domingo, 30 de março de 2014

"Black like Mao" - China Vermelha & Revolução Preta


Esse grande artigo de E. Túpac Keshena, nos elucida sobre várias dúvidas que podem surgir como: Porque boa parte do movimento negro americano se referencia tanto em Mao Tsé-Tung? E porque essa grande aproximação do movimento negro com o movimento comunista após a Revolução Chinesa? A começar, O movimento comunista de maior efervescência, ocorre primeiramente na Europa, e é comum que os brancos europeus, não tenham intimidade com o assunto da questão dos povos de cor, bem como é normal, que o movimento negro não se "contemple" tanto com o movimento comunista leninista, oriundo de uma "Europa branca". No entanto, o movimento comunista maoista, se caracterizou por se fazer muito presente, na mobilização dos povos colonizados, os povos de cor, contra seus opressores colonizadores: "amerelos" (asiáticos), negros, "vermelhos" (índigenas) e etc. contra seus colonizadores. A Revolução Chinesa não foi uma simples revolução socialista, representou também, a libertação dos "amarelos" chineses do jugo do imperialismo e do neocolonialismo dos imperialistas "brancos". Esse talvez seja, o primeiro motivo pelo qual boa parte do movimento negro americano se alinhou aos Marxismo-Leninismo-Maoismo (a exemplo dos Black Panthers).

Essa é a era de Mao Tsé-Tung, a era da revolução global e a luta afro-americana por libertação é parte de um movimento universal invencível. O presidente Mao foi o primeiro líder mundial a elevar a luta do nosso povo ao nível da revolução mundial.”

— Robert Williams, 1967

Parece que o presidente, ao menos enquanto símbolo, tem desfrutado de uma popularidade ressurgente entre os jovens. A imagem e as ideias de Mao Zedong aparecem constantemente em um miríade de contextos político-culturais. Por exemplo, The Coup, um grupo popular de hip-hop da área da Baía de São Francisco, restaurou Mao ao panteão dos herois radicais negros e, o fazendo, colocou a luta pela liberdade negra em um contexto internacional. Em uma música chamada “Dig It” (1993), The Coup refere-se aos seus membros como "Os Condenados da Terra"; diz aos ouvintes para que leiam O Manifesto Comunista; e evocam ídolos revolucionários como Mao Zedong, Ho Chi Minh, Kwame Nkrumah, H. Rap Brown, o movimento Mau Mau do Quênia, e Geronimo Ji Jaga Pratt. À maneira maoista clássica, The Coup se aproveita da frase mais famosa de Mao e se apropria dela: " Nós percebemos que o poder é niquelado.” Embora os membros do The Coup não fossem nascidos até após o apogeu do maoismo negro, “Dig It” captura o espírito de Mao em relação ao mundo-a-mundo colonial que incluía os afro-americanos. Em Harlem durante o final dos anos 60 e começo dos 70, parecia que todos possuíam uma cópia de Citações do Presidente Mao Tsé-Tung, mais conhecido como  "O Livro Vermelho". Periodicamente simpatizantes do Partido dos Panteras Negras eram vistos vendendo O Livro Vermelho nas esquinas para o  levantamento de fundos para o partido. E não era inédito ver um jovem radical negro caminhando pela rua vestido como um camponês chinês-exceto pelo Afro e pelos óculos de sol, é claro.

Como a África, a China estava em movimento e havia um sentimento geral de que os chineses apoiavam a luta pela liberdade negra; claro, negros reais clamavam pela revolução no nome de Mao tanto quanto no nome de Marx e Lênin. Incontáveis radicais negros da época prezavam pela China, nem por Cuba ou Gana ou até mesmo Paris, como a terra onde a verdadeira liberdade poderia ser obtida. Não era perfeita, mas era melhor do que viver na barriga da besta. Quando a líder dos Panteras Negras Elaine Brown visitou Beijing no outono de 1970, ficou agradavelmente surpresa com o que a Revolução Chinesa havia conseguido em termos de melhorar a qualidade de vida: “Velhos e jovens davam depoimentos afetivos, como convertidos num batismo, às glórias do socialismo.” Um ano depois ela retornou com o fundador dos Panteras Huey Newton, cuja experiência na China ele descreveu como "uma sensação de liberdade—como se um grande peso tivesse sido levantado da minha alma e eu pudesse ser eu mesmo, sem defensa ou pretensão ou necessidade de explicação. Eu me senti absolutamente livre pela primeira vez na minha vida-completamente livre entre meus homens.”

W.E.B. Du Bois e Mao
Mais de uma década antes de Brown e Newton pisarem em solo chinês, W. E. B. Du Bois se referiu à China como o outro gigante adormecido preparado para liderar as raças de cor na luta mundial contra o imperialismo. Sua primeira viagem à China foi em 1936—antes da guerra e da revolução—durante uma viagem estendida à União Soviética. Retornando em 1959, quando era ilegal viajar para a China China, Du Bois descobriu um novo país. Ele foi atingido pela transformação dos chineses, em particular em relação à emancipação feminina, e foi embora convencido de que a China lideraria as nações subdesenvolvidas no caminho para o socialismo. ”A China após longos séculos,” ele disse à uma audiência de chineses comunistas atendendo à celebração do seu 91º aniversário, “ergueu-se em seus pés e saltou para frente. África levante-se, fique em pé, pense e fale! Aja! Vire-se para o Ocidente e sua escravidão e humilhação pelos últimos 500 anos e encare o sol nascente.”

Como radicais negros vieram a ver a China como o farol da revolução do Terceiro Mundo e o pensamento de Mao Zedong como guia é uma complicada e fascinante história envolvendo literalmente dezenas de organizações e cobrindo boa parte do mundo—dos guetos norte-americanos ao interior africano. Então, o texto a seguir não pretende ser compreensivo; ao invés, organizamos este artigo para explorar o impacto do pensamento maoista e, mais geralmente, da República Popular da China nos movimentos negros radicais desde os anos 50 até pelo menos a metade dos anos 70. Além disso, nosso propósito é explorar como o nacionalismo radical negro formulou discussões dentro do maoismo das organizações "anti-revisionistas" nos Estados Unidos. É nossa contenção que a China ofereceu aos radicais negros um modelo de Terceiro Mundo "de cor" ou um modelo Marxista que os permitiu desafiarem uma visão branca e Ocidental da luta de classes—um modelo que moldaram e reformularam para adaptarem às suas realidades políticas. Embora o papel da China tenha sido contraditório e problemático em muitos aspectos, o fato de que camponeses chineses, à frente do proletariado europeu, fizeram uma revolução socialista e cravaram uma posição na política mundial distinta da soviética e da americana dotou os radicais negros de um senso mais profundo de  importância revolucionária e poder. Finalmente, não só Mao provou aos negros pelo mundo que eles não precisavam esperar "condições objetivas" para uma revolução, mas sua exaltação da luta cultural também formulou profundamente discussões sobre a arte e política negra.

"O opressivo sistema colonial e imperialista
se consolidou com a escravização dos negros
e com o comério dos negros, e o sistema
colonial e imperialista só terá fim com
a completa emancipação do povo preto!"
Mao Tsé Tung
A Grande Marcha

Qualquer um familiar com Maoismo sabe que nunca foi uma ideologia desenvolvida para substituir o Marxismo-Leninismo. Pelo contrário, marcou uma guinada contra o "revisionismo" do modelo soviético pós-Stalin. O que Mao contribuiu ao pensamento Marxista saiu diretamente da Revolução Chinesa de 1949. A  insistência de Mao em que o potencial revolucionário do campesinato não dependia do proletariado urbano era particularmente atraente aos radicais negros céticos da ideia de que deviam esperar por condições objetivas para fazer sua revolução. No centro do Maoismo encontra-se a ideia de que o Marxismo pode ser (deve ser) reformulado às condições de tempo e lugar, e que o trabalho prático, ideias e liderança são provenientes das massas em movimento e não de uma teoria criada no abstrato ou produzida por outras lutas. Na prática, isso significa que verdadeiros revolucionários devem possuir uma vontade revolucionária de vencer. A noção de vontade revolucionária não pode ser subestimada, especialmente por aqueles em movimentos isolados e atacados por todos os lados. Armados de teoria propícia, de comportamento ético propício, e de vontade, revolucionários nas palavras de Mao podem "mover montanhas." Talvez seja por isso que o líder comunista chinês Lin Biao pôde escrever no prefácio às Citações que “uma vez que as palavras de Mao Tsé-Tung são compreendidas pelas grandes massas, tornam-se uma inesgotável fonte de força e uma bomba atômica espiritual de poder infinito.”

Tanto Mao quanto Lin Biao reconheciam que a fonte dessa "bomba atômica" poderia ser encontrada nas lutas dos nacionalistas de Terceiro Mundo. Em uma era onde a guerra fria ajudou a introduzir o movimento não-alinhado, quando líderes do mundo "de cor" estavam em convergência em Bandung, Indonésia, em 1955 para tentar traçar um caminho independente rumo ao desenvolvimento, os chineses esperavam liderar passadas colônias no caminho para o socialismo. Os chineses (com o apoio da teoria da “nova revolução democrática” de Lin Biao) não só dotaram as lutas nacionalistas de valor revolucionário mas também alcançaram especificamente a África e o povo de descendência africana. Dois anos depois da histórica conferência de Bandung das nações não-alinhadas—a China formou a Organização de Solidariedade aos Povos da África e da Ásia. Mao não só convidou W. E. B. Du Bois para passar seu 91º aniversário na China depois de ter sido declarado inimigo público dos Estados Unidos, mas três semanas antes da grande Marcha em Washington em 1963, Mao publicou uma declaração criticando o racismo americano e citando o movimento de libertação afro-americano  como parte da luta mundial contra o imperialismo. ”O perverso sistema do colonialismo e do imperialismo,” Mao declarou, “exaltou e contribuiu com a escravização dos negros e a troca dos negros, e com certeza terá seu fim com a emancipação completa dos negros.” Uma década depois, o romancista John Oliver Killens ficou impressionado com o fato de que vários de seus livros, assim como obras de outros escritos negros, tinham sido traduzidos para o chinês e eram largamente lidos por estudantes. Em todos os lugares que ía, parecia que conhecia jovens intelectuais e trabalhadores que estavam "tremendamente interessados no movimento negro e em como a arte e a literatura dos negros refletiam o movimento.”

