Karl Heinrich Marx, expressão máxima do socialismo científico, ensinava
que "as idéias predominantes de uma época são as idéias da classe
dominante", neste diapasão, a burguesia internacional gasta milhões em
propaganda anticomunista. Comparar a guerra ideológica travada entre a
burguesia e os trabalhadores é como comparar um dois indivíduos que vão para
uma luta de boxe. É claro que aquele que tem mais dinheiro poderá pagar pelo
melhor técnico, comprar os melhores alimentos, suplementos que lhe darão
energia de primeira categoria, as melhores luvas, o melhor protetor bucal, os
melhores médicos, caso tenha uma lesão, e ainda poderá comprar o júri da luta.
O boxeador pobre, entretanto, terá que rezar que para achar um bom técnico
disposto a ajudá-lo, talvez não poderá comprar os melhores alimentos, faltando-lhe
uma dieta apropriada, não poderá comprar os caros suplementos, terá que contar
com médicos da rede pública de saúde e terá de ser bom o suficiente para que o
júri se convença. Esta analogia é necessária, para que o leitor possa
compreender a potestade que é a imprensa da burguesia, que através de suas
editoras monopolistas publica quase que exclusivamente livros de propaganda
anticomunista, cujas livrarias apresentarão apenas uma versão da história.
Sabe-se, entretanto, que na história não faltam exemplos de exércitos armados
apenas com foices e martelos, de camponeses protegidos apenas por trapos e no
máximo armaduras de couro, que derrotaram cavaleiros protegidos por armaduras
de aço, como ocorreu em Portugal. Sabe-se que os camponeses da República de Novgorod,
da velha Rússia, conseguiram derrotar a mais poderosa ordem de cavaleiros da
Idade Média na Europa, os cavaleiros teutônicos, e que na Alemanha o povo
trabalhador, sob a liderança do cavaleiro Geyer Florian, derrotou a nobreza
germânica. Essa é a dimensão e natureza da luta contra a ideologia da
burguesia, uma luta contra a elite reacionária que visa trazer apenas a
subjugação da classe operária e de todos aqueles que defendem uma sociedade
justa.
Dada a compreensão desta luta, deve-se primeiramente sublinhar que
diferente do senso comum, o GULAG significa "Glavnoye Upravlyenye
LaGyera", isto é, "Administração Geral dos Campos". Falar em
"gulags" é o mesmo que falar em "Sistemas Penitenciários"
no Brasil, por exemplo, é um termo impreciso, incoerente, que nitidamente
revela o desconhecimento do interlocutor a respeito do assunto e sua completa
falta de epistemologia e de preparo para debates, ao qual é recomendado apenas
o silêncio. A Administração Geral dos Campos era o órgão que administrava os diversos
campos de trabalho na URSS, que seguia o princípio penal de que o preso deve
dedicar-se à atividade produtiva como forma de sua recuperação. Este sistema,
presente em monarquias e repúblicas, em sistemas autoritários e libertários,
são uma constante em praticamente todos os sistemas penais dos países
civilizados. Segundo Júlio Frabbrini Mirabete, eminente jurista brasileiro,
ex-procurador de justiça do Estado de São Paulo e membro da Academia Paulista
de Direito, e Rodrigo de Abreu Fudoli, autor de "Da remissão da pena
privativa de liberdade", o sistema penitenciário passou por uma
considerável evolução ao longo da história. A princípio, a pena privativa de
liberdade partia do princípio de vingança e castigo, era comum, na Roma antiga,
que os condenados recebessem como pena o trabalho nas galés, grandes barcos com
remos operados por presos, depois, na época do Iluminismo, foi questionada a
idéia do castigo físico, tendo ganho força a ideia de "trabalhos
forçados", da "escravidão" meramente como elemento de
penalização, numa época em que na Europa o capitalismo já estava em vigor.
Entre os séculos XVI e XIX desenvolveu-se a ideia do trabalho pedagógico,
moralizante e disciplinador do infrator da lei. Ao contrário do senso comum de
que "o trabalho reeduca" é um lema nazista, este é na realidade um
lema do sistema penal, seja ele de um país de orientação socialista, nazista,
liberal, conservador...
