Entrevista de Josef Stalin ao jornalista e romancista inglês H.G. Wells. 23 de julho de 1934. Entrevista vinculado ao tema sobre via Reformista, e via Revolucionária, pela perspectiva marxista-leninista, nas palavras de Josef Stálin.
H. G. Wells. |
— Wells: Fico-lhe muito grato, senhor Stálin, por ter aceitado ver-me. Estive
recentemente nos Estados Unidos. Mantive longa conversa com o Presidente
Roosevelt e procurei saber quais eram suas idéias principais. Agora venho
perguntar ao senhor o que está fazendo para mudar o mundo...
J. Stálin, |
— Stálin: Na verdade, não muita coisa...
— Wells: Vagueio pelo mundo e como um homem comum, observo o que se passa em volta de mim.
— Stálin: Os homens públicos importantes, como o senhor, não são "homens
comuns". Evidentemente, só a história pode determinar quão importante foi este
ou aquele homem público. Em todo o caso, o senhor não vê o mundo como um "homem
comum".
— Wells: Não pretendi ser modesto. Quis dizer que procuro ver o mundo
com os olhos do homem comum, e não como um político de partido ou um estadista.
A minha visita aos Estados Unidos me causou forte impressão. O velho mundo
financeiro está desabando, e a vida econômica do país está sendo reorganizada
sobre novas linhas. Lênin
disse que era "preciso aprender a fazer negócios" aprendendo com os
capitalistas. Hoje, os capitalistas tem de aprender com os senhores, devem
captar o espírito do socialismo. Parece-me que nos Estados Unidos se está
levando a cabo profunda reorganização - a criação de uma economia planificada,
isto é, socialista.
O senhor e Roosevelt partiram de dois pontos de vista diferentes. Porém, não
há uma relação de idéias, uma espécie de parentesco de idéias, entre Washington
e Moscou?
Em Washington, impressionaram-me as mesmas coisas que se passam aqui:
ampliação do aparelho de direção, criação de uma série de novos organismos
reguladores do Estado, organização de um serviço público universal. Como os
senhores, necessitam de habilidade na direção.
— Stálin: Os Estados Unidos buscam propósito diverso do que buscamos na
U.R.S.S. O propósito que perseguem os norte-americanos surgiu das dificuldades
econômicas, da crise econômica. Os norte-americanos pretendem desembaraçar-se
das crises à base da atividade capitalista privada sem mudar a base econômica.
Estão tratando de reduzir ao mínimo a ruína, as perdas causadas pelo sistema
econômico existente. Aqui, entretanto, como o senhor sabe, foram criadas, em
lugar do velho sistema econômico destruído, bases inteiramente diferentes; uma
nova base econômica.
Embora os americanos citados pelo senhor atinjam parcialmente o seu
propósito, quer dizer, reduzam ao mínimo tais dificuldades, não destruirão as
raízes da anarquia que é inerente ao sistema capitalista.
Estão preservando o sistema econômico que deve conduzir inevitavelmente - e
não pode senão conduzir - à anarquia na produção. De modo que, na melhor das
hipóteses, o que atingirem será, não a reorganização da sociedade, não a
abolição do velho sistema social que engendra a anarquia e as crises, mas a
limitação de algumas de suas características negativas, certa restrição aos seus
excessos. Subjetivamente, talvez os norte-americanos pensem que estão
reorganizando a sociedade; objetivamente, entretanto, estão preservando as bases
atuais dela. É por isso, objetivamente, que daí não resultará nenhuma
reorganização da sociedade.
Nem haverá absolutamente economia planificada. Que é economia planificada?
Quais são alguns dos seus atributos? A economia planificada cuida de abolir o
desemprego. Suponhamos que seja possível, enquanto se preserva o sistema
capitalista, reduzir o desemprego até certo mínimo. Porém, nenhum capitalista
aceitará jamais a abolição total do desemprego, a abolição do exército de
reserva dos desempregados, cuja razão de ser é fazer pressão no mercado do
trabalho para garantir a oferta de trabalho barato. Aí tem o senhor uma das
fendas da "economia planificada" da sociedade burguesa. E ainda mais, a economia
planificada pressupõe aumento da produção naqueles ramos da indústria que
produzem as mercadorias de que o povo mais necessita. Mas o senhor sabe que a
expansão da produção, sob o capitalismo, se dá por motivos inteiramente
diferentes; sabe que o capital flui para aqueles ramos da economia onde é mais
alta a taxa de lucro. O senhor jamais conseguirá que um capitalista aceite uma
taxa de lucro menor para satisfazer as necessidades do povo. Por isso, sem se
desembaraçar dos capitalistas, sem se abolir o princípio da propriedade privada
sobre os meios de produção, é impossível criar-se uma economia planificada.
