Seguem alguns dados sobre a barbárie social que se abateu sobre os
países do Leste Europeu depois da queda do socialismo. É interessante como
existem incautos ignorantes o suficiente para acreditar que a pobreza que
existe naqueles países hoje "se deve ao socialismo", numa lógica
falaciosa de post hoc ergo propter hoc. Com o capitalismo não veio somente o
desmantelamento e privatização de grandes empresas aliada ao desaparecimento da
segurança social, veio também o caos. Tráfico de pessoas, abuso de drogas,
corrupção, criminalidade, assassinato, desemprego, impunidade, etc. Eu diria
nessa linha que "diversos autores e fontes" reconhecem o bem estar
social existente nesses países nos tempos do socialismo, porém seria ridículo
já que não existe polêmica quanto a isso (como esses dados estão aí para
mostrar). A nostalgia do socialismo tem suas origens. Me impressiona que alguns
"libertários", especialmente os mais novos, acreditem que isso
realmente foi um "avanço" e que o mercado é capaz de resolver todos
os problemas sociais; a eles cabe a honestidade de reconhecer a barbárie que se
instaurou nesses países e defender aquilo que acreditam, dizer que "esse é
o preço da liberdade", ao invés de forjar quimeras para se opor. Gastam a
saliva para falar da "impossibilidade do cálculo econômico",
"eppur si muove" - o socialismo certamente funcionava e funcionava
melhor que o regime econômico atual, implicava num avanço sem precedentes nas
forças produtivas, avanço abortado pelo capitalismo. É claro que para os nossos
"macroeconomistas" e demais "especialistas" a robustez de
uma economia não se mede por suas forças produtivas e sim por uma
"estabilidade" que nada mais é que a estabilidade do capital financeiro.
É bom lembrar também dos "esquerdistas", especialmente os morenistas
da LIT-PSTU que comemoram esse acontecimento da queda do socialismo sob o
pretexto de "permitir a reorganização dos trabalhadores".
"Reorganização" dos trabalhadores desempregados que foram demitidos
por multinacionais ou tiveram suas empresas fechadas, dos esfomeados? Os
trabalhadores que tiveram suas organizações atacadas e foram duramente
reprimidos por Yeltsin (que chegou a bombardear o Parlamento) quando tentaram
recuperar o que perderam? Os fatos gritam por si só, e fato é que a queda do
socialismo significou um retrocesso nas forças produtivas desses países (que
demonstrarei em tabelas numa outra postagem), anomia, fim da seguridade social
e um grande golpe aos trabalhadores e de toda sociedade no que concerne sua
situação material. Até hoje não houve recuperação, mesmo com o abrandamento de
efeitos que foram extremos nos anos '90 e 15 anos depois se faziam sentir. Por
fim, como disse, cada um trás os seus valores e julga isto como preferir: para
os trotskistas (morenistas - Nª do VàE) da LIT é provável que o melhor seja
assim mesmo.
Europa Oriental: 15 anos depois, a dura realidade
(Por Marc Vandepitte)
A instauração do capitalismo significou um retrocesso para todos os
países da Europa Oriental, tanto no plano econômico quanto no social. Um
relatório das Nações Unidas declara: "A mudança de uma economia
planificada para uma economia de mercado foi acompanhada de grandes mudanças na
divisão da riqueza nacional e no bem-estar social. As estatísticas mostram que
são as mudanças mais rápidas jamais registradas. Isso é dramático e acarretou
um custo humano elevado" (1).
Entre 1990 e 2002, o produto interno bruto (PIB, o conjunto de bens e
serviços produzidos em um ano) por habitante dos países da Europa Oriental
diminuiu em 10%, enquanto em países de nível comparável o aumento no mesmo
período do PIB foi de 27% (2). Isso representa uma perda efetiva de quase 40%.
Essa regressão vale para todos os países, salvo Polônia e Eslovênia.
Hoje, o PIB per capita dos antigos países comunistas da Europa Central e
Oriental é 25% menor que o da América Latina (3). Para as repúblicas da
ex-União Soviética a situação é mais dramática ainda. Nos anos 90 o PIB caiu em
33% (4). A Ucrânia teve, inclusive, uma diminuição de 48% (5) entre 1993 e
1996, e a Rússia teve de 47% (6).
As ações das empresas Estatais foram vendidas a preços ridiculamente
baixos, uma grande parte do poderoso aparato econômico e industrial foi
desmantelada. Em alguns anos, a grande potência industrial que era a Rússia se
converteu em um país do Terceiro Mundo. O seu PIB (144 milhões de habitantes) é
mais baixo que o dos Países Baixos (16 milhões de habitantes).