A posição de "povo de cor" serviu como uma poderosa arma política na mobilização do apoio de africanos e descendentes de africanos. Em 1963, por exemplo, delegados chineses em Moshi, Tanzânia, declararam que os russos não tinham o que fazer na África por conta de suas posições de brancos. Os chineses, por outro lado, não só faziam parte do mundo de cor mas diferentemente dos europeus nunca tomaram parte na troca de escravos. É claro, muitas dessas declarações serviam essencialmente para facilitar a criação de alianças.  Fato é que escravos africanos poderiam ser encontrados em Guangzhou durante o século doze, e estudantes africanos na China comunista ocasionalmente reclamavam de racismo. (Com certeza, após a morte de Mao os confrontos raciais nos câmpus universitários passaram a ocorrer mais frequentemente, notavelmente em Xangai em 1971, Nanjing em 1980 e Tianjin em 1986.) Ademais, a política externa chinesa para com o mundo negro era frequentemente dada mais por considerações estratégicas do que por comprometimento com os movimentos revolucionários do Terceiro Mundo, principalmente após a ruptura sino-soviética. A posição anti-soviética da China resultou no estabelecimento de políticas externas que enfraqueceram de vez suas relações com determinados movimentos de libertação africanos. No sul da África, por exemplo, os chineses apoiaram movimentos que também recebiam apoio do regime do apartheid na África do Sul.

Ainda assim, as ideias de Mao ganharam popularidade entre jovens radicais negros. Enquanto projetos maoistas nos Estados Unidos nunca atingiram o resultado dos partidos comunistas soviéticos nos anos 30, eles criaram raíz no país. E como centenas de flores, as ideias de Mao desabrocharam em um confuso mosaico de vozes radicais todas como que em guerra umas com as outras. Não surpreendentemente, no centro da discussão sobre a luta de classes nos Estados Unidos estava a "Questão Negra": isso é, qual o papel dos negros na revolução mundial.


Panteras promovem
a leitura do livro vermelho.
A Revolução Negra Mundial

O Maoismo nos Estados Unidos não foi importado da China. Na verdade, para os Maoistas educados na antiga esquerda a fonte do Maoismo pode ser encontrada das revelações de Khrushchev no vigésimo Congresso do Partido Comunista da União Soviética em 1956, que apresentaram um movimento anti-revisionista  para toda a esquerda pró-Stalinista. Fora dos debates por dentro do Partido Comunista dos EUA emergiram algumas organizações empenhadas a empurrar os comunistas de volta ao território Stalinista, incluindo o Comitê Organizacional Provisório (POC) em 1958, "Aço e Martelo" em 1960, e o Partido Trabalhista Progressista (PLP) em 1965.

O "Progressive Labor Party", uma extensão do movimento trabalhista progressista fundado três anos antes, era inicialmente liderado por ex-comunistas que acreditavam que os chineses haviam adotado a posição certa. Insistindo que trabalhadores negros eram a "força revolucionária chave" da revolução proletária, o PLP atraiu alguns ativistas negros excepcionais como John Harris em Los Angeles e Bill Epton em Harlem. Epton tornou-se algo de célebre depois de preso por "anarquia criminosa" durante a rebelião de 1964 em Harlem.  Dois anos depois, o PLP ajudou na organização de uma greve estudantil para estabelecer um programa de estudo negro na São Francisco University, e sua Comissão de Libertação Negra publicou um panfleto intitulado "Libertação Negra Agora!" que pretendia colocar todas essas rebeliões urbanas em um contexto global. Mas por volta de 1968, o PLP abandonou seu apoio ao nacionalismo "revolucionário" e concluiu que todas as formas de nacionalismo eram reacionárias. Como resultado, o PLP se opôs às ações afirmativas e às convenções políticas de sindicatos negros e latinos—posições que romperam a relação do PLP com comunidades ativistas negras. Na verdade, a conexão do PLP com a Nova Esquerda em geral foi prejudicada em parte por conta do seu ataque ao Partido dos Panteras Negras e ao movimento estudantil negro. Membros do PLP foram expulsos do Estudantes por uma Sociedade Democrática (SDS) em 1969 com a ajuda de alguns grupos nacionalistas radicais, incluindo os Panteras, os "Young Lords" e os "Brown Berets".

Não obstante, os partidos Marxistas-Leninistas-Maoistas predominantemente brancos não foram o veículo primário da esquerda negra Maoista. A maioria dos radicais negros do final dos anos 50 e inicio dos anos 60 descobriu a China através das lutas anticolonialistas na África e da Revolução Cubana. A independência da Gana em 1957 era motivo de celebração, e o assassinato patrocinado pela CIA de Patrice Lumumba no Congo inspirou protestos de todos os círculos ativistas negros. A Revolução Cubana e a infame estada de Fidel Castro no Hotel Theresa em Harlem durante sua visita aos EUA deixou os negros face a face com um socialista declarado que estendia uma mão em solidariedade aos povos de cor do mundo todo. Claro, dezenas de radicais negros não só defendiam publicamente a Revolução Cubana mas também visitavam Cuba através de grupos como o "Fair Play for Cuba Committee". Um dos visitantes era Harold Cruse, ele próprio um ex-comunista ainda comprometido com o Marxismo. Ele acreditava que as revoluções cubana, mexicana e africana poderiam revitalizar o pensamento radical porque demonstravam o potencial revolucionário do nacionalismo. Em um ensaio provocativo publicado no "New Leader" em 1962, Cruse escreveu que a nova geração estava procurando no antigo mundo colonial seus líderes e suas percepções, e entre os herois estava Mao: "Eles já têm um panteão de herois modernos—Lumumba, Kwame Nkrumah e Sekou Toure na Africa; Fidel Castro na América Latina; Malcolm X, o líder muçulmano, em Nova Iorque; Robert Williams no Sul; e Mao Tsé-Tung na China. Esses homens parecem heroicos para os afro-americanos não por conta de sua filosofia política, mas porque eram ou antigos colonos que alcançaram independência completa, ou porque, como Malcolm X, ousaram olhar na cara da comunidade branca e dizer: 'Não achamos que sua civilização vale o esforço de qualquer homem negro para integrá-la.’ Isso para muitos afro-americanos é um ato de desafio verdadeiramente revolucionário."

Em outro ensaio, aparecido em "Studies on the Left" em 1962, Cruse foi ainda mais explícito sobre o caráter global do nacionalismo revolucionário. Ele argumentou que negros no Estados Unidos viviam em um colonialismo doméstico e que suas lutas deviam ser vistas como parte do movimento anti-colonial mundial. "O fracasso dos Marxistas americanos," ele escreveu, "em entenderem a ligação entre o negro e os colonos do mundo os levaram ao fracasso no desenvolvimento de teorias que poderiam ser de valor para os negros dos Estados Unidos.” No seu ponto de vista, passadas colônias eram a vanguarda da revolução, e à frente dessa nova revolução socialista estavam Cuba e China.

As revoluções em Cuba, na África e na China tiveram um efeito similar em Baraka, quem uma década e meia depois fundaria a Liga Comunista Revolucionária inspirada no Maoismo. Tocado por sua visita a Cuba e pelo assassinato de Lumumba, Baraka passou a contribuir escrevendo ensaios para uma nova revista chamada "African Revolution" editada pelo líder nacionalista algeriano Ahmed Ben Bella. Como explicou Baraka: "A Índia e a China tiveram sua independência formal antes da vinda dos anos 50, e por volta do final dos anos 50, existiam muitas nações africanas independentes (embora em níveis variados de neocolonialismo). Kwame Nkrumah de Gana havia hospedado a estrela negra em uma casa do estado em Accra, e os pronunciamentos de  Nkrumah sobre seus feitos faziam incandescer encorajamento nos povos de cor de todo o mundo. Quando os chineses explodiram sua primeira bomba atômica eu escrevi um poema dizendo, de fato, que o tempo dos povos de cor havia recomeçado.”

A matrix Gana-China é talvez melhor incorporada na carreira de Vickie Garvin, uma forte radical que passeou pelos círculos da esquerda negra em Halem durante o período pós-guerra. Criada em uma família operária negra em Nova Iorque, Garvin passou seus verões trabalhando na indústria têxtil para complementar a renda da família. Logo no começo do ensino médio tornou-se ativa em protestos políticos negros, apoiando os esforços de Adam Clayton Powell Jr. para obtenção de trabalhos melhor pagos para afro-americanos em Harlem e a criação de clubes de história negra dedicados ao levantamento de recursos para uma biblioteca. Depois de conseguir seu bacharelado em Ciências Políticas na Hunter College e seu mestrado em Economia na Smith College em Northampton, ela passou os anos da guerra trabalhando para o "National War Labor Board", continuou como organizadora para o "United Office and Professional Workers of America" (UOPWA-CIO) e como diretora de pesquisa nacional e co-presidente do "Fair Employment Practices Committee". Durante os expurgos pós-guerra da esquerda no CIO, Garvin foi uma grande voz de protesto e crítica assídua do fracasso do CIO em sua organização no sul. Como secretária executiva da fração nova iorquina do Conselho Nacional do Trabalho Negro e vice-presidente da organização nacional, Garvin estabeleceu laços estreitos com Malcolm X e o ajudou a organizar parte de seu tour pela África.

Para Nkrumah de Gana, Garvin se juntou ao êxodo intelectual negro quando dividiu inicialmente um quarto com a poeta Maya Angelou e eventualmente se mudou para uma casa perto de Du Bois. Passou dois anos em Accra cercada de alguns intelectuais e artistas negros chave, incluindo Julian Mayfield, o artista Tom Feelings e o cartunista Ollie Harrington. Como a radical que ensinava inglês conversacional para o núcleo diplomático cubano, algeriano e chinês em Gana, era difícil não desenvolver uma perspectiva profundamente internacionalista. As conversas de Garvin com Du Bois durante seus últimos dias em Gana apenas reforçaram seu internacionalismo e despertaram seu interesse na Revolução Chinesa. Claro, através de Du Bois Garvin conseguiu um trabalho como "polidora" das traduções em inglês do "Peking Review" assim como professora no Instituto de Línguas Estrangeiras de Xangai. Ela continuou na China de 1964 a 1970, construindo pontes entre a luta pela libertação negra, os movimentos de independência africana, e a Revolução Chinesa.

Para Huey Newton, o futuro fundador do Partido dos Panteras Negras, a revolução africana parecia ainda menos crucial do que os acontecimentos na Cuba e na China. Enquanto estudante da Merritt College no ínicio dos anos 60, ele leu um pouco de existencialismo, passou a comparecer a reuniões patrocinadas pelo Partido Trabalhista Progressista, e apoiar a Revolução Cubana. Sem surpreender, Newton começou a ler literatura Marxista vorazmente. Mao, em particular, deixou uma impressão permanente: “Minha conversão estava completa quando eu li os quatro volumes de Mao Tsé-Tung para aprender mais sobre a Revolução Chinesa.” Então bem antes da fundação do Partido dos Panteras Negras, Newton mergulhou no pensamento de Mao Zedong assim como nos escritos de Che Guevara e Frantz Fanon. ”Mao e Fanon e Guevara todos viam claramente que as pessoas haviam sido despojadas de seus direitos e dignidade, não por uma filosofia ou meras palavras, mas a mão armada. Elas haviam sofrido um assalto por gangsteres, e estupro; para elas, a única maneira de ganhar liberdade era confrontar força com força.”

