve saber ser honesto e justo para com o seu trabalho em analisar e relatar fatos históricos. Dever no qual Eric Hobsbawm foi impecável.
Essa semana a Carta Capital, revista que não nega sua vertente de esquerda, lançou um artigo sobre o Salvador Dali, mestre do surrealismo e assumidamente anticomunista. No artigo, a colunista já começa dando uma lapada direta e exemplar: 'Em minha opinião, as paixões intelectuais e artísticas não deveriam ser contaminadas pelas opiniões políticas.'(http://migre.me/hEG01). E, sem abrir mão da criticidade, assim segue-se um artigo muito bem escrito sobre a vida e obra de Dalí.
O direito de tecer críticas e ser contrário não é o que me levou a escrever, mas sim a falta de dignidade ao construir tal artigo sobre uma produção tão complexa e vasta. Iniciado com um ad hominens ridículo, o colunista segue: "Marxista irredutível, Hobsbawm chegou a defender o indefensável: numa entrevista que chocou leitores, críticos e colegas, alegou que o assassinato de milhões orquestrado por Stalin na União Soviética teria valido a pena se dele tivesse resultado uma "genuína sociedade comunista".

Sobre a tal relação conturbada com suas raízes judaicas, ressaltando a falta de criatividade da revista ao usar o mesmo argumento já feito contra Marx - vou ficar devendo a fonte - é uma afirmação bastante maliciosa (e falsa) usada para justificar seu 'insano apoio a causa palestina', sendo a Veja uma ferranha defensora de Israel e uma das responsáveis da limpeza de sua imagem por aqui.
Basicamente construído na ânsia de ligar a URSS ao III Reich, no que diz respeito à brutalidade insana do segundo, o artigo apenas faz um leve citar de suas outras obras ignorando todo seu conteúdo. E, insistindo em desmerecer seu trabalho por sua origem ideológica, o autor mostra uma falta de conhecimento sobre o que escreve, e até sobre o próprio estudo da História, ao julga-lo como apenas sendo um historiador marxista.
Não me surpreende tal coisa vindo de Veja, um dos motivos principais que me fazem não ter estomago para lê-la, mas me preocupa no tange seu poder de influência como meio de comunicação. Não busco aqui uma verdade absoluta, mas fica claro a tendência de criar dicotomias entre 'os seus e os nossos', uma dualidade que não existe na avaliação histórica e que se torna bastante perigosa para compreensão. De forma justa e esclarecedora para com o qual o motivo que coloquei a escrever, concluo com as palavras do próprio Hobsbawm sobre o que se trata ser um historiador e seus principios:
"A destruição do passado — ou melhor, dos mecanismos sociais que vinculam nossa experiência pessoal à das gerações passadas — é um dos fenômenos mais característicos e lúgubres do final do século xx. Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínua, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem. Por isso os historiadores, cujo ofício é lembrar o que outros esquecem, tomam-se mais importantes que nunca no fim do segundo milênio. Por esse mesmo motivo, porém, eles têm de ser mais que simples cronistas, memorialistas e compiladores.''
- Mylena Cristina