A União Soviética retrocedeu economicamente em uns 100 anos. No momento
da revolução socialista, em 1917, o PIB per capita era de 10% em relação ao dos
americanos. Em 1989, apesar do fato de a União Soviética ter deixado a Segunda
Guerra esgotada e praticamente destruída, o PIB per capita alcançava 43% do índice
dos americanos (7). Hoje, o PIB per capita russo é menor de 7% do índice dos
cidadãos dos EUA.
A situação social
Cerca de 150 milhões de habitantes da ex-União Soviética (isto é, o
número de habitantes de França, Reino Unido, Países Baixos e Escandinávia
reunido) desapareceram dentro da pobreza nos princípios dos anos 90. Hoje vivem
com menos de 4 dólares por dia (8). O número de pobres que vivem com menos de
um dólar por dia se multiplicou por vinte. Na Bulgária, Romênia, Rússia,
Cazaquistão, Quirguistão, Turcomenistão, Uzbequistão e Moldova o número de
pobres atinge de 50% a 90% da população (9).
Segundo um estudo recente da Unicef, um em cada três crianças dos
antigos países do Leste Europeu vive hoje na miséria (10). Um milhão e meio de
crianças vivem em orfanatos. Na Rússia, o número de crianças abandonadas foi
duplicado, apesar da forte diminuição da taxa de nascimentos. Em Bucareste,
capital da Romênia, centenas de crianças vivem nas ruas e mais de 100 mil
abandonadas. E no antigo Bloco Oriental mais de 100 mil delas foram empurradas
para a prostituição.
Os cuidados médicos e sociais com as crianças foram quase inteiramente
desmantelados. Para muitas mulheres, a mudança para o capitalismo foi também
uma verdadeira catástrofe: "Um numero crescente de mulheres é vítima da
violência. Muitas mulheres que procuraram desesperadamente por trabalho e por
uma vida melhor foram empurradas para a prostituição, organizadas por
máfias" (11). A cada ano, aproximadamente, meio milhão de mulheres da região
é literalmente exportado para os países da Europa Ocidental (12).
Antes da passagem para o capitalismo, a região vivia um bem-estar social
garantido. Um relatório das Nações Unidas descreve: "Antes dos anos 90, as
condições sociais nos países da Europa Central e Oriental e nos países da CEI
(13) eram notavelmente boas. Havia uma grande segurança social como base. O
emprego era garantido por toda a vida. Da mesma forma, se a renda monetária era
baixa, era estável e segura. Muitos bens de consumo e serviços básicos eram
subsidiados e o abastecimento era regular. Havia alimentação suficiente, roupas
e moradias. O acesso à educação e à saúde era gratuito. A aposentadoria estava
assegurada e as pessoas podiam desfrutar de outras formas de proteção social"
(14).
O relatório continua: "Hoje, uma educação satisfatória, uma vida sã
e uma alimentação suficiente não estão asseguradas. A taxa de mortalidade
aumenta, novas epidemias potencialmente destruidoras ameaçam e tornam a vida (e
a sobrevivência) num crescente e alarmante perigo" (15).
Uma conseqüência: certos países dramaticamente perdem população. Na
Ucrânia, a população diminuiu em 1,2 milhões de pessoas desde o ano de 1991. Na
Rússia, entre 1992 e 1997, em 5,7 milhões, apesar da chegada de 3,7 milhões de
imigrantes de países vizinhos. O que quer dizer que a cada dia que passa há
menos 3,5 mil russos no país.
As Nações Unidas estimam que, se a atual tendência não se inverter a população dos antigos países do Leste Europeu terá diminuído 20% em 2050 em relação aos dias de hoje. De 307 milhões de pessoas, passarão para 250 milhões (16).
As Nações Unidas estimam que, se a atual tendência não se inverter a população dos antigos países do Leste Europeu terá diminuído 20% em 2050 em relação aos dias de hoje. De 307 milhões de pessoas, passarão para 250 milhões (16).
Que pensa o povo?
As pessoas oscilam entre a decepção, a resignação e a cólera. Alguns
exemplos:
A Polônia foi a nação que se deu melhor com a transição. Neste país tão católico
o comunismo jamais teve vida fácil. Entretanto, 44% dos poloneses de hoje
julgam o período do Bloco Socialista como "positivo". Quarenta e
quatro por cento dos poloneses estimam que o socialismo é uma boa doutrina, mas
que foi "mal aplicada". Trinta e sete por cento fazem uma apreciação
positiva do partido comunista, que esteve no poder de 1945 a 1989. Trinta e um
por cento deles se dizem descontentes com o período findo com a queda do muro.
Somente 41% acham que o capitalismo ainda é um sistema melhor (17).
