sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Veganismo, modelo de vida alternativo e as trabalhadoras pobres

Texto escrito numa visão pessoal, relacionando o quão pequeno-burguês acaba sendo, sob o modo de produção capitalista, o modo de vida alternativo, e o quão, para a classe trabalhadora, é inviável. Por mais que não concordemos com grande parte, o texto faz uma boa crítica ao irracionalismo pequeno-burguês que prega a vida alternativa, principalmente sobre o capitalismo.

Hoje eu comi carne depois de 4 meses abstêmia. Eu já tinha há uma semana voltado a consumir derivados. Não quero entrar em detalhes, mas minhas condições para me privar de todos os derivados de origem animal mudaram no último mês. Pela manhã sai para procurar trabalho e para uma entrevista que já estava agendada. Não tive tempo de ir a padaria e nem poderia comer em algum restaurante ou PF no centro da cidade. A minha primeira refeição foi hoje às 17:30 hrs (por causa do tempo e da correria e porque esqueci de comer mais cedo) no RU da universidade e eu precisava comer algo que preenchesse o meu vazio, além de salada com arroz. O nome da carne que eu comi era "gourjões de peixes". Pessoas veganas que leem esse texto, muita calma nessa hora, não sou daquele tipo "mas só um peixinho". Na verdade eu não tive um atendimento médico adequado desde que mudei minha alimentação, emagreci muito rápido e logo depois voltei a engordar muito rápido. Achei por bem consumir algum derivado ou carne (que não consigo comer, sem hipocrisia) até me organizar melhor nesse sentido. Mas não vou ficar me justificando porque o foco do texto não sou eu.

Hoje no centro do Rio de Janeiro eu fiquei andando e pensando naquela massa de trabalhadores indo almoçar e principalmente nas mulheres. É bem provável que entre todas as que eu vi haja um considerável número de mães trabalhadoras. Vamos pensar nessas mulheres agora. Por que elas, em sua maioria, são quem além de trabalhar, alimentam a prole, fazem as compras no mercado, mil e uma outras utilidades.


Eu acredito no veganismo, eu acredito que eu não devo comer animais pelo meu prazer, eu acredito que enquanto espécie dotada de um bom nível de consciência e capacidade de discernir o que é sofrimento de outrem eu não devo colocar meu prazer de comer um bife acima de uma vida. Eu acredito que devo lutar pela preservação de todas as espécies, inclusive das mulheranas (humanas) pobres, negras e trabalhadoras. 

Muito me incomoda um certo discurso, não só do ativismo vegano, mas de diversas frentes de luta, pensado por e para uma elite social humana, que entende que se abster de práticas coniventes com o sistema econômico, social e cultural em que estamos inseridos seja para todas as pessoas apenas uma questão de escolha. O que é escolha? O que é escolher um modo alternativo de viver, se alimentar, se vestir, se relacionar para quem precisa se adequar para sobreviver? O que é escolha para quem não foi dada outra opção?

Escolha não é um bem oferecido a todas as pessoas nessa sociedade e na forma que ela se organiza. "Mas qualquer pessoa pode simplesmente deixar de comer um bife e comer pão, alface, brócolis, tomate, cenoura, quibe de abóbora" Não, nem todas as pessoas podem. Aquelas mães trabalhadoras lá no centro não podem. Quem julga que elas podem é porque não conhecem sua realidade. "Mas é só não comprar o bife e comprar verdura, pão, brócolis" Quem diz isso não também não vive só de pão, brócolis, fruta (e nunca foi ao mercadinho que fica ao lado da casa daquela mãe trabalhadora). Aposto que deve estar com sua pastinha de soja e seu tofu guardados na geladeira, né? Mas é só ir a feira. Você não vive só dos produtos da feira, vamos combinar. Por que as pessoas veganas pobres tem que viver de pão e feijão, sendo que você não vive só disso? Ir a feira demanda tempo, na feira não se aceita ticket alimentação, que é como eu imagino que a maioria das trabalhadoras compram boa parte da sua alimentação.

Existe um peso que pesa sobre as costas da mãe trabalhadora, que não pesa sobre as suas costas. Existe um peso que pesa sobre as costas da mãe trabalhadora e negra que não pesa sobre a trabalhadora branca. 

Então, quem pode levar um estilo de vida alternativo aquele que é imposto sobre todos, quem pode escolher romper com isso, quem pode se desvincular? Existem ativismos construídos por e pela classe média branca, que não dialogam com os pobres, com as mulheres (cis ou trans), que não dialoga com a classe trabalhadora de fato. Eu acredito que é justamente porque essas pessoas vêem o cidadão alienado ao sistema como um inimigo. Então do alto do seu mar de possibilidades ao invés de escutar, ler a realidade daquelas pessoas, arregaçar as mangas e propor vias alternativas que de fato sejam acessíveis aos mais carentes, preferem acreditar que todos podem e que é só uma questão de escolha.

Eu tenho duas palavras para essas pessoas, em especial para essas pessoas que são veganas: in-dús-tria a-gro-pe-cu-á-ria. Porque enquanto existir latifúndio a massa vai se alimentar mal e vai comer carne. Porque no mercadinho ao lado da casa daquela mãe trabalhadora, não tem tofu, não tem brócolis fresco, mas tem carne. Eu sei porque eu moro ao lado dele.

Se vocês quiserem, vão ao mercadinho e vejam o que tem disponível, entrem em contato com algum órgão e proponha vias alternativas de alimentação. Se vocês quiserem realmente preservar a vida animal, inclusive daquela trabalhadora pobre e preta vão até onde ela mora e vejam as possibilidade de construir uma horta comunitária. Se vocês quiserem que os pobres se abstenham de consumir cadáveres parem de consumir os deles e delas.

-Monique Rosa Brasil