— Wells: Estou de acordo com muita coisa que o senhor disse, porém gostaria de
insistir sobre o fato de que se um país adota o princípio da economia
planificada, se os governantes, de modo gradual, passo a passo, começam
conseqüentemente a aplicar esse princípio, a oligarquia financeira será por fim
abolida e se estabelecerá o socialismo, no sentido anglo-saxão da palavra. O
efeito das idéias do New Deal de Roosevelt é muito poderoso, e elas são, na
minha opinião, idéias socialistas. Parece-me que, em vez de se por em tensão o
antagonismo entre os dois mundos, deveríamos, nas circunstâncias atuais,
esforçarmo-nos por estabelecer uma linguagem comum para todas as forças
construtivas.
— Stálin: Ao falar da impossibilidade de realizar os princípios da economia
planificada enquanto se conserva a base econômica do sistema capitalista, não
desejo, de forma alguma, diminuir as destacadas qualidades pessoais de
Roosevelt, sua iniciativa, sua coragem e determinação. Indubitavelmente,
Roosevelt se projeta como uma das figuras mais fortes entre todos os capitães do
mundo capitalista contemporâneo. Por isso gostaria, ainda uma vez, de repisar
que a minha convicção de que a economia planificada é impossível sob as
condições do capitalismo, não significa que tenha dúvidas sobre a qualidade
pessoal, o talento e a coragem do Presidente Roosevelt. Mas quando as
circunstâncias são desfavoráveis, nem o capitão de maior talento pode atingir a
meta a que o senhor se referiu.
Para começar, teoricamente não está excluída a possibilidade de se caminhar
gradualmente, passo a passo, sob as condições do capitalismo, até a meta pelo
senhor chamada socialismo no sentido anglo-saxão da palavra. Mas que
"socialismo" será esse? Na melhor das hipóteses, será um freio aos
representantes mais obstinados do lucro capitalista, certo reforçamento do
princípio regulador na economia nacional. Tudo isso está muito bem. Porém, assim
que Roosevelt, ou qualquer outro capitão do mundo contemporâneo burguês, comece
a empreender algo de sério contra os fundamentos do capitalismo, sofrerá
inevitavelmente séria derrota. Os bancos, as indústrias, as grandes empresas, as
grandes fazendas, não estão nas mãos de Roosevelt. São todas propriedades
privadas. As estradas de ferro, a marinha mercante, tudo isso pertence a
proprietários privados. E, finalmente, o exército dos trabalhadores
especializados os engenheiros, os técnicos, não estão tampouco sob o mando de
Roosevelt,
mas dos proprietários privados; todos trabalham para eles. Não
devemos esquecer as funções do Estado, no mundo burguês. O Estado é uma
instituição que organiza a defesa do país, organiza a manutenção da
"ordem": é um aparelho para cobrar impostos. O Estado capitalista não se
ocupa muito
com a economia no sentido estrito da palavra; a economia não está nas
mãos do
Estado. Ao contrário, o estado é que está nas mãos da economia
capitalista. Por
isso, receio que, apesar de toda a sua energia e capacidade, Roosevelt não
alcance a meta a que o senhor se refere,se essa é, em realidade, a sua meta.
Talvez, no curso de várias gerações, seja possível aproximar-se um pouco dessa
meta, porém pessoalmente considero que nem mesmo isso seja provável.
— Wells: Talvez eu creia mais fortemente que o senhor na interpretação
econômica da política. As invenções e a ciência moderna puseram em movimento
enormes forças dirigidas para a organização melhor, para o melhor funcionamento
da comunidade, isto é, para o socialismo. A organização e a regulamentação da
ação individual tornaram-se necessidades mecânicas, independentemente das
teorias sociais.
Se principiássemos pelo controle estatal dos bancos e continuássemos com o
controle dos transportes, das indústrias pesadas, da indústria em geral, do
comércio etc., tal controle universal equivaleria à propriedade do Estado sobre
todos os ramos da economia nacional. Este será o processo da socialização.
Socialismo e individualismo não se opõem como o preto ao branco. Há muitos
estados de permeio entre eles. Há o individualismo que roça no bandoleirismo, e
há o espírito de disciplina e de organização que são equivalentes ao socialismo.
A introdução da economia planificada depende, em grau considerável, dos
organizadores da economia, dos técnicos, os quais, passo a passo, podem ser
convertidos aos princípios socialistas de organização. E isso é da maior
importância, porque a organização precede o socialismo. Sem organização, a idéia
socialista não passa de mera idéia.
— Stálin: Não há, nem deve haver, contraste irreconciliável entre o indivíduo e
a coletividade, entre os interesses individuais e os interesses da coletividade.
Não deve haver tal contraste, porque o coletivismo, o socialismo, não nega e sim
combina os interesses individuais com os interesses da coletividade.
