“Nos últimos
tempos, o filisteu alemão começa de novo a sentir um terror sagrado ante as
palavras: ditadura do proletariado. Pois bem, senhores, quereis saber o que é
essa ditadura? Olhai a Comuna de Paris. Eis aí a ditadura do proletariado”.
(Engels em introdução do livro Guerra Civil na França).
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“Já apontamos nossa profunda
repugnância pela teoria de Lassale e Marx, que recomenda aos operários, senão
como ideal supremo, pelo menos como objetivo imediato e principal a instauração
de um Estado popular, o qual, segundo sua expressão, não será senão o
proletariado erigido em classe dominante. E alguém se pergunta: quando o
proletariado seja classe dominante, sobre quem vai dominar? Isso significa que
restará de pé outro proletariado, submetido a esta nova dominação, a este novo
‘Estado’”.
Isto significa que enquanto subsistam as outras
classes e especialmente a classe capitalista, enquanto o proletariado lute
contra elas (pois com a subida do proletariado ao poder não desaparecem todavia
seus inimigos, nem desaparece a velha organização da sociedade) terá que
empregar medidas de violência, a saber, medidas de governo. Enquanto o
proletariado seja todavia uma classe e não tenham desaparecido as condições
econômicas nas quais descansa a luta de classes e a existência destas, será
preciso, pela violência, tira-las do caminho ou transforma-las, será preciso
acelerar pela violência seu processo de transformação.
“Por exemplo, a vulgar massa
camponesa, a ‘plebe camponesa’ que, como se sabe, não goza das simpatias dos
marxistas e que se acha no mais baixo nível de cultura, será governada
provavelmente pelo proletariado urbano e fabril”.
Isto significa que ali onde o campesinato existe
todavia em massa como proprietário privado, onde inclusive forma uma maioria
mais ou menos considerável, como em todos os Estados ocidentais do continente
europeu, onde este camponês não desapareceu, substituído por jornaleiros
agrícolas, como na Inglaterra, ocorrerá o seguinte: ou se dedica a obstaculizar
toda revolução operária até fazê-la fracassar, como ocorreu até agora na
França, ou o proletariado (pois o camponês proprietário de sua terra não
pertence ao proletariado e, se por sua situação pertence, não se crê parte
dele) tem que adotar como governo medidas encaminhadas a melhorar imediatamente
a situação do camponês e, portanto, ganha-lo para a revolução; medidas que
levem já no gérmen o trânsito da propriedade privada sobre o solo à propriedade
coletiva e que suavizem este trânsito, de modo que o camponês vá a ele
impulsionado por móveis econômicos; porém não deve encurralar o camponês
proclamando, por exemplo, a abolição do direito de herança ou a anulação de sua
propriedade; este último só é possível ali onde o arrendatário capitalista
deslocou o camponês e o verdadeiro lavrador é tão proletário, tão operário
assalariado como o operário da cidade e onde, portanto, tem diretamente,
não indiretamente, os mesmos interesses que este; ainda menos se deve
fortalecer o regime de propriedade parcelaria, aumentando as parcelas pela
simples anexação das grandes fazendas às terras dos camponeses, como na
campanha revolucionária de Bakunin.
“Ou, se enfocamos o problema desde o
ponto de vista nacional, imaginamos, pela mesma razão, que para os alemães, os
eslavos seguirão achando-se, com respeito a um proletariado alemão triunfante,
na mesma submissão servil na qual este se acha hoje com relação à sua própria
burguesia”.
Que estupidez de escolar! Uma revolução social
radical se acha sujeita a determinadas condições históricas de desenvolvimento
econômico; estas são sua premissa. Portanto só pode dar-se ali onde, com a
produção capitalista, o proletariado industrial ocupe, pelo menos, uma posição
importante dentro da massa do povo e, para ter alguma probabilidade de
triunfar, tem que ser, pelo menos, capaz de fazer imediatamente pelos
camponeses, mutatis mutandis, tanto como a burguesia francesa, em sua
revolução, fez pelos camponeses franceses daquela época. Bela idéia a de que a
dominação dos operários leva consigo a escravização do trabalho agrícola! Porém
aqui é onde se revela o pensamento íntimo do senhor Bakunin. Decididamente, ele
não compreende nada da revolução social; só conhece sua fraseologia política;
para ele, não existem as condições econômicas desta revolução. Como até aqui
todas as formas econômicas –desenvolvidas ou não –implicavam a escravização do
trabalhador (seja operário, camponês, etc), acredita que em todas elas é
igualmente possível a revolução radical. Mais ainda: pretende que a
revolução social européia, baseada nos fundamentos econômicos da produção
capitalista, se leve a cabo sobre o nível dos povos russos ou eslavos dedicados
à agricultura e ao pastoreio e não rebaixe este nível ainda que compreenda que a
navegação marítima estabelece uma diferença, entre irmãos, porém só a navegação
marítima, por ser esta uma diferença que todos os políticos conhecem. A
base de sua revolução social é a vontade e não as condições econômicas.