A vontade dos chineses e cubanos de "confrontar força com força" também fez de suas revoluções atraentes aos radicais negros na era da resistência pacífica sem violência. Claro, época que teve sua parcela de luta armada no sul, com grupos como os "Deacons for Defense and Justice" e o movimento de Gloria Richardson em Cambridge defendendo protestos pacíficos quando necessário. Mas a figura que melhor incorporava as tradições negras de autodefesa armada era Robert Williams, um heroi para a nova onda de internacionalistas negros cuja importância quase se igualava à de Malcolm X. Como anterior membro da marinha americana, de extensivo treinamento militar, Williams ganhou notoriedade em 1957 pela formação de grupos de autodefesa armada em Monroe e Carolina do Norte para lutar contra a Ku Klux Klan. Dois anos depois, a declaração de Williams de que os negros deveriam "confrontar violência com violência" como a única maneira de acabar com a injustiça em um sul sem civilização levou a sua suspensão da presidência da fração de Monroe do NAACP.

Robert e Mabel Williams
O rompimento de Williams com o NAACP e seu apoio aberto à autodefesa armada o empurraram ainda mais para a esquerda e para a órbita dos Partido dos Trabalhadores Socialistas, Partido Trabalhista Mundial, e de alguns membros do antigo CPUSA. No entanto Williams teve contato com comunistas desde seus dias como mecânico em Detroit nos anos 40. Ele não apenas lia o "Daily Worker" como publicou uma história em suas páginas chamada "Um Dia Eu Voltarei Para O Sul." Williams era também algo de um intelectual amador e autodidata, tendo estudado na West Virginia State College, na North Carolina College, e na Johnson C. Smith College. Todavia, suas associações mais recentes com a esquerda o levaram ao "Cuba and the Fair Play for Cuba Committee". Após o regresso da sua primeira viagem em 1960, ele levantou uma bandeira cubana em seu jardim e escreveu uma série de artigos em sua publicação mimeografada, "Crusader", sobre a transformação da vida dos operários em Cuba como resultado da revolução. Em um de seus editoriais publicados em agosto de 1960, Williams insistiu que a luta pela libertação dos afro-americanos "está relacionada às lutas por autonomia dos africanos, cubanos, todos os latino-americanos e asiáticos." Seu apoio à Revolução Chinesa também era evidente nas páginas da "Crusader", enfatizando a importância da China como fonte de força para os movimentos de justiça social por todo o mundo. Como Baraka, Williams escreveu sobre a detonação da bomba atômica chinesa em 1960 como uma ocasião histórica para os oprimidos. "Com a bomba," ele escreveu "a China será respeitada e dará uma voz poderosa àqueles que já clamavam por justiça tanto pelos negros quanto pelos brancos.”

Em 1961, como resultado de queixas de sequestro forjadas e um mandato federal de prisão, Williams e sua família foram forçados a sair do país e buscar asilo político em Cuba. Durante os próximos quatro anos, Cuba tornou-se a base de Williams pra promover a revolução negra mundial e elaborar uma ideologia internacionalista que abraçava o nacionalismo negro e a solidariedade ao Terceiro Mundo. Com o apoio de Fidel Castro, Williams manteve um programa de rádio chamado "Radio Free Dixie" direcionado à afro-americanos, continuou a editar a "Crusader" (que agora havia progredido de uma publicação mimeografada a uma revista completa), e terminou seu livro "Negros Com Armas" (1962). No entanto, ele não se identificava como Marxista. Ao mesmo tempo, rejeitava o rótulo de "nacionalista", chamando a si mesmo de "internacionalista" ao invés: "É isso, estou interessado nos problemas da África, Ásia e América Latina. Acredito que todos fazemos parte da mesma luta; uma luta pela libertação."

Embora Williams lembre-se de ter tido boas relações com Castro, diferenças políticas sobre raça levaram a uma divergência entre ele e os comunistas cubanos. "O Partido," Williams recorda, "acreditava que era um problema exclusivamente de classes e que uma vez que o problema de classes fosse resolvido através de uma administração socialista, o racismo seria abolido." Williams não só discordava como se aproximara muito de Che Guevara, que incorporava muito do que Williams pregava desde o início: solidariedade para com o Terceiro Mundo, uso da luta armada, e um interesse firme e profundo na revolução africana. Claro, a inclinação de Che à China sem dúvidas causou impacto na decisão de Williams de deixar Cuba por Beijing. Dada a ruptura de Che com Fidel e a solidificação dos laços de Cuba com a União Soviética, Williams não viu por quê ficar. Ele e sua família fizeram as malas e se mudaram para a China em 1966.
Como revolucionário exilado na China durante sua era mais tumultuosa, Williams contudo previu que as rebeliões urbanas nos guetos da América transformariam o país. Embora possa ser dito que publicando a "Crusader" de Cuba e então da China Williams tinha muito pouco contato com o movimento de libertação negra no Estados Unidos, sua revista alcançou uma nova geração de jovens militantes negros e promoveu a perspectiva da revolução negra mundial articulada por críticos como Harold Cruse. Fato é, a "Crusader" e o próprio exemplo de Williams juntaram um pequeno grupo de intelectuais radicais negros e ativistas a formar o que poderia ser espontaneamente chamada da primeira organização negra maoísta da história: o Movimento de Ação Revolucionária (Revolutionary Action Movement – RAM).


Robert Williams e Mao Tsé-Tung
O Movimento de Ação Revolucionária e a Futura Revolução Negra

O voo de Williams a Cuba inspirou parcialmente a criação do RAM. Em Ohio por volta de 1961, membros negros do Estudantes por uma Sociedade Democrática (SDS) assim como ativistas no Comitê de Coordenação Estudantil Sem Violência (SNCC) e no Congresso de Igualdade Racial (CORE) reuniram-se em um grupo pequeno para discutir o significado do trabalho de Williams em Monroe e seu subsequente exílio. Liderados por Donald Freeman, um estudante negro na Case Western Reserve em Cleveland, o núcleo do grupo consistia em uma organização recém-formada, chamada “Challenge,” formada por estudantes da Central State College em Wilberforce. Membros da Challenge estavam motivados especialmente pelo ensaio de Harold Cruse “Nacionalismo Revolucionário e o Afro-americano,” que circulava largamente entre jovens negros radicais. Inspirados pela interpretação de Cruse da importância global da luta pela libertação negra, Freeman esperou transformar a Challenge em um movimento revolucionário nacionalista aparentado ao Nação do Islã, mas isso adotaria as táticas de ação direta do SNCC. Depois de um longo debate membros da Challenge resolveram dissolver a organização na primavera de 1962 e formar o Comitê de Ação Revolucionária (originalmente chamado “Reform” Action Movement para não assustar a administração), com seus líderes primários sendo Freeman, Max Standford e Wanda Marshall. Alguns meses depois eles mudaram sua base para a Filadélfia, começaram a publicar um jornal bimestral chamado “Black America” e um boletim informativo de uma página chamado “RAM Speaks”, e fizeram planos para construir um movimento nacional direcionado ao nacionalismo revolucionário, organização juvenil, e autodefesa armada.

Freeman e os membros do RAM em Cleveland continuaram a trabalhar publicamente através do Instituto Afro-americano, um grupo de reflexão de orientação ativista formado no outono de 1962. Sob a direção de Freeman, seu conselho—apelidado de “Soul Circle”—consistia em um grupo pequeno de homens negros relacionados com organizações comunitárias, direitos civis e trabalhistas e grupos estudantis. Membros do conselho como Henry Glover, Arthur Evans, Nate Bryant, e Hanif Wahab lecionavam história e política africanas, organizavam fóruns para discutir o futuro do movimento pelos direitos civis, a participação negra na política de Cleveland, e as condições econômicas dos negros urbanos. O instituto ainda recrutou o grande baterista Max Roach para ajudar na organização de um painel intitulado “O Papel do Artista Negro na Luta pela Liberdade.” Membros do instituto também utilizavam folhetos e panfletos aleatórios para influenciar o pensamento da comunidade negra sobre assuntos locais e internacionais. Destinado “A Quem Possa Interessar,” esses folhetos curtos pretendiam estimular discussão e oferecer à comunidade negra uma posição sobre tópicos mais urgentes como “as eleições, a renovação urbana, a subserviência da economia negra, a ‘corrida armamentista’, e a luta no sul.” Em um ano, o instituto progrediu da impressão de folhetos a impressão de um boletim informativo completo chamado “Afropinion”. Através do Instituto Afro-americano, membros do RAM em Cleveland trabalhavam com ativistas da CORE e outros organizadores da comunidade para exigir melhoras na assistência hospitalar a pacientes negros e protestar contra a exclusão da história africana e afro-americana do currículo das escolas públicas. A campanha mais importante do instituto em 1963 foi a defesa de Mae Mallory, uma mulher negra que estava sendo mantida presa em Cleveland por sua relação com Robert Williams em Monroe, Carolina do Norte. Logo depois do voo de Williams para Cuba, Mallory foi presa em Ohio e esperava por encargos de extradição. O instituto e seus aliados, incluindo a Nação do Islã em Cleveland, peticionaram o governo de Ohio para revogar o pedido de extradição, e também organizaram uma manifestação em massa na frente da prisão exigindo a liberação imediata de Mallory.

No norte da Califórnia, o RAM veio primariamente da Associação Afro-americana. Fundada por Donald Warden em 1962, a Associação Afro-americana consistia em estudantes da Universidade da Califórnia em Berkley e da Merritt College, muitos dos quais, como Leslie e Jim Lacy, Cedric Robinson, Ernest Allen, e Huey Newton, teriam papeis especiais como intelectuais e ativistas radicais. Em Los Angeles, o presidente da Associação Afro-americana era um jovem chamado Ron Everett, que mais tarde mudaria seu nome para Mualna Karenga e fundaria a organização dos EUA. A Associação Afro-americana rapidamente desenvolveu uma reputação como grupo de intelectuais militantes dispostos a discutir com qualquer um. Desafiando professores, grupos de debate como a Aliança Socialista Jovem, e lecionando publicamente história e cultura negra, esses jovens ativistas deixaram uma impressão profunda em alguns estudantes assim como na comunidade negra. Na Baía do Leste, onde a tradição dos discursos de palanque morreu nos anos 30 (com a exceção de campanhas individuais do comunista Congresso dos Direitos Civis no começo dos anos 50), a Associação Afro-americana era prova viva de que uma cultura militante intelectual vibrante e altamente visível poderia existir.