O socialismo não pode se esquecer dos interesses individuais. Somente a
sociedade socialista pode satisfazer completamente esses interesses pessoais.
Ainda mais: só a sociedade socialista pode salvaguardar firmemente os interesses
do indivíduo. Neste sentido, não há contraste irreconciliável entre
"individualismo" e socialismo. Porém, podemos negar o contraste entre as
classes, entre a classe dos proprietários, a classe dos capitalistas, e a classe
dos trabalhadores, a classe dos proletários? De um lado, temos a classe dos
proprietários, que é dona dos bancos, das fábricas, das minas, do transporte,
das plantações nas colônias. Tais pessoas não vêem senão seus próprios
interesses, sua ambição pelos lucros. Não se submetem à vontade da coletividade;
esforçam-se, isso sim, por subordinar cada coletividade à sua vontade. De outro
lado, temos a classe dos pobres, a classe explorada, a que não possui nem
fábricas, nem usinas, nem bancos, a que é obrigada a vender sua força de
trabalho aos capitalistas e que carece de oportunidades para satisfazer as suas
necessidades mais elementares. Como se podem conciliar interesses tão opostos?
Pelo que sei, Roosevelt não teve êxito em encontrar a senda da conciliação entre
esses interesses. E é impossível, como já o demonstrou a experiência. Afinal, o
senhor conhece a situação dos Estados Unidos melhor do que eu, que nunca estive
lá e observo os assuntos norte-americanos sobretudo através do que se escreve
sobre esse assunto. Porém tenho alguma experiência de luta pelo socialismo e
esta experiência me diz que, se Roosevelt tentar satisfazer os interesses da
classe proletária, à custa da classe capitalista, esta porá outro Presidente no
lugar dele. Os capitalistas dirão: os Presidentes passam, porém nós
permaneceremos; se esse ou aquele Presidente não defende os nossos interesses,
encontraremos um outro. Pode o Presidente opor-se à vontade da classe
capitalista?
— Wells: Oponho-me a essa classificação simplista da Humanidade em pobres e
ricos. Evidentemente há uma categoria de pessoas que visa o lucro. Mas não são
essas pessoas olhadas como obstáculos, tanto no Ocidente como aqui? Não há no
Ocidente muita gente para quem o lucro não é um fim em si, gente que possui
certa quantidade de recursos e que deseja inverter e obter lucros com as suas
inversões, porém que não faz disso o seu objetivo principal? Para essa gente as
inversões são uma inconveniência necessária. Não há grandes núcleos de
engenheiros capazes e estudiosos, organizadores da economia, cujas atividades
são estimuladas por alguma coisa mais que o lucro? Na minha opinião, há uma
classe numerosa de pessoas capazes que admitem ser o sistema atual
não-satisfatório e que estão destinadas a um grande papel na futura sociedade
socialista. Durante os últimos anos tenho pensado muito na necessidade, tenho-me
dedicado muito à tarefa de levar a cabo a propaganda em favor do socialismo e do
cosmopolitismo entre amplos círculos de engenheiros, aviadores, elementos
técnicos militares etc. É inútil aproximar-se desses círculos com a propaganda
direta da luta de classes. Essas pessoas compreendem a situação em que se
encontra o mundo, que se transforma num pântano sangrento, mas para tais pessoas
o antagonismo primitivo da luta de classes é algo sem sentido.
— Stálin: O senhor se opõe à classificação simplista das pessoas em ricos e
pobres. E claro que há as camadas médias, há a intelectualidade técnica a que o
senhor se referiu e, entre elas, há pessoas muito boas e honradas. Entre elas há
também pessoas desonestas e perversas, toda espécie de gente. Porém, antes de
mais nada, a Humanidade está dividida em ricos e pobres, entre proprietários e
explorados; e abstrair-se dessa divisão fundamental e do antagonismo entre
pobres e ricos significa abstrair-se do fato fundamental. Não nego a existência
de camadas intermediárias, que podem ficar do lado de uma ou de outra dessas
duas classes em conflito, ou podem tomar posição neutra ou semineutra nessa
luta. Todavia, repito, abstrair-se dessa divisão fundamental da sociedade e da
luta fundamental entre as duas classes principais significa ignorar os fatos.
Esta luta continua e continuará. O resultado dela será determinado pela classe
proletária, a classe dos trabalhadores.
— Wells: Porém, não há muitas pessoas que, não sendo pobres, trabalham
produtivamente?
— Stálin: Para começar, há pequenos proprietários de terras, artesãos,
pequenos comerciantes, mas não são esses os que decidem da sorte de um país, e
sim as massas trabalhadoras que produzem todas as coisas requeridas pela
sociedade.