Um pouco mais para o Oeste, no território da antiga Alemanha
Democrática, 76% dos alemães consideram o socialismo "uma boa idéia, mas
que foi mal aplicada" e só um em cada três deles está satisfeito com a
forma como funciona a democracia (18).
De acordo com uma pesquisa feita em 1999, 64% dos romenos preferiam
viver sob o comando do premiê Ceausescu (19).
Na Rússia, Lênin é ainda muito popular. Sessenta e sete por cento dos
russos emitem opiniões positivas a seu respeito. Apenas 15% deles falam de
Lênin utilizando termos negativos (20).
Há milhares de insatisfações e o potencial de revolução é grande. As
feridas do passado estão ainda abertas e a confusão ideológica ainda é grande,
mas não se afasta a idéia de que, em um futuro próximo, se regresse ao
socialismo, mas desta vez, "bem aplicado".
Os males típicos do Terceiro Mundo
Desde a instauração do capitalismo, a Europa Oriental parece cada vez
mais formada por países do Terceiro Mundo.
A décima parte dos habitantes dos antigos países do Bloco Socialista
está desnutrida. Na Rússia, uma criança em cada sete sofre de desnutrição
crônica.
Pela primeira vez em 50 anos, o analfabetismo reapareceu.
A tuberculose está novamente tão disseminada como no Terceiro Mundo.
O número de casos de sífilis na Rússia, em 1998, era quarenta vezes
maior que o de 1990.
A esperança de vida dos russos de sexo masculino passou de 63,8 para
57,7 anos, entre 1992 e 1994. Na Ucrânia diminuiu de 65,7 para 62,3 anos.
Desde 1992, o número de alcoólatras duplicou na Rússia.
Para cada 100 casos de gravidez, há 60 abortos na Rússia. A conseqüência
é brutal: 6 milhões de mulheres são estéreis.
O número de suicídios na Polônia aumentou em 25%. Em alguns países da
ex-URSS dobrou.
O número de crimes, na Bulgária, é quatro vezes maior que em 1989. Na
Hungria e na República Tcheca triplicou. Na Polônia, aumentou em 60% o número
de assassinados. Noutros países, em até 250%.
As Nações Unidas estimam que o número de mortos nos antigos países
socialistas, atribuídos às novas enfermidades (facilmente curáveis) e à
violência (guerra) é de 2 milhões nos primeiros 5 anos da passagem para o
capitalismo.
Notas
1. PNUD, Informe sobre a evolução da humanidade, 1999, pp. 39 e 79.
2. PNUD, Informe sobre a evolução da humanidade, 2004, p. 187.
3. Ibidem.
4. Comissão econômica das Nações Unidas para Europa, ver www.unece.org/stats/trends/ch5/5.2.xls.
5. Financial Times, 12 de outubro de 2004.
6. Le Monde Diplomatique, julho de 1998.
7. Harpal Brar, Imperialismo. Decadente, Parasita, Moribundo
Capitalismo, Londres 1997, p. 210.
8. James Gustave Speth, The
Plight of the Poor, Foreign Affairs, maio-junho 1999; PNUD, Informe sobre a
evolução da humanidade, 1997, p. 35.
9. PNUD, Informe sobre a
evolução da humanidade, 2000, p. 172; Unicef, Poverty, Children and Policy,
Report n. 3, Nova Iorque, 1995; PNUD, Informe sobre a evolução da humanidade,
2004, pp. 150-151; Michael Chossudovsky, Global Poverty in the late 20th
Century, p. 296.
10. Unicef, Eastern Europe
& Central Asia: Millions of Children bypassed by Economic Progress, Moscou
2004.
11. PNUD, Informe sobre a evolução da humanidade para Europa central e
oriental & a CEI, 1999, pp. 7-8.
12. PNUD, Informe sobre a evolução da humanidade, 1999, p. 89.
13. CEI, Confederação de Estados Independentes, uma organização
desaparecida das antigas repúblicas soviéticas.
14. PNUD, Informe sobre a evolução da humanidade para a Europa Central e
Oriental e a CEI, 1999, p. 2.
15. Ibidem, p. 10.
16. The New York Times, 4 de maio de 2000; Le Monde Diplomatique, março
1999; Le Monde Diplomatique, julho 1998.
17. Le Monde Diplomatique, janeiro de 2001; La Libre Belgique, 2 de
agosto de 2002.
18. The Guardian, 9 setembro de 2004.
19. NRC Handelsblad, 14 de dezembro de 1999.
20. NRC Handelsblad, 18 de abril de 2001.
Marc Vandepitte* é escritor. Escreveu livros em holandês sobre Cuba,
Iraque e a antiglobalização;