“Se existe o Estado, se faz
inevitável a ‘dominação’ e a escravidão; dominação sem escravidão, manifesta ou
oculta, não se concebe; eis aqui porque nós somos inimigos do ‘Estado’”. “O que
significa o proletariado ‘erigido em classe dominante’”?
Significa que o proletariado, em vez de lutar de modo
desconexo contra as classes econômicamente privilegiadas, possui a força e a
organização suficientes para empregar, em sua luta contra elas, medidas gerais
de coação; porém, no terreno econômico, só pode empregar medidas que destruam
seu próprio caráter de assalariado e, por conseguinte, sua característica de
classe. Por conseguinte, com seu triunfo completo cessará também sua dominação,
ao cessar seu caráter de classe.
“Por acaso vai colocar-se todo o
proletariado à cabeça do governo”?
Acaso em um sindicato (tradeunion), por exemplo, se
coloca todo o sindicato na direção? Acaso vai cessar na fábrica toda divisão do
trabalho e as diversas funções que dela derivam? Na construção bakuninista de
“baixo pra cima” por acaso todos estarão em cima? Então não haveria nenhum
“abaixo”. Por acaso todos os indivíduos de um município administrarão no mesmo
grau os interesses comuns da “província”? Se assim fosse, não haveria diferença
alguma entre município e “provícia”.
“Os alemães são aproximadamente 40
milhões. Por acaso todos estes 40 milhões formarão parte do governo”?
Certamente, posto que a coisa começa pelo governo
autônomo do município.
“Se todo o povo governa, não haverá
governados”.
Quando um homem governa a si mesmo, segundo estes
princípios não se governa, posto que é ele mesmo e não outro.
“Então não haverá governo nem haverá
Estado, porém se há Estado haverá também governantes e haverá escravos”.
Quer dizer, simplesmente: só quando desapareça o
regime de dominação de classe, deixará de haver Estado no atual sentido
político desta palavra...
“Na teoria dos marxistas, este dilema
se resolve facilmente. Por governo popular, eles (a saber, Bakunin) entendem
que o povo seja governado por meio de um punhado de representantes eleitos por
ele”.
Burro! Isto é uma tolice democrática, um vazio
político! As eleições são uma forma política até na menor comuna russa e no
artel. O caráter das eleições não depende do nome, senão da base econômica, das
relações econômicas dos eleitores entre si, e tão logo as funções deixem de ser
políticas 1) deixam de existir como funções de governo, 2) a distribuição das
funções gerais se converte em um problema administrativo, que não encerra
domínio algum, 3) as eleições não conservam nada de seu caráter político atual.
“A eleição, por sufrágio universal de
todo o povo”...-
isso de todo o povo, no sentido atual da palavra, é
uma fantasia,
“- de representantes do povo e
governantes do Estado é a última palavra, tanto dos marxistas como da escola
democrática; uma mentira atrás da qual se esconde o despotismo de uma minoria
governante, tanto mais perigoso quanto se apresente como expressão da chamada
vontade popular”.
Sobre a base da propriedade coletiva desaparece a
chamada vontade popular para ceder o posto à verdadeira vontade da coletividade
cooperativa.
“Em suma: direção da grande maioria
da massa popular por uma minoria privilegiada. Porém esta minoria, dizem os
‘marxistas’”...
Onde?
“...estará formada por trabalhadores.
Sim; permita-se-me: por antigos trabalhadores, porém que apenas se convertam em
representantes ou governantes do povo deixarão de ser trabalhadores”
Nem mais nem menos que hoje um fabricante deixa de
ser capitalista porque o fazem conselheiro de sua prefeitura.
“E olharão o vulgar mundo dos
operários desde as alturas ‘estatais’; já não representarão o povo, senão a si
mesmos e a suas ‘pretensões’ de governar o povo. O que ponha isto em dúvida, é
porque não conhece nada da natureza humana”.
Se o senhor Bakunin conhecesse, pelo menos, a
posição que ocupa o gerente em uma cooperativa operária iriam ao diabo todas as
suas fantasias sobre a dominação. Devia ter-se perguntado: que forma podem
assumir as funções administrativas, sobre a base desse Estado operário? (se lhe
apraz chamar assim).