— Wells: Contudo há muitas classes diferentes de capitalistas. Há capitalistas
que só pensam nos lucros; mas há também os que estão preparados para fazer
sacrifícios. Tomemos o velho Morgan por exemplo: só pensou nos lucros; foi um
parasita da sociedade. Acumulou riquezas simplesmente. Agora tomemos Rockfeller.
É um organizador brilhante, tendo dado o exemplo de como organizar a produção de
petróleo, exemplo esse digno de ser imitado. Ou tomemos Ford. É claro que Ford é
egoísta: Porém, não é um organizador apaixonado da produção racionalizada, de
quem os senhores tomaram lições?
Desejaria insistir no fato de que recentemente se deu importante mudança de
opinião a respeito da U.R.S.S. nos países de língua inglesa. A razão da mudança
está ligada, antes de mais nada, à posição do Japão e à situação da Alemanha.
Mas há outras razões que não decorrem somente da política internacional. Há uma
razão mais profunda: refiro-me ao reconhecimento, por muita gente, do fato de
que o sistema baseado no lucro privado está desmoronando. Sob estas
circunstâncias, parece-me que não devemos pôr em primeiro plano o antagonismo
entre os dois mundos, e sim devemos nos esforçar para combinar todos os
movimentos construtivos, todas as forças construtivas, na medida do possível.
Parece-me que estou mais à esquerda do que o senhor, pois considero que o mundo
está mais próximo do fim do velho sistema.
— Stálin: Quando falo dos capitalistas que se esforçam somente em obter lucros,
somente em tornarem-se ricos, não quero dizer que sejam os últimos dos homens,
incapazes de mais nada. Muitos deles, inegavelmente, possuem grande talento de
organização que nem penso negar. Nós, o povo soviético, temos aprendido muito
com os capitalistas. E Morgan, a quem o senhor descreveu de maneira tão
desfavorável, foi sem dúvida um bom organizador, capaz. Porém, se o senhor se
refere a pessoas que estejam preparadas para reconstruir o mundo, não poderá,
para começar, encontrá-las nas fileiras daqueles que servem fielmente a causa
dos lucros. Eles e nós estamos em campos opostos. O senhor mencionou Ford.
Certamente que ele é um eficiente organizador da produção. Mas conhece o senhor
a atitude dele para com a classe operária? Sabe o senhor quantos operários ele
põe na rua? O capitalista está preso aos lucros, e força alguma no mundo poderá
separá-lo deles. O capitalismo será liquidado, não pelos "organizadores" da
produção, não pela intelectualidade técnica, e sim pela classe operária, uma vez
que aquelas camadas não desempenham um papel independente. O engenheiro, o
organizador da produção, não trabalha como gostaria, mas como lhe ordenam, no
sentido de servir aos interesses dos patrões. Há exceções, é claro; há pessoas
nessa camada média que se libertaram do ópio capitalista. A intelectualidade
técnica pode, sob certas condições, fazer "milagres" e beneficiar altamente a
Humanidade. Porém, pode também fazer-lhe muito mal. Nós, o povo soviético,
temos experiência, e não pouca, sobre a intelectualidade técnica. Depois da
Revolução de Outubro, certa parte da intelectualidade técnica se recusou a
participar do trabalho de construir uma nova sociedade. Opuseram-se a esse
trabalho de construção e o sabotaram. Fizemos o possível para atrair a
intelectualidade técnica a este trabalho de construção; experimentamos vários
caminhos. Não se passou pouco tempo para que a nossa intelectualidade técnica
acedesse em apoiar o novo sistema.
Hoje, a melhor parte da intelectualidade técnica está nas primeiras fileiras
dos construtores da sociedade socialista. Com esta experiência, estamos longe de
subestimar o lado bom e o lado mau da intelectualidade técnica, e sabemos que
uma parte pode causar o mal e a outra pode realizar "milagres". Contudo, as
coisas seriam diferentes se fosse possível, de um só golpe, arrancar
espiritualmente a intelectualidade técnica do mundo capitalista. Mas isso é
utopia. Haverá muitos técnicos que se atreveriam a se desprender do mundo
burguês e pôr-se a trabalhar para reconstruir a sociedade? Pensa o senhor que há
muita gente dessa classe, digamos na Inglaterra ou na França? Não, há poucos que
se desprenderiam voluntariamente dos seus patrões e começariam a reconstruir o
mundo.
Além disso, podemos perder de vista o fato de que, para transformar o mundo,
é necessário ter-se o poder político? Parece-me, Senhor Wells, que o senhor
subestima enormemente a questão do poder político, que fica excluída da sua
concepção. Que podem fazer os que, ainda que com as melhores intenções do mundo,
não estão em condições de traçar o problema da tomada do poder e não têm esse
poder em suas mãos? Quando muito, poderão ajudar à classe que toma o poder,
porém não podem mudar o mundo. Isso só o pode fazer uma grande classe que tome o
lugar da classe capitalista e venha a ser senhor soberano, como esta o era. Tal
classe é a classe operária. Certamente o apoio da intelectualidade técnica deve
ser aceito, e essa intelectualidade, por sua vez, deve receber ajuda, mas não se
pense que ela representa papel histórico independente. A transformação do mundo
é processo complicado e doloroso. Para esta grande tarefa precisa-se de uma
grande classe. Para viagens longas, grandes barcos.