Enquanto isso, o movimento Trabalho Progressista (PL) passou a patrocinar viagens a Cuba e recrutou alguns estudantes radicais negros na Baía do Leste para irem junto. Entre eles estava Ernest Allen, um transferido para UC Berkeley da Merritt College que havia sido expulso da Associação Afro-americana. Garoto operário de Oakland, Allen era parte de uma geração de radicais negros cujo descontentamento com a estratégia do movimento pelos direitos civis de resistência passiva, sem violência os levou para mais perto de Malcolm X e dos movimentos de libertação do Terceiro Mundo. Não surpreendentemente, através de sua viagem a Cuba em 1964 ele descobriu o Movimento de Ação Revolucionária (RAM). Entre os companheiros de viagem de Allen estava um contingente grupo de militantes negros de Detroit: Luke Tripp, Charles (“Mao”) Johnson, Charles Simmons, e General Baker. Todos eram membros do grupo estudantil em Uhuru, e todos desempenharam papeis chave na formação do Movimento Trabalhista Revolucionário Dodge da Liga Operária Negra Revolucionária. Coincidentemente, o líder do RAM Max Stanford já estava na ilha visitando Robert Williams. Quando era hora de voltar aos EUA, Allen e o grupo de Detroit estavam comprometidos com a fundação do RAM. Allen parou em Cleveland para se reunir com membros da RAM na sua viagem de ônibus de volta a Oakland. Armado com cópias da “Crusader” de Robert Williams e materiais relacionados ao RAM, Allen voltou a Oakland com a intenção de estabelecer a presença da RAM na Baía do Leste. Como resultado, ativistas como Isaac Moore, Kenn Freeman (Mamadou Lumumba), Bobby Seale (futuro fundador do Partido dos Panteras Negras), e Doug Allen (irmão de Ernie) estabeleceram uma base na Merritt College através do “Soul Students Advisory Council”. Embora o grupo nunca tenha crescido para mais de um punhado de pessoas, sua presença intelectual e cultural foi amplamente sentida. Allen, Freeman, e os outros fundaram um jornal chamado "Soulbook: The Revolutionary Journal of the Black World", que publicava prosa e poesia melhores descritas como de orientação de esquerda nacionalista negra. Freeman em particular, era muito respeitado entre os ativistas do RAM e amplamento lido. Ele constantemente levava seus membros a pensarem sobre a luta negra num contexto global. Os editores do "Soulbook" também desenvolveram laços com radicais negros da Velha Esquerda, mais notavelmente com o ex-comunista Harry Haywood cujo trabalho publicaram em uma edição precoce.

Embora o RAM tenha se estruturado no norte da Califórnia e em Cleveland, em 1964 a Filadélfia parecia ser a "base" do RAM. Foi na Filadélfia, afinal, que o RAM manteve uma existência aberta, operando sob seu próprio nome ao invés de uma variedade de frentes organizadoras. A força da fração da Filadélfia tem muito a ver com o fato de que era também o lar de Max Stanford, presidente da RAM nacional. Foi da Filadélfia que o RAM publicou um jornal bimestral chamado "Black America" e um boletim informativo chamado "RAM Speaks"; fez planos para construir um movimento nacional direcionado ao nacionalismo revolucionário, a organização juvenil, e a luta armada; e recrutou alguns ativistas da Filadélfia para o grupo, incluindo Ethel Johnson (que também havia trabalhado com Robert Williams em Monroe), Stan Daniels, e Playthell Benjamin. Subsequentemente, o RAM recrutou um grupo de jovens militantes da Filadélfia que mais tarde desempenhariam papeis chave em organizações radicais, incluindo Michael Simmons, um dos autores do famoso "Black Consciousness Paper" da SNCC, cuja resistência ao recrutamento resultou numa sentença de dois anos e meios de prisão, e Tony Monteiro, que se tornaria um líder nacional na CPUSA durante os anos 70 e 80.

A organização RAM representou a primeira tentativa séria e duradoura no período pós-guerra de casar o Marxismo, o nacionalismo negro, e o internacionalismo do Terceiro Mundo em um programa revolucionário coerente. Na perspectiva de Max Stanford, o RAM "tentou aplicar uma linha de pensamento Marxista-Leninista Maoista” às condições dos negros e “avançou na teoria de que o movimento de libertação negra nos Estados Unidos era parte da vanguarda da revolução socialista mundial." Militantes jovens do RAM procuraram orientação política de anteriores comunistas negros que haviam sido expulsos ou por "ultra-esquerdismo" ou "nacionalismo burguês," ou deixado o partido por conta de seu "revisionismo." Entre esse grupo de antigos estavam Harold Cruse, Harry Haywood, Abner Berry, e “Queen Mother” Audley Moore. Claro, Moore se tornaria o mentor mais importante do RAM na Costa Leste, oferecendo aos membros treinamento no pensamento nacionalista negro e no Marxismo. A casa de "Queen Mother", a qual ela afetuosamente chamada de "Mount Addis Ababa", serviu praticamente como escola para uma nova geração de jovens radicais negros. Moore havia fundado o Partido Afro-americano de Libertação Nacional em 1963, que formou um governo provisório e elegeu Robert Williams como primeiro ministro em exílio. Esses jovens radicais negros também procuraram pelos ex-trotskistas lendários James Boggs e Grace Lee Boggs, anteriores camaradas de C.L.R. James cujos escritos Marxistas e pan-africanistas influenciaram grandiosamente membros do RAM assim como outros ativistas da Nova Esquerda.

Embora o RAM enquanto movimento nunca tenha recebido a glória publicitária conferida a grupos como o Partido dos Panteras Negras, sua influência excedia em muito seus números—não diferentemente da Irmandade Sangue Africano (ABB) quatro décadas antes. Claro, como a "African Blood Brotherhood" o RAM permaneceu predominantemente como uma organização às ocultas que dedicava mais tempo a propaganda agitadora do que organização propriamente dita. Líderes como Max Stanford se identificavam com os camponeses chineses rebeldes que levaram o Partido Comunista a vitória. Eles se aproveitaram da famosa frase de Mao—"O inimigo avança, retiramos. O inimigo acampa, provocamos. O inimigo cansa, atacamos. O inimigo se retira, perseguimos."—e a entenderam literalmente, pregando a insurreição armada e se inspirando diretamente nas ideias da teoria de luta de guerrilha no Estados Unidos urbano de Robert Williams. Os líderes do RAM acreditavam não só que tal guerra era possível mas que também poderia ser vencida em noventa dias. A combinação entre o caos em massa e a disciplina revolucionária eram a chave para a vitória. A edição de outono de 1964 da "Black America" previa o Armageddon:

Homens e mulheres negras nas Forças Armadas abandonarão e virão fazer parte das forças de libertação negras. Brancos que dizem querer ajudar na revolução serão mandados para comunidades brancas para dividi-los, lutar contra os fascistas e frustrar os esforços de forças contrarrevolucionárias. O caos estará em todos os lugares e com o colapso da comunicação em massa, revolta acontecerá em grandes números em todas as facetas opressoras do governo. O mercado de ações cairá; Wall Street parará de funcionar; Washington, D.C. será dilacerada por revoltas. Oficiais de todos os lugares irão correr-correr por suas vidas. George Lincoln Rockwellers, Kennedys, Vanderbilts, Hunts, Johnsons, Wallaces, Barnetts, etc., serão os primeiros a se irem. A revolução "virá pela noite e não poupará ninguém." (…) A Revolução Negra se utilizará de sabotagem nas cidades, desligando o poder elétrico primeiro, então o transporte e guerrilha no interior do sul. Com as cidades impotentes, o opressor ficará desamparado.

A revolução era claramente vista como um trabalho masculino já que as mulheres mal apareciam na equação. Claro, um dos fatos impressionantes sobre a história da esquerda anti-revisionista é como dominada pelos homens ela permaneceu. Embora Wanda Marshall tenha sido uma das fundadoras do RAM, ela não obteve um posto de liderança nacional em 1964. Apesar de promover a criação de "ligas femininas" cujo propósito seria "organizar mulheres negras que trabalham em casas brancas," o RAM permaneceu relativamente quieto sobre a libertação das mulheres até o final dos anos 60, quando a organização começou a entrar em colapso. Em 1969, o RAM publicou uma declaração sobre o papel das "Soul Sisters" no movimento. Um auxiliar do RAM, as "Soul Sisters" deveriam ser treinadas em autodefesa e trabalhar para organizar a juventude feminina, mas também deveriam educar, cuidar, e influenciar positivamente homens revolucionários negros. Suas tarefas imediatas incluíam "influenciar negros não-militantes a se envolverem na autodefesa organizada," promover esforços para manter "mulheres brancas fora de todas as áreas da política e da vida sexual negra," denunciar qualquer incidente de "abuso pela polícia ou qualquer outro homem branco no gueto ou nas escolas," e "promover a imagem de Robert Williams como símbolo internacional da luta pela liberdade negra." As duas tarefas que mais revelavam a posição de subordinada das mulheres envolviam treinar "garotas para fazerem um censo da população negra" e fazê-las "desenhar e comprar suéteres para símbolo de identificação."

A orientação masculina do RAM não deveria ser surpreendente considerando a orientação masculina das organizações do nacionalismo negro (sem mencionar a Nova Esquerda) nos anos 60, seja reivindicando direitos civis ou alguma versão insipiente do Poder Negro. O masculinismo do RAM, no entanto, foi intensificado pelo fato de que seus líderes se viam como guerrilheiros urbanos—como membros de uma versão inteiramente negra do Exército Vermelho de Mao. Nem todos os membros do RAM se viam dessa maneira, mas aqueles que viam estavam comprometidos profundamente com uma série de éticas revolucionárias que Mao estabeleceu para seu próprio partido e para os membros do Exército Popular. Vemos isso muito claramente no "Código dos Núcleos" do RAM, uma série de regras de conduta altamente didáticas que os membros deveriam viver de acordo com. Alguns exemplos desse código a seguir:

Um nacionalista revolucionário mantêm o maior respeito por toda autoridade dentro do partido….

Um nacionalista revolucionário não pode ser corrompido por dinheiro, honras ou qualquer outro ganho pessoal….

Um nacionalista revolucionário irá não hesitantemente subordinar seu interesse pessoal àquele da vanguarda [sem] hesitar...

Um nacionalista revolucionário manterá o maior nível de moralidade e nunca tirará nem uma agulha ou sequer um pedaço de linha das massas-Irmãos e Irmãs manterão o maior respeito uns aos outros e nunca abusarão ou tirarão vantagem uns dos outros para ganho pessoal-e nunca interpretarão mal, a doutrina do nacionalismo revolucionário, por qualquer razão….

As similaridades do código com as Citações do Presidente Mao Tsé-Tung são impressionantes. Claro, o último exemplo vem direto das “Três Principais Regras da Disciplina” de Mao, que incitam "nunca tirar nem uma agulha ou sequer um pedaço de linha das massas." Abnegação e comprometimento total às massas é outro tema que domina as Citações. Novamente, as comparações são notáveis: "Em tempo algum e sob nenhuma circunstância," diz Mao, "um Comunista deve colocar seus interesses primeiro; ele deve se subordinar aos interesses da nação e das massas. Assim, egoísmo, corpo mole, corrupção, buscar ser o centro das atenções, e assim por diante são as coisas mais desprezíveis, enquanto abnegação, trabalhar com toda sua energia, sincera devoção ao dever público, e trabalho  duro e quieto irão impor respeito."