Autores como Wilhelm Reich, em "A revolução sexual", mencionam
que na Rússia socialista e mais tarde na URSS, era comum que o trabalho dos
presos tivesse um caráter moralizante, disciplinador, onde os presos
trabalhavam na confecção de objetos como calçados, o que lhes permitia se
reinserirem na sociedade após o cumprimento de suas penas. Enquanto nos anos 20
e 30 predominava esse princípio na União Soviética, países como os Estados
Unidos aplicavam penas de trabalhos forçados, nos quais o prisioneiro
trabalhava exaustivamente com bolas de ferro em seus pés, cena inexistente no
país dos sovietes. Segundo o autor sueco Mário Sousa, autor do brilhante
trabalho denominado "Myten om miljontals fångna och döda i Stalins
Sovjetunionen"(O mito dos milhões de presos e mortos na União Soviética de
Stalin), "para os campos de trabalho Gulag iam os criminosos de crimes
graves (homicídio, roubo, violação, crimes econômicos, etc.) e uma grande parte
dos condenados por atividades contrarrevolucionárias. Outros criminosos com
pena superior a três anos podiam também ser postos em campos de trabalho.
Depois de um tempo num campo de trabalho o preso podia ser mudado para uma
colônia de trabalho ou uma zona especial aberta. Os campos de trabalho eram
zonas muito grandes onde os condenados viviam e trabalhavam debaixo de um
grande controlo. Trabalhar e não ser um peso para a sociedade era coisa
evidente, nenhuma pessoa saudável passava sem trabalhar"(escrito português
de Portugal conforme a velha regra)[1]. Ainda, o autor fala sobre as colônias
de trabalho, que eram 425, onde havia um regime com menor controle, mais livre,
para onde iam geralmente infratores de crimes menores e crimes políticos,
trabalhando em fábricas ou mesmo colônias agrícolas, esses presos eram
remunerados. No Brasil, existe um sistema similar ao este, ele se chama
"Colônia penal", sendo a maioria agrícola e algumas de natureza
industrial, fabricando, por exemplo, bolas de futebol, exercendo atividades que
venham a possibilitar a reinserção do indivíduo na sociedade.
É certo que nenhum sistema penitenciário é um sanatório, casa de
descanso ou spa, de maneira que no sistema soviético, assim como em outros,
havia irregularidades, nenhuma delas, ordenada por Stalin ou qualquer órgão
diretivo do Estado Soviético. Estes casos de abuso contra prisioneiros
ocorreram em sua maioria durante os anos II Guerra Mundial, quando nem a
população podia viver tranquilamente sob a ameaça dos fascistas invasores,
sofrendo com o racionamento de comida e uma série de privações, como não
poderia deixar de ser, essas privações também ocorriam nos campos de trabalho.