— Wells: Sim, mas para uma longa viagem é preciso um capitão e um navegador.
— Stálin: E certo, porém o que se requer em primeiro lugar, para uma viagem
longa, é um grande barco. Que é um navegante sem um grande barco? Um homem
ocioso.
— Wells: O grande barco é a Humanidade, não uma classe.
— Stálin: O senhor parte da presunção de que todos os homens são bons. Eu,
entretanto, não posso esquecer que há muitos homens perversos. Não creio na
bondade da burguesia.
— Wells: Recordo-me da situação da intelectualidade técnica há várias décadas.
Naquele tempo, era numericamente pequena, porém havia muito a fazer, e cada
engenheiro, técnico ou intelectual, encontrava a sua oportunidade. Por isso era
a classe menos revolucionária. Agora, entretanto, há excedente de intelectuais
técnicos e a mentalidade deles mudou profundamente. Os técnicos, que antigamente
não faziam caso da linguagem revolucionária, estão agora muito interessados
nela. Assisti recentemente a um banquete da Royal Society (Sociedade Real), a
nossa maior sociedade científica inglesa.
O discurso do Presidente foi um discurso a favor da planificação social e da
gestão científica. Há trinta anos atrás, não se poderia ter escutado algo
semelhante. Hoje o homem que preside a Royal Society mantém pontos de vista
revolucionários e insiste na reorganização científica da sociedade humana. As
mentalidades mudam. A vossa propaganda de luta de classes não leva em conta
estes fatos.
— Stálin: Sim, eu sei disso, e isso se explica pelo fato de a sociedade
capitalista se achar agora num beco sem saída. Os capitalistas estão procurando.
porém não podem encontrar uma saída deste impasse que seja compatível com a
dignidade da sua classe, com os interesses da sua classe.
Poderiam, até certo ponto. sair da crise arrastando-se nas quatro patas
porém não encontrarão uma porta que lhes permita sair de cabeça erguida. uma
porta que não altere fundamentalmente os interesses do capitalismo. Amplos
círculos da intelectualidade técnica bem que se dão conta disso. Grande parte
dela está começando a compreender a vinculação dos seus interesses aos
interesses da classe capaz de sair desse impasse.
— Wells: Senhor Stálin, melhor do que ninguém o senhor sabe algo sobre as
revoluções, no lado prático. As massas levantam-se? Não é uma verdade
estabelecida que todas as revoluções são feitas pelas minorias?
— Stálin: Para levar-se a cabo uma revolução é necessário uma minoria
revolucionária dirigente, porém a mais inteligente, apaixonada e enérgica
minoria seria impotente se não contasse com o apoio. pelo menos passivo, de
milhões.
— Wells: Pelo menos passivo? Talvez subconsciente?
— Stálin: Digamos semi-instintivo e semi-consciente, mas sem o apoio de milhões
de homens a minoria mais capaz será impotente.
— Wells: Tenho observado a propaganda comunista no Ocidente, e parece-me que,
nas condições atuais, tal propaganda soa muito fora de moda, por ser uma
propaganda insurrecional. A propaganda a favor da derrubada violenta do sistema
social soava bem quando dirigida contra as tiranias. Mas, nas atuais condições,
quando o sistema se desmorona de todas as maneiras seria preciso dar mais
destaque à eficiência, à competência, à produtividade, do que à insurreição.
Parece-me que.o tom insurrecional é antiquado. Do ponto de vista das pessoas de
mentalidade construtiva a propaganda comunista no Ocidente é um obstáculo.
— Stálin: Para começar, o velho sistema se desmorona, está em decadência. Isso
é certo, Porém também é certo que novos esforços se fazem, por outros métodos,
por todos os meios, para proteger, para salvar este sistema agonizante. O senhor
tira conclusão errônea de premissa certa, O senhor estabelece, corretamente, que
o velho mundo se afunda. Mas o senhor está enganado pensando que se afunda por
si mesmo. Não. A substituição de um sistema social por outro é processo
revolucionário complexo e de longo fôlego. Não é simplesmente um processo
espontâneo, e sim uma luta, um processo relacionado com o choque entre as
classes. O capitalismo está em decadência, porém não deve ser comparado
simplesmente com uma árvore que haja apodrecido tanto que virá ao chão com seu
próprio peso. Não, a revolução, a substituição de um sistema social por outro,
foi sempre uma luta, luta cruel e dolorosa, luta de vida e de morte. E cada vez
que os representantes do novo mundo chegam ao poder têm de se defender contra as
tentativas do velho mundo de restaurar pela força a ordem antiga; os
representantes do novo mundo têm sempre de estar alerta, de estar preparados
para repelir os ataques do velho mundo contra o sistema novo.