O ênfase do Maoismo nas éticas revolucionárias e na transformação moral, na teoria ao menos, ressonava com as tradições religiosas negras (assim como com o protestantismo americano de maneira geral), e como a Nação do Islã, pregava autodomínio, ordem, e disciplina. É bem possível que no meio de uma contracultura que incorporava elementos do hedonismo e uso de drogas, uma nova onda de estudantes e radicais operários achariam as éticas Maoistas atraentes. (Claro, muitos na Nova Esquerda e no movimento de libertação feminina também acharam a ideia das éticas revolucionárias de Mao atraentes.) Após seu retorno da China, Robert Williams—em muitos aspectos o pai fundador do RAM—insistiu que todos jovens ativistas negros passavam por uma transformação pessoal e moral. "Existe uma necessidade por um código revolucionário rigoroso de éticas morais. Revolucionários são instrumentos da justiça." Para revolucionários negros, a dimensão moral e ética do pensamento de Mao centrava na noção da transformação pessoal. Era uma lição familiar incorporada nas vidas de Malcolm X e (mais tarde) Geoge Jackson—nomeadamente, a ideia de que alguém possui a vontade revolucionária de transformar-se. (Essas narrativas são quase que exclusivamente masculinas apesar do número crescente de memoirs de mulheres radicais negras.) Se os membros do RAM viviam ou não pelas regras do código, as éticas Maoístas definitivamente serviram para reforçar o status de Malcolm como modelo revolucionário.

Um programa de doze tópicos foi criado pelo RAM para o desenvolvimento de escolas da liberdade, organizações estudantis negras, clubes de tiro, cooperativas negras (não apenas para o desenvolvimento econômico mas para manter "a comunidade e as forças de guerrilha funcionando por algum tempo"), e um exército de guerrilha de libertação feito de jovens e desempregados. Eles também deram ênfase especial ao internacionalismo—em fornecer apoio a movimentos de libertação nacionais na África, Ásia e América Latina assim como a adoção do "socialismo pan-africano." Na linha do ensaio seminal de Cruse, os membros do RAM viam-se como colonos lutando uma "guerra colonial em casa." Como escreveu Stanford em um documento interno intitulado "Projetos e Problemas do Movimento Revolucionário” (1964), “a posição do RAM é de que o afro-americano não é um cidadão do EUA, cujos direitos foram negados, mas que ele é um colono escravizado. Essa posição diz que os negros no EUA são uma nação aprisionada e suprimida e que sua luta não é pela integração na comunidade branca mas sim pela libertação nacional."

Como colonos com o direito a autodeterminação, o RAM viu a Afro-América como um membro de fato das nações não-alinhadas. Eles até se identificavam como parte do "mundo de Bandung," indo tão longe a ponto de fazer uma conferência em novembro de 1964 intitulada "A Relação da Revolução Negra com o Mundo de Bandung." Em um artigo de 1965 publicado no jornal do RAM "Black America", o grupo passou a desenvolver uma teoria chamada Humanismo Bandung, ou Internacionalismo Revolucionário Negro, que discutia que a batalha entre o imperialismo ocidental e o Terceiro Mundo —mais que a batalha entre o trabalho e o capital—representava  a contradição mais fundamental do nosso tempo. A organização ligou a luta pela liberdade afro-americana com o que acontecia na China, Zanzibar, Cuba, Vietnã, Indonésia e Algéria, e caracterizou seu trabalho como parte da estratégia internacional de Mao de cercar os países capitalistas ocidentais e desafiar o imperialismo. Depois de 1966, no entanto, o termo Humanismo Bandung foi deixado para trás inteiramente e substituído por Internacionalismo Negro.

O que era precisamente pretendido pelo Internacionalismo Negro foi exposto em um panfleto incrivelmente grosso de trinta e seis páginas, "The World Black Revolution", que foi publicado pelo RAM em 1966. Livremente aos moldes do Manifesto Comunista, o panfleto identificava-se fortemente com a China contra tanto o Ocidente capitalista quanto o Império Soviético. A "emergência da China Revolucionária começou a polarizar contradições de castas e classes pelo mundo, tanto no campo do imperialismo burguês quanto no campo europeu burguês comunista-socialista." Em outras palavras,  a China foi a ponta que moldou as contradições entre o povo colonial e o Ocidente. Rejeitando a ideia de que a revolução socialista ascenderia nos países desenvolvidos do Ocidente, o RAM insistia que a única solução verdadeiramente revolucionária era a "Ditadura Mundial dos Negros e Desfavorecidos através da Revolução Negra Mundial." Nisso, é claro, estavam trabalhando com as definições de hoje: o RAM utilizou "desfavorecidos" para englobar todos os povos de cor da Ásia, América Latina, África, e outros lugares; "Negros e Desfavorecidos" era meramente um sinônimo para o mundo colonial. A China estava em uma luta amarga para defender sua própria liberdade. Agora o resto do mundo "negro" deveria seguir o exemplo: "Os Negros Desfavorecidos têm apenas uma alternativa para se libertarem do colonialismo, imperialismo, capitalismo e neocolonialismo; esta é destruir completamente a civilização (as cidades do mundo) Ocidental (burguesa) através de uma Revolução Negra Mundial[,] estabelecendo uma Ditadura Mundial Revolucionária podendo assim dar um fim a exploração do homem pela humanidade e o novo mundo revolucionário ser criado." Para coordenar essa revolução, o RAM clamou pela criação de uma Internacional Negra e um "Exército de Libertação Popular em escala mundial."

Por todo seu nacionalismo estridente, a Revolução Mundial Negra conclui que o nacionalismo negro "é realmente o internacionalismo." Apenas demolindo o nacionalismo branco e o poder branco a libertação pode ser alcançada por todos. Não apenas as fronteiras nacionais serão eliminadas com a "ditadura dos Negros e Desfavorecidos," mas "a necessidade pelo nacionalismo em sua forma agressiva será eliminada." Essa é uma declaração remarcável dadas as raízes sociais e ideológicas do RAM. Mas ao invés de representar uma posição unificada, a declaração reflete vários tensões que persistiram durante a história do RAM. De um lado estavam nacionalistas que sentiam que revolucionários deveriam lutar primeiro pela nação negra e construir o socialismo separados do resto dos Estados Unidos. Do outro lado estavam socialistas como James Boggs e Grace Lee Boggs que queriam saber quem iria liderar a nação "branca" e o que tal presença significaria para a liberdade negra. Eles também rejeitavam esforços para ressurgir a tese da "Nação Negra"—a antiga linha comunista que dizia que o povo do interior sulino de maioria negra (a região da "black belt") teria o direito de se abster da união. Os Boggs acreditavam que a fonte real do poder estava nas cidades e não no mundo rural.

Depois de anos como uma organização às ocultas, uma série de "exposés" nas revistas Life e Esquire que circulavam em 1966 identificavam o RAM como um dos grupos extremistas líderes "conspirando uma guerra contra os 'branquelos'." O grupo "patrocinado-por-Pequim" não só era considerado armado e perigoso, mas "impressionantemente bem lido na literatura revolucionária—de Marat e Lênin a Mao, Che Guevara e Frantz Fanon." A fração de Harlem Branch do Partido Trabalhista Progressista respondeu aos artigos com um panfleto intitulado "A Conspiração Contra a América Negra", que discutia que a China não estava financiando a revolução, apenas dando um exemplo revolucionário pelo seu fiel anti-imperialismo. As verdadeiras causas da rebelião negra, eles insistiam, poderiam ser encontradas na qualidade da vida no gueto. Não surpreendentemente, esses artigos altamente divulgados foram seguidos de uma série de batidas policiais nos lares dos membros do RAM na Filadélfia e em Nova Iorque. Em junho de 1967, membros do RAM foram cercados e acusados de conspirarem para instigar revolta, envenenarem policiais com cianeto de potássio, e assassinarem Roy Wilkins e Whitney Young. Um ano depois, sob a atmosfera repressiva do Programa de Contra Inteligência do FBI (COINTELPRO), o RAM transformou-se no Partido da Libertação Negra, ou Partido Afro-americano de Libertação Nacional. Por volta de 1969, o RAM tinha praticamente se dissolvido, embora seus membros preferissem "voltar à comunidade e infiltrar em organizações negras existentes," continuar a exigir o programa dos doze tópicos, e desenvolver grupos de estudo que focassem na "Ciência do Internacionalismo Negro, e o pensamento do presidente Rob [Robert Williams]."

As operações do COINTELPRO só explicam parcialmente a dissolução do RAM. Alguns dos seus membros mudaram-se para outras organizações, como a República da Nova África e o Partido dos Panteras Negras. Mas a filiação decrescente e sua definitiva morte podem ser atribuídas parcialmente a erros estratégicos de sua própria parte. Claro, o entendimento dos membros da situação atual nos guetos e suas estratégias específicas de mobilização sugerem que não eram bons Maoistas afinal. A insistência de Mao na natureza prolongada da revolução não foi levada a sério; em certo ponto eles sugeriam que a guerra pela libertação provavelmente levaria noventa dias. E porque os líderes do RAM focavam seus trabalhos em confrontar o estado de cara e atacar líderes negros que julgavam reformistas, fracassaram em criar uma base forte nas comunidades urbanas negras. Ademais, apesar de seu internacionalismo fiel, eles não alcançaram outras "nacionalidades" oprimidas nos Estados Unidos. Não obstante, o que o RAM e Robert Williams fizeram foi elevar o nacionalismo revolucionário negro a uma posição de importância crítica e teórica para a esquerda anti-revisionista em geral. Eles forneceram um exemplo prático e organizativo do que Harold Cruse, Frantz Fanon, e Malcolm X tentavam desenvolver em seus escritos e discursos. Mais importantemente, eles encontraram justificação teórica para o nacionalismo revolucionário negro no pensamento de Mao Zedong, especialmente após o lançamento da Revolução Cultural na China.


Finalmente recebi as notícias”: A Liga Operária Negra Revolucionária

Embora o RAM estivesse no declínio, seus líderes continuaram a formar alguns dos movimentos mais radicais da década. Várias figuras chave da Liga Operária Negra Revolucionária em Detroit haviam sido líderes no RAM, mais notavelmente Luke Tripp, General Baker, Charles (Mao) Johnson e, mais tarde, Ernie Allen. Tripp, Baker, Johnson, e John Watson eram estudantes da Wayne State University ativos no coletivo nacionalista Uhuru, que em alguns aspectos servia como a face pública do RAM assim como o "Challenge" em Ohio e o "Soul Students Advisory Council" na Califórnia. Watson, que aparentemente não pertencia ao RAM, havia trabalhado com um número de organizações, incluindo o Partido Liberdade Agora (um partido inteiro negro que apoiou o socialista Clifton DeBerry para presidente em 1964), SNCC, e o Comitê de Ação Negra. Diante do retorno de General Baker de Cuba, ele foi ainda mais fundo nos círculos trabalhistas e esquerdistas de Detroit, aceitando um trabalho como operário na principal fábrica Chrysler-Dodge e assistindo aulas sobre O Capital de Marx com Marty Glaberman, um radical veterano da tendência Johnson-Forest (um grupo dissidente do Partido dos Trabalhadores Socialistas liderado por C. L. R. James e Raya Dunayevskaya que incluía James Boggs e Grace Lee Boggs).