Muitos dos guardas que cometiam esses abusos eram pessoas que perderam sua
família ante os nazistas ou seus colaboradores, pessoas que perderam suas
casas, filhos, entes queridos ou simplesmente viram milhares de seus camaradas
serem queimados vivos ou enforcados pelos defensores das idéias de Hitler, com
quem encontravam-se frente a frente no Gulag nos anos depois da guerra. Diante
do fato de que essa guerra alterou a vida de todo o país, vitimando mais de 20
milhões de soviéticos, é compreensível que muitos guardas do NKVD viessem a
oferecer um tratamento gentil e cortez para criminosos nazistas. Apesar do quê,
havia casos excepcionais em que o próprio Stalin chegou a pedir clemência para
com os presos do Wehrmacht, o que contradiz a ideia do "Stalin
cruel". Segue-se, entretanto um exemplo de ordem cruel:
"O Presidente Bush clama ao Congresso que permita que a CIA
continue usando procedimentos de interrogatório "alternativos" - o
que inclui, de acordo com registros publicados, forçar os prisioneiros a ficar
em pé por 40 horas, privando-os do sono e o uso da "cela fria", na
qual o prisioneiro é deixado nu em uma cela mantida próxima de 50 graus
negativos e molhado com água fria"[2]
O sistema carcerário soviético alcançou o número máximo de 2,5
milhões(aproximadamente) de presos em 1953, após a Segunda Guerra Mundial,
quando muitos nazistas foram encarcerados e aumentou a incidência de
criminalidade em razão das condições materiais do país após a guerra,
tratava-se de um país em tempos difíceis, que teve grande parte de sua infraestrutura
destruída e sua qualidade de vida alterada pela guerra, algo que jamais
aconteceu, por exemplo, em países como os Estados Unidos, que desde o início do
século XIX, isto é, há quase 200 anos, não conhece uma guerra em seu
território. Este país, que gasta milhões por ano em guerras imperialistas e
propaganda anticomunista, tem mais de 2 milhões de miseráveis e tem a maior
população carcerária do mundo, tendo alcançado o número de 7 milhões de presos
em 2007[3], o que é quase a população da cidade do Rio de Janeiro. Este número
chegou a ser confirmado no site The Conservative Voice (A voz
conservadora), em link[4] que atualmente está fora do ar. Um fato
interessante sobre o sistema penitenciário soviético é que nem mesmo por parte
dos anticomunistas mais extremistas há relatos de abuso sexual de presos por
outros presos ou mesmo por parte de policiais, como acontece no Brasil e nos
Estados Unidos. No primeiro, por exemplo, durante o período fascista que
vigorou de 1964 a 1985, é possível encontrar casos de prisioneiros que sofriam
técnicas de tortura deploráveis, mulheres que tinham insetos introduzidos no
canal da vagina, que eram deixadas nuas e sem tomar banho por semanas, homens
que tinham a sua masculinidade humilhada, com a introdução de objetos fálicos
em seu ânus e mesmo sendo estuprados pelos mesmos torturadores que usavam
termos homofóbicos contra comunistas. Embora no sistema penitenciário soviético
houvessem casos de presos que sofriam tratamento duro das autoridades do NKVD
como socos na barriga, nada se compara ao tratamento que os presos políticos do
Brasil sofriam na época da ditadura latifundiário militar, tais como estupros,
choques elétricos, mutilação, sodomia e outros tipos de abuso sexuais e
físicos. Diferente do que ocorreu no Brasil, desconhece-se casos de dissidentes
soviéticos que tenham saído paraplégicos do Gulag.
Disparates segundo o qual "a ditadura militar brasileira foi mais
branda do que a ditadura comunista-terrorista" não passam de clichês
vazios e desprovidos de qualquer objetividade, ignorando que em muitos casos
eram regimes revolucionários que em razão de situação extraordinária adotaram o
Estado de Exceção, uma vez que viviam uma ameaça real, a Rússia, por exemplo,
foi invadida por 14 países só entre 1918-21, a URSS, em 1945, foi invadida por
dezenas de países vassalos da Alemanha nazista, mais ela própria, por mais de 2
milhões de homens só no primeiro dia da invasão, tendo perdido 20 milhões ante
a histeria anticomunista alemã; isso tudo sem contar os casos de terrorismo nos
anos 20 e 30 promovidos com o intuito de desestabilizar o sistema socialista,
na URSS e fora dela, contra suas representações diplomáticas. A ditadura
latifundiário-militar fascista não conheceu invasores externos, quando muito
guerrilheiros treinados em Cuba, China e Tchecoeslováquia contra tiranos
formados por escolas de tortura nos Estados Unidos e alguns até mesmo na antiga
Alemanha nazista. Não é segredo para ninguém que enquanto o governo perseguia
implacavelmente os comunistas, patrocinava grupos neonazistas como o CCC e
tinha nazistas convictos no poder como Fillinto Müller, além de ter homiziado
fugitivos do Tribunal de Nuremberg como o Dr. Josef Mengele, que conviveu
tranquilamente no Brasil até sua morte, um nazista protegido por fascistas, por
farsantes pseudo-nacionalistas.