Sim, o senhor tem razão quando diz que o velho sistema social desmorona,
porém não desmorona por si mesmo. Veja o fascismo, por exemplo. O fascismo é uma
força reacionária que tenta preservar, por meio da violência, o velho mundo. Que
farão os senhores com os fascistas? Discutirão com eles? Tratarão de
convencê-los? Isso não teria, absolutamente, nenhum efeito. Os comunistas não
idealizam, em absoluto, os métodos violentos, não querem, porém, ser apanhados
de surpresa; não podem esperar que o velho regime se retire da cena,
espontaneamente; vêem que o velho sistema se defende violentamente, e, por isso,
dizem à classe operária: Preparem-se para responder com violência à violência;
façam todo o possível para impedir que a ordem agonizante os esmague, não
permitam que lhes algemem as mãos, estas mesmas mãos que demolirão o sistema
velho. Como o senhor vê, os comunistas consideram a substituição de um sistema
social por outro, não simplesmente como processo pacífico e espontâneo, e sim
como processo complicado, longo e violento. Os comunistas não podem ignorar os
fatos.
— Wells: Contudo, observe o que se está passando no mundo capitalista. Não é um
simples colapso; é o estouro da violência reacionária que está degenerando em
gangsterismo. E parece-me que, quando se chega ao conflito com a violência
reacionária e não inteligente, podem os socialistas apelar para a lei e, em vez
de considerar a polícia um inimigo, devem apoiá-la na luta contra os
reacionários. Penso ser inútil trabalhar simplesmente com os rígidos métodos da
insurreição do velho socialismo.
— Stálin: Os comunistas se baseiam na rica experiência histórica, a qual ensina
que as classes caducas não abandonam voluntariamente o cenário histórico.
Lembre-se da história da Inglaterra no século XVII. Não eram numerosos os que
diziam que o velho sistema social estava apodrecido? Entretanto não foi
necessário um Cromwell para esmagá-lo pela força?
— Wells: Cromwell agiu baseado na Constituição e em nome da ordem
constitucional.
— Stálin: Em nome da Constituição recorreu à violência, decapitou o Rei,
dissolveu o Parlamento, prendeu uns e decapitou outros!
Tome também o exemplo da nossa história. Não foi evidente, durante muito
tempo, que o regime tzarista estava decaindo, que estava desmoronando? Mas,
quanto sangue se teve de derramar para abatê-lo!
E a Revolução de Outubro? Eram pouco numerosas as pessoas que sabiam que nós,
os bolcheviques, éramos os únicos a apontar o caminho certo? Não estava claro
que o capitalismo russo achava-se em decadência? Contudo, o senhor sabe quão
grande foi a resistência, quanto sangue se teve de derramar para defender a
Revolução de Outubro de todos os seus inimigos internos e externos?
Ou tome a França do fim do século XVIII. Muito antes de 1789, era evidente a
podridão do Poder Real, do feudalismo. Porém não se pôde evitar uma rebelião
popular, um choque de classes. Por quê? Por que as classes que devem abandonar o
cenário da história são as últimas a se convencerem de que seu papel terminou. É
impossível convencê-las disso. Pensam que as fendas do decadente edifício da
ordem antiga podem ser remendadas, que o vacilante edifício da ordem antiga pode
ser restaurado e salvo. É por isso que as classes agonizantes tomam as armas e
recorrem a todos os meios para salvar sua existência de classe dominante.
— Wells: Mas havia bastante advogados à frente da grande Revolução francesa.
— Stálin: Nega o senhor o papel da intelectualidade nos movimento
revolucionários? Foi a grande Revolução francesa uma revolução de advogados, e
não uma revolução popular, que alcançou a vitória levantando grandes massas do
povo contra o feudalismo convertendo-s em chefes do Terceiro Estado? E por acaso
atuaram os advogados existentes entre os líderes da grande Revolução francesa de
acordo com as leis da ordem antiga? Não instituíram uma legalidade nova, a
legalidade revolucionária burguesa?
A rica experiência da história ensina que até hoje nenhuma classe cedeu
voluntariamente o lugar a outra. Não há tal precedente na história mundial. Os
comunistas assimilaram essa experiência histórica. Os comunistas aplaudiriam a
retirada voluntária da burguesia.