O "Inner City Voice (ICV)", o qual Watson começou a editar depois das revoltas em Detroit em 1967, foi concebido como uma publicação revolucionária que poderia criar laços entre radicais negros, particularmente estudantes e ativistas trabalhistas, com a amplitude da comunidade negra. Tendo estudado os trabalhos de Lênin, e num grau menor Stalin e Mao, os militantes que começaram o ICV referiam-se ao jornal como "o foco de uma organização permanente [que] poderia fornecer uma ponte entre os picos da atividade." E tentaram viver conforme essa injunção: em 1968 Baker organizou uma discussão em grupo constituída em grande parte de operários da principal fábrica Dodge no escritório da ICV. Não muito depois—depois do "Vday" e do "May Day", 1968, para ser exato—quatro mil operários na fábrica Dodge principal saíram em uma greve espontânea, a primeira na fábrica em catorze anos e a primeira organizada e liderada inteiramente por trabalhadores negros. A greve era contra o aumento da velocidade da linha de montagem, que na semana anterior havia sido aumentada de quarenta e nove carros por hora para cinquenta e oito. Radicais sindicalistas negros caracterizaram as acelerações como parte de um projeto maior de "niggermation," ou como um dos operários explicou, a prática de contratar um operário negro para fazer o trabalho de três operários brancos. Embora muitos dos piquetes fossem brancos, a maior represália da companhia foi contra os operários negros. General Baker, acusado de liderar a greve, estava entre os sumariamente demitidos. Em uma "Carta Aberta à Corporação Chrysler," Baker escreveu: "Nesse dia e época ... a liderança de uma greve espontânea é símbolo de honra e coragem... Vocês tomaram a decisão de batalhar comigo e então batalhar com toda a comunidade negra dessa cidade, desse estado, desse país e desse mundo do qual sou parte. Negros de todo o mundo estão unidos em uma luta comum."

Não importando que papel Baker desempenhou na greve, é claro que os indivíduos envolvidos no grupo de estudos do ICV estavam à frente da mesma. Esse núcleo de radicais operários com Baker e o grupo ICV deram origem ao DRUM—o Movimento Sindicalista Revolucionário da Dodge. O espírito e a militância representados pelo DRUM se espalharam para outras fábricas: ELRUM ascendeu da fábrica "Eldon Avenue Gear and Axle", JARUM começou na "Chrysler Jefferson Avenue", MERUM na "Mound Road Engine", CADRUM na "Cadillac Fleetwood," FRUM na "Ford Rouge", e GRUM na "General Motors". Embora muitos desses comitês envolvessem ativamente apenas um número pequeno de operários, a propagação do movimento revelava o nível da frustração e da raiva que operários negros sentiam tanto pela indústria automotiva quanto pela liderança da União dos Operários Automobilísticos (UAW).

Desde o início, radicais estudantes da Wayne State University estavam comprometidos a formar o DRUM e outros movimentos revolucionários sindicalistas porque viam a luta operária como uma arma fundamental contra o capitalismo. Além disso, em uma instituição pública como a Wayne State na qual 10 porcento dos estudantes eram negros, não era difícil encontrar estudantes nas fábricas durante meio-período ou operários cujas crianças pularam para o movimento revolucionário de primeira. Durantes as greves espontâneas na Dodge e na Eldon Avenue, estudantes andaram nas linhas de piquete após embargos da corte terem proibido operários em greve de chegar perto dos portões da fábrica.  Então as distinções entre "intelectuais" e "operários" foram um pouco apagadas. Como Geoffrey Jacques, um negro nativo de Detroit ativo nas políticas radicais durante 1970 lembra, "Eu andava no ônibus cheio de operários automobilísticos indo para fábrica e sempre tinha alguém lendo Stalin, Lênin, ou Mao. Parecia até que todo mundo era parte de algum grupo de estudos."

Não é exagero dizer que a maioria dos líderes do DRUM se identificavam como Marxistas-Leninistas-Maoístas ou Trotskistas de alguma vertente. Em grande parte através do trabalho original do núcleo do ICV, mas com a adição importante de operários que se tornaram ativos no chão de fábrica, a Liga Operária Negra Revolucionária formou-se em 1969. Sua constituição chamava os operários para "agir rapidamente para organizar organizações como o DRUM onde quer que existissem operários negros, seja na cozinha de Lynn Townsend, na Casa Branca, na Ford Rouge, no Mississipi Delta, nas planícies de Wyoming, nas minas da Bolívia, nos seringais da Indonésia, nas jazidas de petróleo de Biafra, ou na fábrica Chrysler na África do Sul." A crença da organização de que uma revolução mundial era imanente e que os povos de cor mundo afora estavam na vanguarda reflete a perspectiva Maoista característica do RAM. Claro, quando Emie Allen tornou-se o diretor de educação política da Liga. Ele lembrou que praticamente todos estavam lendo Mao e Giap (o teórico vietnamita de luta de  guerrilha). Não era incomum os membros usarem a Revolução Chinesa como molde para entender a história da luta dos operários negros. Além disso, ativistas da Liga liam mais que Mao: estavam interessados em alguns dos movimentos da Nova Esquerda na Itália e na França, particularmente Potere Operaio, Lotta Continua, e outras organizações "trabalhistas" francesas. Allen trouxe algumas dessas discussões acaloradas sobre os eventos mundiais para casa apresentando livros e artigos sobre a história afro-americana do trabalho.

Apesar de seu senso profundo de internacionalismo e sua visão radical do sindicalismo, membros da Liga dividiam-se quanto a estratégia e tática. Um grupo, liderado por General Baker, acreditava que o movimento deveria focar em lutas de chão de fábrica, enquanto Watson, Mike Hamlin, e Cockrel sentiam que a Liga deveria organizar comunidades negras além do ponto da produção. Um desenvolvimento de sua aproximação comunitária foi a Conferência de Desenvolvimento Negro (BEDC) na primavera de 1969. Sob o impulso do anterior líder do SNCC James Forman, que havia chego recentemente a Detroit, a Liga tornou-se profundamente envolvida no planejamento e andamento da conferência. Originalmente organizada pela Fundação Inter-religiosa para Organizações Comunitárias, a conferência foi dominada pela esquerda revolucionária em Detroit e produziu essencialmente uma chamada para o socialismo negro. Pela BEDC veio a proposta de Forman para um manifesto Negro, que exigia, entre outras coisas, quinhentos milhões de dólares por danos das igrejas brancas.

O trabalho na BEDC levou a liderança da Liga, da qual Forman agora era parte, para longe de sua ênfase regional. Seus esforços levaram à fundação do Congresso dos Operários Negros (BWC) em 1970. O BWC foi concebido mais ou menos como uma aliança de sindicalistas revolucionários negros, e atraiu certo número de movimentos Maoistas e nacionalistas de esquerda, incluindo a Organização Porto Riquenha de Operários Revolucionários (que ajudaria a fundar a Liga Operária Revolucionária) e o Partido Comunista (Marxista-Leninista). Forman foi profundamente influenciado por Kathy Amatniek, uma teórica do movimento de libertação feminina, com quem ele mantinha uma relação. Ela havia estudado chinês em Harvard e apresentado uma conscientização baseada nas campanhas "speak bitterness" da China. De acordo com Rosalyn Baxandall, uma das integrantes fundadoras do grupo radical feminista Redstockings, Amatniek era uma séria anti-revisionista que apreciava Stalin e simpatizava com a Albânia. Eventualmente a BWC liderada por Forman tornou-se uma organização Marxista-Leninista-Maoista em causa, clamando pelo controle dos operários sobre a economia e o domínio do estado através de cooperativas, grupos de vanguarda, centros comunitários, organizações estudantis, e ultimamente um partido revolucionário. Com Forman no leme, o BWC pedia um fim a todas as formas de racismo, imperialismo, acelerações e congelamentos salariais, e manifestava seu apoio ao Governo Provisório Revolucionário do Vietnã do Sul.

Enquanto isso, a base local da Liga começou a se desintegrar. Alguns ativistas da Liga, como Chuck Wooten e General Baker, haviam sido demitidos e os movimentos sindicalistas revolucionários mal funcionavam por volta de 1972. A "Declaração de Políticas Gerais" da Liga, que baseava tudo na necessidade por organizações vibrantes "como a DRUM", parecia ter caído no esquecimento. As divisões entre os grupos líderes estava tão arraigada que nenhum conseguia ouvir críticas do "outro lado" sem assumir motivações hostis. Essas contradições vieram à tona quando Cockrel, Hamlin, e Watson deixaram a Liga em junho de 1971 para formar o Congresso Operário Negro. Em seu documento "O Rompimento na Liga Operária Negra Revolucionária: Três Linhas e Sedes" eles se descreviam como "os proletários revolucionários" e as duas outras tendências como "os pequeno-burgueses oportunistas" e "o lumpemproletariado atrasado nacionalista reacionário." Não muito depois de suas saídas da Liga, o núcleo remanescente, liderado por General Baker, juntou-se a Liga Comunista sob a liderança do Marxista negro veterano Nelson Peery. Alguns membros do Movimento Sindicalista Revolucionário Dodge e da Liga Operária Negra Revolucionária  ascenderam para posições de liderança dentro do Partido Trabalhista Comunista (CLP) e moldaram significantemente sua orientação industrial. Eles estudavam Mao e Stalin com mais rigor ainda e construíram um partido altamente disciplinado em Detroit, centrado nas usinas e fábricas. Embora a Liga (que se tornaria o Partido Trabalhista Comunista em 1972) tivesse aberto a Livraria China-Albânia em Detroit, ela nunca tentou operar como uma organização de massa ou recrutar nos câmpus. Baker, especialmente, permaneceu comprometido com a Liga Comunista através de todas suas manifestações—como CLP, e mais recentemente, como Liga de Revolucionários.