Um dos pontos curiosos ao se falar do GULAG, é que ele é atacado pelos
mesmos indivíduos que defendem que "bandido bom é bandido morto".
Alguns círculos direitistas, celebrando o massacre do Carandiru, condenam a repressão
comunista a uma revolta carcerária ocorrida na Ásia Central, quando os nazistas
detentos da OUN-UPA[5] tomaram um campo de trabalho e montaram um governo
rebelde no Cazaquistão, revolta essa descrita e aplaudida no livro de
Solzhenytsin, que é na Rússia apelidado de So-lzhi-nytsin(lzhi significa
"mentiras", em russo). O autor, que esteve no GULAG e saiu de lá em
perfeitas condições de saúde, não faz nem esforço para em seu livro ocultar a
sua admiração pelo nazismo, criticando Hitler apenas por não ter usado
devidamente o potencial do movimento colaboracionista. Este pseudo-humanista,
venerado pela extrema-direita, chega ao extremo de defender estupradores,
fazendo apologia a dois soldados que haviam sido presos por estuprar uma civil
alemã.
De fato, as críticas ao sistema do Gulag são desprovidas de
epistemologia e carecem de objetividade. Mesmo números como os 10, 20, 70, 100
ou 300 milhões, não podem ser corroborados por dados, uma vez que os dados
oficiais apontam o número de 2.369.222 pessoas presas e 642.980 executados,
durante o período de 1921 a 1954, isto é, num período total de 33 anos,
apresentando um número menor do que os Estados Unidos da América(que só em 2007
tinha mais de 7 milhões de encarcerados, sendo o campeão mundial de detentos),
e mesmo a República Federativa do Brasil, que anualmente tem mais de 250
mil presos. As execuções dizem respeito a crimes contra-revolucionários, uma
vez que, conforme já descrito, a Rússia e a URSS enfrentaram uma ameaça real,
concreta e objetiva que justificaram a aplicação do Estado de Exceção, uma
guerra civil, a invasão por 14 países neste intercurso, sabotagem, revoltas,
terrorismo e a II Guerra Mundia. Houve momentos em que houveram abusos de
autoridade, como durante a era em que Genrih Yagoda dirigiu a OGPU, facilitando
a infiltração de agentes nazistas, e Nikolay Yejov, que mais tarde foi
executado pelos seus abusos, algo que jamais aconteceu a qualquer torturador da
ditadura fascista brasileira ou da ditadura americana.
- Por Vladimir Tavares
Notas:
[1] SOUSA, Mario. Mentiras sobre a história da União Soviética. Em
http://www.mariosousa.se/MentirassobreahistoriadaUniaoSovietica.html Acesso em
12/04/2011, às 22:00
[2] MALINOWSKI, Tom. What
cruelty is. Artigo do jornal The Washington Post. Em
http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2006/09/17/AR2006091700516.html
Acesso em 12/04/2011, às 22:03
[3] Study: 7.3 millions
of in U.S. prison system in '07 - CNN. Em http://articles.cnn.com/2009-03-02/justice/record.prison.population_1_prison-system-prison-population-corrections?_s=PM:CRIME
Acesso em 10/04/2011 às 14:54
[4]
http://articles.cnn.com/2009-03-02/justice/record.prison.population_1_prison-system-prison-population-corrections?_s=PM:CRIME
[5] OUN-UPA: Organização dos Ucranianos Nacionalistas-Exército
Insurrecional Ucraniano, grupo terrorista organizado e dirigido por Stepan
Bandera, que recebeu guarida na Alemanha Ocidental após a II Guerra Mundial.
Era conhecida por suas atrocidades contra populações ucranianas, bielorrussas,
tchecas e polonesas, países que reconhecem essa organização como criminosa de
guerra. Empregada pelos nazistas para combater os partizans comunistas, eles
aterrorizavam vilas e matavam as famílias de guerrilheiros anti-nazistas ou
simplesmente de pessoas que não queriam aderir à sua organização. O Exército
Americano tem registros de sua colaboração com os alemães, embora seus
apologistas insistam em dizer que lutaram "contra Hitler e contra
Stalin".