Mas tal processo é improvável, eis o que ensina a experiência. Por isso é que
os comunistas querem estar preparados para o pior e concitam a classe operária a
ser vigilante, a estar preparada para o combate. Quem deseja um capitão que se
descuide da vigilância do seu exército, um capitão que não compreenda que o
inimigo não se renderá, que deve ser esmagado? Tal capitão enganaria, trairia a
classe operária. Por isso penso que o que ao senhor parece antiquado é, de fato,
método revolucionário oportuno para a classe operária.
— Wells: Não nego que se tenha de empregar a força, porém penso que as formas
de luta devem adaptar-se o mais estreitamente possível às oportunidades que
oferecem as leis existentes, que devem ser defendidas dos ataques dos
reacionários. Não há necessidade de desorganizar-se o velho sistema porque ele
está se desorganizando, e bastante. Assim, parece-me que a rebelião contra a
ordem, contra a lei, é coisa antiquada, fora de moda. Incidentalmente, exagerei
de propósito, para apresentar mais claramente a verdade.
Posso formular o meu ponto de vista da seguinte maneira: primeiro, sou pela
ordem; segundo, ataco o sistema atual naquilo em que não possa garantir a ordem;
terceiro, penso que a propaganda das idéias da luta de classes é capaz de isolar
do socialismo as pessoas instruídas de que ele necessita.
— Stálin: Para atingir um grande objetivo, um objetivo social importante, é
necessário uma força principal, um baluarte, uma classe revolucionária. Depois,
é necessário organizar-se a ajuda de uma força auxiliar para essa força
principal; nesse caso, a força auxiliar é o Partido, ao qual pertencem as
melhores forças da intelectualidade. Agora, o senhor fala de "círculos
instruídos". Porém, que pessoas instruídas tem o senhor em mente? Não havia
muitos homens instruídos ao lado da ordem antiga na Inglaterra do século XVII,
na França em fins do século XVIII e na Rússia à época da Revolução de Outubro? A
ordem antiga tinha a seu serviço muita gente de instrução elevada que defendeu
tal estado de coisas, que se opôs à ordem nova. A educação é arma cujo efeito é
determinado pelas mãos que a esgrimem. Está claro que o proletariado, o
socialismo, necessita de gente altamente instruída, pois é evidente que não são
os simplórios que poderão ajudar o proletariado a lutar pelo socialismo, a
construir a nova sociedade. Eu não subestimo o papel da intelectualidade, ao
contrário, reforço-o. A questão, entretanto, é sobre que espécie de
intelectualidade estamos discutindo, porque há diversos tipos de intelectuais.
— Wells: Não pode haver revolução sem mudança radical no sistema de instrução
pública. Basta assinalar dois exemplos: o da República alemã, que deixou intacto
o velho sistema educacional e, por isso, nunca chegou a ser uma República; e o
Partido Trabalhista britânico, a quem falta coragem para insistir na mudança
radical do sistema de educação.
— Stálin: Essa é uma observação acertada. Permita-me agora rebater os seus três
pontos de vista.
Primeiro: O principal para a revolução é a existência de um apoio social.
Esse apoio é a classe operária.
Segundo: É indispensável uma força auxiliar a que os comunistas chamam
Partido. Nele se incluem os trabalhadores intelectuais e os elementos da
intelectualidade técnica que estão estreitamente vinculados à classe operária. A
intelectualidade somente pode ser forte se se une à classe operária. Se se opõe
a ela, anula-se.
Terceiro: E preciso o poder político como alavanca, para se conseguir as
mudanças. O novo poder político cria uma legalidade nova, uma nova ordem, que é
a ordem revolucionária. Eu não sou por qualquer ordem. Sou pela ordem que
corresponda aos interesses da classe operária. Entretanto, se algumas leis do
antigo regime podem ser utilizadas em benefício da luta pela ordem nova, tais
leis devem também ser empregadas. Não posso opor-me à sua tese de que é preciso
atacar o sistema existente quando ele não assegurar a ordem necessária ao povo.
E, finalmente, o senhor se equivoca ao pensar que os comunistas têm sede de
violência. Ficariam muito satisfeitos suprimindo os métodos violentos se a
classe dominante consentisse em ceder o lugar à classe operária. Porém, a
experiência da história fala contra tal suposição.
— Wells: Há na história da Inglaterra, entretanto, o caso de uma classe que
entregou voluntariamente o poder a outra classe. No período de 1830 a 1870, a
aristocracia - cuja influência era ainda considerável no fim do século XVIII -
cedeu o poder voluntariamente, sem luta séria, à burguesia, que serve como apoio
sentimental à monarquia. Conseqüentemente, esta transferência do poder conduziu
ao estabelecimento do domínio da oligarquia financeira.
— Stálin: Porém, o senhor passou, imperceptivelmente, do problema da revolução
ao problema das reformas. Não é a mesma coisa. Não crê que o movimento cartista
representou o grande papel nas reformas da Inglaterra no século XIX?