“Porém estes homens escolhidos serão
socialistas ardentemente convencidos, e portanto socialistas científicos”.
As denominações de “socialismo culto” que
não aparece empregada jamais, e “socialismo científico” empregada
somente por oposição ao socialismo utópico, que pretende entulhar o povo com
novos fantasmas cerebrais em vez de limitar seus conhecimentos ao estudo do
movimento social desenvolvido pelo povo mesmo; veja-se meu livro contra
Proudhon,
“que se empregam constantemente nos
livros e discursos dos lassaleanos e marxistas, ‘demonstram, por si mesmas’,
que o chamado Estado popular não será outra coisa que o governo mais despótico
das massas do povo por uma nova e muito reduzida aristocracia de sábios reais
ou supostos. O povo não é científico, o que quer dizer que deve-se aparta-lo em
absoluto dos cuidados do governo, que deve-se encerra-lo por completo no
estábulo governado. Bela emancipação”! “Os marxistas advertem esta contradição
(!) e, dando-se conta de que este governo dos sábios”...
(Que fantasia!)
“...seria o mais insuportável, o mais
odioso e o mais desprezível do mundo, de que, em que pese todas as formas
democráticas, seria uma verdadeira ditadura, se consolam pensando que essa
ditadura só será passageira e de curta duração”.
Não, amigo! A dominação de classe dos
operários sobre as camadas do mundo velho que ofereçam resistência deve durar
até que se destrua a base econômica sobre a qual descansa a existência de classe.
“Dizem que sua única preocupação e
seu único objetivo será educar e elevar o povo (politiqueiro de café!), tanto
econômica quanto políticamente, a tal altura que logo não faça falta nenhum
governo e o Estado perca todo caráter político, a saber, ‘de dominação’ e se
converta por si mesmo em uma livre organização de interesses econômicos e de
comunas. Aqui temos uma contradição manifesta. Se seu Estado será
verdadeiramente popular, pra quê aboli-lo? E se faz falta destruí-lo para
liberar realmente o povo, como se atreve a chama-lo popular”?
Prescindindo da insistência com que se refere ao Estado
popular de Liebknecht, que é uma tolice, dirigida contra o Manifesto
Comunista, etc., isso só significa: como o proletariado enquanto luta por
derrocar a velha sociedade, todavia atua sobre a base dessa velha sociedade, e
portanto se move ainda sob formas políticas até certo ponto próprias dela,
durante este período de luta não adquiriu ainda sua organização definitiva e
aplica para sua emancipação medidas que depois desta não tem aplicação; da onde
o senhor Bakunin infere que ao proletariado lhe valeria mais não fazer nada
e...esperar o dia da liquidação geral: do juízo final.
“Com nossa polêmica (polêmica
que, naturalmente, veio à luz antes que meu livro contra Proudhon e antes que o
Manifesto Comunista e até antes de Saint-Simon) contra eles os temos obrigado a
fazer a confissão de que a liberdade ou a anarquia (o senhor Bakunin não fez
mais que traduzir a anarquia de Proudhon e de Stirner ao tosco idioma tártaro),
a saber, a livre organização das massas operárias debaixo acima”...
Que tolice!,
“...é a meta última do progresso
social e que todo ‘Estado’, sem excluir o Estado popular, é um jugo que
engendra de um lado despotismo e do outro escravidão”.
- Escrito por Karl Marx entre 1874 e começos de
1875. Publicado pela primeira vez em 1926.
* O trabalho realizado por Marx ao anotar o livro de
Bakunin “O Estado e a Anarquia” esteve vinculado estreitamente à luta
ideológica e política dos adeptos de Marx e Engels contra o anarquismo, luta
que prosseguiu também depois da derrota dos bakuninistas no terreno ideológico
e de organização no Congresso de Haya (1872).
O resumo feito por Marx do livro de Bakunin é uma
original obra crítica e polêmica, na qual a revelação do ponto de vista de
Bakunin, inimigo principal do marxismo naquela época e ideólogo do anarquismo,
se conjuga com a profunda crítica das doutrinas anarquistas e com o desenvolvimento,
em oposição a elas, dos postulados mais importantes do comunismo científico
acerca do Estado, a ditadura do proletariado e a aliança da classe operária com
o campesinato como condição indispensável para a vitória da revolução
socialista. Marx formulou estes postulados em uma série de interpolações no
manuscrito do resumo. Fez este resumo pouco depois de ver sair o livro de
Bakunin, editado em Genebra em 1873, e acolhido pelos meios bakuninistas como
uma obra programática.