Em muitos aspectos, os líderes da Liga acabaram por ser ótimos Maoistas—quer se identificassem ou não com Mao. Através de jornais e movimentos revolucionários sindicalistas, sempre procuravam maneiras de relacionar sua análise política geral às condições ao redor. Estabeleceram diretrizes estratégicas ao invés de um diagrama rígido para organização. E constantemente se empenhavam na relação entre intelectuais Marxistas, o que eram em grande parte, e os trabalhadores que desejavam alcançar. Fazendo isso eles obtiveram sucesso em criar uma linguagem revolucionária e torná-la acessível para os operários negros. Ainda assim a promessa da Liga era também seu risco: quando o fenômeno dos movimentos revolucionários sindicalistas começou a desvanecer, e as lutas lideradas por eles foram derrotadas, a Liga em si foi colocada em questão. Como coloca Ken Cockrel "Nós tínhamos de desenvolver uma noção do que fazer quando operários são demitidos por atividade organizada, e você não está na posição de alimentá-los, e não está na posição de forçar a gerência a aceitá-los de volta, e não está na posição de relacionar-se concretamente a qualquer de suas necessidades... Se não der resposta está na posição de ter tirado operários da usina usando linhas anti-racistas, anti-imperialistas e anti-capitalistas e feito o homem reagir não podendo fazer nada."

Mas essa não é a história inteira. Talvez a maior tragédia da Liga foi o fracasso de operários brancos no apoio aos movimentos revolucionários sindicalistas. Se o UAW tivesse usado seus recurso para apoiar as exigências da Liga ao invés de aliar-se às companhias automobilísticas para isolar e destruir os movimentos, o resultado provavelmente teria sido diferente. Raça, mais uma vez, contribuiu para a ruína de um movimento trabalhista americano potencialmente transformador. Foi outra etapa de uma saga antiga (e duradoura).


O retorno da "Black Belt"

Segundo a maioria dos relatos, uma ideologia Maoista explícita não emergiu na paisagem política dos EUA até Mao ter iniciado a Grande Revolução Cultural Proletária em 1966. Um precursor da revolução irrompeu na China nove anos antes, quando Mao pediu aos seus compatriotas "que cem flores desabrochem" e "que cem correntes de pensamento rivalizem." Essa campanha era apenas fogo de palha, de qualquer jeito, e foi rapidamente silenciada após flores demais criticarem abertamente o Partido Comunista Chinês.

Mas a Revolução Cultural era diferente. Hierarquias no partido e no Exército Vermelho foram eliminadas ostensivamente. Crítica e auto-crítica foram encorajadas—contanto que coincidissem com o pensamento de Mao Zedong. Comunistas suspeitos de apoiarem um caminho capitalista foram levados a julgamento. Intelectuais burgueses na academia e no governo deviam realizar trabalho manual, para trabalharem em meio ao povo como uma maneira de derrubar hierarquias sociais. E todos os vestígios da antiga ordem deveriam ser eliminados. A juventude, agora a vanguarda, atacava a tradição com vingança e procurava criar novas formas culturais de promover a revolução. O povo da China foi chamado agora para educar-se. A Revolução Cultural intensificou os elementos constituintes do Maoísmo: a ideia da rebelião e conflito constantes; o conceito da centralidade do povo sobre as leis econômicas ou forças produtivas; a noção da moralidade revolucionária.

Não importa qual a perspectiva de alguém sobre a Revolução Cultural, projetada ao mundo—particularmente para àqueles simpáticos a China e aos movimentos revolucionários de forma geral—era uma visão de uma sociedade onde as divisões entre os poderosos e os impotentes estavam manchadas, e onde o status e o privilégio não necessariamente distinguiam os líderes dos liderados. Os socialistas Paul Sweezey e Leo Huberman, editores do jornal socialista independente "Monthly Review", reconheciam as enormes implicações de tal revolução para a pobreza urbana dos Estados Unidos: "Só imagine o que aconteceria nos Estados Unidos se um presidente convidasse os pobres deste país, ênfase especial nos negros dos guetos urbanos, a vencerem a guerra contra a pobreza por si mesmos, prometendo a eles proteção do exército contra represálias!" É claro, os Estados Unidos não são um país socialista e nunca pretenderam ser um, e apesar do alguma coisa de simpático presidente Lyndon Johnson, negros nos Estados Unidos não eram tratados pelo estado como "o povo." Seus problemas eram um ralo na sociedade e suas revoltas ingratas e a proliferação de organizações revolucionárias não inspiravam muita simpatia aos negros pobres.

Para muitos da Nova Esquerda, afro-americanos eram não só "o povo" mas também o setor mais revolucionário da classe operária. O ênfase da Revolução Cultural na eliminação de hierarquias e no fortalecimento dos oprimidos reforçava a ideia de que a libertação negra estava no coração da revolução americana. O próprio Mao Zedong deu crédito a essa perspectiva em sua declaração de abril de 1968 largamente publicada "Em Apoio a Luta Afro-americana contra a Repressão Violenta." A declaração foi feita durante uma manifestação em massa na China protestando o assassinato do Dr. Martin Luther King Jr., na qual Robert Williams e Vicki Garvin estavam entre os falantes. De acordo com Garvin, "milhões de manifestantes chineses" marchavam na chuva para denunciar o racismo americano. Respondendo às rebeliões desencadeadas pelo assassinato de King, Mao caracterizou essas revoltas urbanas como "um novo toque de clarim para todos os povos explorados e oprimidos dos Estados Unidos lutarem contra a liderança bárbara da classe capitalista monopolista." Ainda mais que a declaração de 1963, as palavras de Mao dotaram as revoltas urbanas de importância histórica no mundo da sublevação revolucionária. Sua declaração, assim como a lógica geral da "teoria da nova revolução democrática" de Lin Biao, justificava o apoio aos movimentos nacionalistas negros e seu direito a autodeterminação.

Estava no contexto das revoltas urbanas a convergência de várias ondas do radicalismo negro, incluindo o RAM, para dar origem em Oakland, Califórnia ao Partido dos Panteras Negras para Autodefesa. Talvez a organização negra mais visível promovendo o pensamento de Mao Zedong, provavelmente também os menos sérios sobre a leitura de escritos Marxistas, Leninistas, ou Maoístas e o desenvolvimento de uma ideologia revolucionária. Fundado por Huey Newton e Bobby Sealon, anterior membro do RAM, o Partido dos Panteras Negras foi bem além dos limites da Merritt College e recrutou o "lumpemproletariado." Muita da base engajada mais em propaganda do que qualquer outra coisa, e sua bíblia sendo O Pequeno Livro Vermelho.

Que os Panteras eram Marxistas, ao menos na retórica e no programa, era uma das fontes da disputa com a organização dos EUA de Ron Karenga e outros grupos ironicamente colocados como nacionalistas culturais. É claro, os Panteras não só tinham sua própria agenda de nacionalismo cultural, mas os então chamados nacionalistas culturais não eram nem um monólito nem eram uniformemente pró-capitalismo. As divisões entre esses grupos foram exacerbadas pela COINTELPRO. Ainda, havia uma diferença fundamental entre a ideologia socialista em desenvolvimento dos Panteras e aquela dos grupos nacionalistas negros, até mesmo na esquerda. Como explicou Bobby Seale em uma entrevista em março de 1969, "Estamos falando de socialismo. Os nacionalistas culturais dizem que o socialismo não fará nada por nós. Existe uma contradição entre o novo e velho. Negros não tem tempo de praticar racismo negro e as massas negras não odeiam brancos só por causa da cor de sua pele... Não vamos lá fora estupidamente e dizer que não há possibilidade de aliança com revolucionários brancos honestos, ou outros povos pobres e oprimidos nesse país que podem vir a ver a luz sobre o fato de que é do sistema capitalista que devem se livrar."

Huey Newton e Zhou Enlai
Como os Panteras chegaram a essa posição e as divisões no partido sobre sua postura é uma história longa e complicada que não podemos contar aqui. Para nossos propósitos, queremos nomear algumas coisas sobre a adoção do partido do pensamento de Mao Zedong e sua posição cara-a-cara a autodeterminação negra. Para Huey Newton, cuja contribuição aos rivais ideológicos do partido era aquela de Eldridge Cleaver e George Jackson, a fonte do Marxismo Pantera eram as Revoluções Chinesa e Cubana precisamente porque suas análises vieram de suas respectivas históricas e não das páginas do Capital. Os exemplos cubano e chinês, de acordo com Newton, fortaleceram os Panteras para que desenvolvessem seu próprio programa único e descartassem as percepções teóricas de Marx e Lênin que tinham pouco ou nada de aplicação a realidade negra. Claro, uma leitura rápida do "Programa de Dez Tópicos" dos Panteras revela claramente que Malcolm X continuou a ser uma de suas maiores influências ideológicas.

Eldridge Cleaver era um pouco mais explícito sobre o papel do Maoismo e o pensamento do líder comunista coreano Kim Il Sung em reformular o Marxismo-Leninismo em benefício às lutas nacionais de libertação dos povos do Terceiro Mundo. Em um panfleto de 1968 intitulado "Na Ideologia do Partido dos Panteras Negras (Parte I)," Cleaver deixa claro que os Panteras eram um partido Marxista-Leninista, mas acrescenta que Marx, Engels, Lênin e seus seguidos contemporâneos não ofereciam muita perspectiva em entender e lutar contra o racismo. A lição aqui é adotar e alterar o que é útil e rejeitar o que não é. "Com a fundação da República Democrática Popular da Coréia em 1948 e da República Democrática Popular da China em 1949," Cleaver escreveu, "algo novo foi lançado ao Marxismo-Leninismo, e este deixou de ser um fenômeno limitado, exclusivamente europeu. Camarada Kim II Sung e Camarada Mao Tsé-Tung aplicaram os princípios clássicos do Marxismo-Leninismo às condições de seus próprios países e então tornaram a ideologia algo útil para seus povos. Mas rejeitaram a parte da análise que não era benéfica a eles e só tinha a ver com a luta na Europa." Na visão de Cleaver, a crítica mais nítida da cegueira Ocidental Marxista em relação a raça veio de Frantz Fanon.

Ao verem-se como parte de um movimento de libertação nacional mundial, os Panteras também falavam da comunidade negra enquanto colônia com um direito inerente a autodeterminação. Ainda assim, diferente de muitos outros grupos Maoistas negros ou inter-raciais, eles nunca pregaram a secessão ou a criação de um estado separado. Ao invés, descrevendo negros como colonos era uma maneira de caracterizar a natureza materialista do racismo; isso é, era mais uma metáfora do que um conceito analítico. Autodeterminação era para ser entendida como controle comunitário dentro do ambiente urbano, não necessariamente o estabelecimento de uma nação negra. Em um jornal entregue na assembleia de fundação do Partido Paz e Liberdade em março de 1968, Cleaver tentou esclarecer a relação entre a revolução da unidade inter-racial nos EUA e, em suas palavras, "libertação nacional na colônia negra." Ele clamou essencialmente por uma aproximação na qual radicais negros e brancos trabalhariam juntos para criar coalizões de organizações revolucionárias e desenvolver o maquinário político e militar que poderia derrubar o capitalismo e o imperialismo. Indo mais fundo, também clamou por um plebiscito patrocinado pelas Nações Unidas que deixaria que os negros decidissem se queriam integração ou secessão. Tal plebiscito, ele argumentou, traria clareza ao povo negro na questão da autodeterminação, assim como os primeiros movimentos de independência na África tinham de decidir se queriam manter um status de domínio alterado ou alcançar a independência completa.