— Wells: Os cartistas pouco fizeram e desapareceram sem deixar rastro.
— Stálin: Não concordo com o senhor; os cartistas e o movimento grevista por
eles organizado representaram grande papel; obrigaram as classes dominantes a
fazer uma série de concessões no domínio do sistema eleitoral, na esfera da
liquidação do que se chamava os "burgos podres", na realização de certos pontos
da "Carta". O cartismo representou papel histórico não pouco importante e
incitou uma parte da classe dominante a fazer certas concessões, certas
reformas, para evitar grandes choques. Em geral, deve-se dizer que de todas as
classes dominantes, as classes dominantes da Inglaterra, a aristocracia e a
burguesia, demonstraram ser mais inteligentes, mais flexíveis do ponto de vista
de seus interesses de classe, do ponto de vista da manutenção do poder. Tome
como exemplo, digamos, da história moderna, a greve geral da Inglaterra em 1926.
A primeira coisa que qualquer outra burguesia teria feito para enfrentar a
situação, quando o Conselho Geral dos Sindicatos chamou à greve, seria a de
encarcerarem os dirigentes dos sindicatos. A burguesia britânica tal não fez e
agiu habilmente, segundo seus próprios interesses. Não posso conceber que a
burguesia dos Estados Unidos, da Alemanha ou da França empregue estratégia tão
flexível. Para manter predomínio, as classes dominantes da Grã-Bretanha não se
têm negado nunca a fazer pequenas concessões, reformas. Mas seria erro pensar-se
que estas reformas representam a revolução.
— Wells: O senhor tem uma opinião mais elevada das classes dominantes do meu
país do que eu mesmo. Porém, há grande diferença entre uma pequena revolução e
uma grande reforma? Não é uma reforma uma pequena revolução?
— Stálin: Obedecendo à pressão de baixo, à pressão das massas, pode a burguesia
conceder, algumas vezes, certas reformas parciais, enquanto permanecem
inalteráveis as bases do sistema social-econômico existente. Agindo dessa
maneira, calcula que tais concessões são necessárias para preservar o seu
predomínio de classe. Esta, a essência da reforma. A revolução, entretanto,
significa a transferência de poder de uma classe para a outra. Por isso é
impossível descrever qualquer reforma como uma revolução. Por isso é que não
podemos contar com mudanças nos sistemas sociais que se operem como transição
imperceptível de um sistema para o outro por meio de reformas, por concessões da
classe dominante.
— Wells: Fico-lhe grato por essa conversa que muito significou para mim. Ao
dar-me esta explicação, o senhor se recordou, provavelmente, de como explicava
os fundamentos do socialismo, nos círculos ilegais, antes da Revolução.
Atualmente, há no mundo apenas duas pessoas cuja opinião, cada palavra, é ouvida
por milhões: o senhor e Roosevelt.
Outros poderão pregar tudo que lhes agrade; o que disserem nunca será escrito
ou escutado. Ainda não pude apreciar que os senhores fizeram no país; cheguei
ontem. Porém já vi os rostos felizes de homens e mulheres saudáveis, e sei que
algo de considerável está- se fazendo aqui. O contraste com 1920 é assombroso.
— Stálin: Muito mais teríamos feito nós, bolcheviques, se fôssemos mais
capazes.
— Wells: Não, se em geral os seres humanos fossem mais inteligentes. Seria uma
grande coisa inventar um plano qüinqüenal para a reconstrução do cérebro humano
que, evidentemente, carece de muitas coisas necessárias para uma ordem social
perfeita. (Risos)
— Stálin: O senhor não vai ficar para assistir ao Congresso da União de
Escritores Soviéticos?
— Wells: Infelizmente, não. Tenho vários compromissos e só poderei demorar uma
semana na União Soviética. Vim vê-lo, e estou muito satisfeito com a nossa
entrevista. Porém, tenho intenção de falar com os escritores soviéticos, para
ver se consigo que se filiem ao P.E.N. Club. Esta é uma organização
internacional de escritores fundada por Galsworthy. Depois da morte dele, o
sucedi como presidente. A organização ainda é débil, mas tem seções em numerosos
países e, o que é mais importante, as intervenções dos seus membros são
amplamente comentadas na imprensa. Essa organização defende o direito da livre
expressão de todas as opiniões, nelas compreendidas as de oposição. Espero poder
discutir este ponto com Gorki. Não sei se uma tão ampla liberdade pode ser
permitida aqui.
— Stálin: Nós, os bolcheviques, chamamos a isso "auto-crítica".
É amplamente
usada na U.R.S.S. Se há algo que eu possa fazer para ajudá-lo, fa-lo-ei com
muito prazer.
— Wells: Muito agradecido.
— Stálin: Agradeço pela entrevista.