George Jackson
Cleaver representava uma parte do Partido dos Panteras Negras mais interessada na luta de guerrilha do que na reconstrução da sociedade ou no trabalho duro da organização de base. A atração dos Panteras por Mao, Kim II Sung, Giap, Che, e nesse caso Fanon, era baseada nos escritos sobre violência revolucionária e nas guerras populares. Muitos teóricos Panteras de estilo próprio focaram tanto no desenvolvimento de táticas para sustentar a revolução imanente que pularam boa parte dos escritos de Mao. Reconhecendo o problema, Newton pediu para retirar o partido da ênfase na luta de guerrilha e na violência para levá-lo a uma discussão mais profunda e rica da visão sobre o que o futuro poderia ocasionar. Logo após ser solto da prisão em agosto de 1970, Newton propôs a criação de um "Instituto Ideológico" onde os participantes realmente leriam e ensinariam o que era conhecido como "clássico"—Marx, Mao, e Lênin assim como Aristóteles, Platão, Plato, Rousseau, Kant, Kierkegaard, e Nietszche. Infelizmente, o Instituto Ideológico não fez muito; poucos membros do Partido viam o uso de teorias abstratas ou a relevância de alguns desses escritos para a revolução. Além disso, o fato de que Citações do Presidente Mao era lido mais ou menos como um guia para guerrilhas não ajudava muito. Até Fanon era lido mais seletivamente, com seu capítulo "Sobre a Violência" sendo o eterno favorito dos militantes. George Jackson contribuiu para a ênfase teórica dos Panteras na guerra já que muitos de seus escritos, de "Irmão Soledad" a "Sangue no Meu Olho", apoiavam-se em Mao primariamente para discutir a resistência armada ao fascismo. Esforços para ler os trabalhos de Marx, Lênin ou Mao para além dos assuntos relativos a rebelião armada nem sempre encontravam uma grande audiência entre os Panteras. Sid Lemmele, uma então ativista radical na California State University em Los Angeles, lembra ter tido contato com alguns Panteras que entraram em um grupo de estudos patrocinado pela Liga Comunista da Califórnia. A  leitura, que incluía os Quatro Ensaios sobre a Filosofia de Mao e passagens extensas de trabalhos selecionados de Lênin, acabou sendo demais e os Panteras eventualmente deixaram o grupo em meio a um debate tumultuoso.

Kathleen Cleaver,
importante mulher dirigente do BPP
Talvez a seção menos lida de Citações do Presidente Mao, ao menos pelos homens, era o capítulo de cinco páginas sobre as mulheres. Em uma época em que as metáforas para a libertação negra eram crescentemente masculinizadas e líderes do movimento negro não só ignoravam mas também perpetuavam a opressão de gênero, até o mais Marxista dos movimentos nacionalistas negros diminuía a "questão feminina." O Partido dos Panteras Negras certamente não era exceção. É claro, foi durante a reunião histórica dos Estudantes por uma Sociedade Democrática em 1969, onde os Panteras evocavam Marx, Lênin e Mao para expulsarem o Partido Trabalhista Progressista por conta de sua posição na questão nacional, que o ministro de informação Pantera Rufus Walls fez seu infame discurso sobre a necessidade de ter mulheres no movimento porque elas tinham um "pussy power." Embora a declaração de Walls fosse claramente uma paródia nacional da frase de Mao que "as mulheres da China são uma vasta reserva de força de trabalho [que]...deveria ser aproveitada na luta para construção de um grande país socialista," acabou sendo uma defesa profundamente antifeminista da participação feminina.

Enquanto a história da própria China na "questão feminina" é bem sombria, o dito de Mao de que "as mulheres sustentam metade do céu" assim como seus escritos breves sobre igualdade e a participação feminina no processo revolucionário dotaram a libertação feminina de alguma legitimidade revolucionária na esquerda. É claro, o Maoismo não fez o movimento: fato é, as lutas das mulheres dentro da Nova Esquerda desempenharam seu papel mais importante ao reformular movimentos da esquerda em direção a uma pauta feminista, ou ao menos colocar o feminismo em discussão. Mas para as mulheres negras dos Panteras que eram suspeitas de "feminismo branco," a linguagem de Mao sobre a igualdade entre gêneros abriu espaço dentro do partido para o desenvolvimento de uma pauta feminista negra insipiente. Como ministra da informação recém-nomeada, a Pantera Elaine Brown anunciou a uma conferência de imprensa logo após retornar da China em 1971 que "o Partido dos Panteras Negra reconhece a liderança progressiva dos camaradas Chineses em todas as áreas da revolução. Especificamente, apoiamos o reconhecimento correto da China do status de igualdade da mulher ao homem."

Para além da retórica, mulheres negras Panteras como Lynn French, Kathleen Cleaver, Erica Huggins, Akua Njere, e Assata Shakur (anteriormente Joanne Chesimard) tinham o costume de abrirem espaço entre as organizações existentes dominadas por homens para desafiar as múltiplas formas de exploração que as operárias negras enfrentavam diariamente. Durante os cafés da manhã e programas educacionais dos Panteras, mulheres negras desenvolviam estratégias que, em vários níveis, desafiavam o capitalismo, o racismo e o patriarcado. Em alguns casos, mulheres radicais afro-americanas ascenderam a posições de destaque e, algumas vezes por puro exemplo, contribuíam no desenvolvimento de uma perspectiva militante classista e feminista negra. As figuras mais importantes a respeito incluem Kathleen Cleaver, Erica Huggins, Elaine Brown, e Assata Shakur. Em alguns casos, a força crescente da perspectiva de esquerda negra e feminista, escorada por certos slogans Maoistas sobre a questão feminista, moldou futuras formações Maoistas negras. Um exemplo óbvio é o Partido da Vanguarda Negra, outro grupo Maoista da Baía do Leste ativo da metade ao final dos anos 70 cuja publicação "Juche!" mantinha uma consistente perspectiva socialista-feminista. Michelle Gibs (também conhecida como Michelle Russell, seu nome de casada na época) promovia uma ideologia feminista negra em Detroit enquanto apoiadora da Liga Operária Negra Revolucionária e como membro do Congresso Operário Negro. Como um bebê de fraldas vermelhas cujo pai, Ted Gibbs, havia lutado na Guerra Civil Espanhola, e que cresceu em uma casa onde Paul Robeson e a artista Elizabeth Catlett eram convidados ocasionais, a perspectiva socialista-feminista negra de Gibbs desabrochou de sua experiência política; dos escritos de autoras feministas negras; e de uma panóplia de pensadores radicais indo desde Malcolm, Fanon, e Cabral a Marx, Lênin, e Mao. Reciprocamente, a organização radical feminista predominantemente branca Redstockings não só era influenciada pelos escritos de Mao mas também modelou-se de alguma forma a partir do movimento Black Power, particularmente de suas estratégias separatistas e sua identificação com o Terceiro Mundo.

Ironicamente, a maior identificação do Partido dos Panteras Negras com a China ocorreu no momento em que o status do país entre a esquerda começou a decair. A complacência de Mao em hospedar o presidente Nixon e o apoio da China aos governos repressivos do Paquistão e do Sri Lanka deixaram muitos Maoistas nos Estados Unidos e em outros lugares desiludidos. Apesar disso, Huey Newton e Elaine Brown não só visitaram a China às vésperas da viagem de Nixon mas também anunciaram que sua entrada na política eleitoral era inspirada pela entrada da China nas Nações Unidas. Newton argumentou que a mudança dos Panteras Negras em relação às políticas reformistas eleitorais não contradizia "o objetivo da China de desbancar o imperialismo dos EUA ou [era] uma abnegação dos princípios revolucionários. Era uma tática da revolução socialista." Ainda mais incrível era o abandono completo de Newton da autodeterminação negra, que ele explicou aos termos do desenvolvimento da economia mundial. Em 1971, ele concluiu previdentemente que a globalização do capital fez da ideia da soberania nacional obsoleta, até mesmo entre os países socialistas. Então as demandas negras pela autodeterminação não era mais relevantes; a única estratégia viável era a revolução global. "Negros nos EUA têm a tarefa especial de desistir de clamar por qualquer nação agora mais do que nunca. Os EUA nunca foram nosso país; e realisticamente não há território para clamarmos. De todos os oprimidos do mundo, nós estamos na melhor posição para inspirar a revolução global."

Em muitos aspectos, a posição de Newton sobre a questão nacional estava mais perto da de Mao do que a maioria das organizações Maoistas que apareceram no começo e no final dos anos 70. Apesar de suas próprias declarações a favor dos movimentos de libertação nacional e da "teoria das revoluções democráticas" de Lin Biao, Mao não apoiava organizações independentes de linha nacionalista. Para ele, o nacionalismo negro parecia particularismo étnico/racial. Ele era, afinal, um nacionalista chinês tentando unificar camponeses e proletários e eliminar divisões étnicas em seu próprio país. Devemos retomar sua declaração de 1957 na qual ele pedia que os progressistas na China "ajudassem a unir as pessoas de várias nacionalidade...não dividí-las." Assim enquanto reconhecendo que o racismo é um produto do colonialismo e do imperialismo, sua declaração de 1968 insiste que "a contradição entre as massas negras nos Estados Unidos e a classe vigente é uma contradição de classes... As massas negras e as massas de operários brancos nos Estados Unidos têm interesses em comum e objetivos em comum para lutar por." Em outras palavras, a luta negra está destinada a fundir-se com o movimento operário e derrubar o capitalismo.

No assunto da libertação negra, de qualquer jeito, a maioria das organizações americanas Maoistas fundadas do começo ao final dos anos 70 tomaram como líder Stalin, não Mao. Negros nos Estados Unidos não eram simples operários de pele negra mas sim uma nação—ou como Stalin coloca, "uma comunidade historicamente desenvolvida e estável de linguagem, território, vida econômica, e psicologia manifestadas em uma comunidade de cultura." Os grupos anti-revisionistas que abraçaram a definição de Stalin de nação, como o Partido Trabalhista Comunista (CLF) e a Liga de Outubro, também ressuscitaram a antiga posição do Partido Comunista de que afro-americanos na região do black belt no sul constituíam uma nação e tinham o direito de se separarem se desejassem. Por outro lado, grupos como o Partido Trabalhista Progressista—uma vez pregadores do "nacionalismo revolucionário"—mudaram para uma posição de repúdio a todas formas de nacionalismo logo no início da Revolução Cultural.
O CLP era talvez o pregador mais consistente da autodeterminação negra entre os movimentos anti-revisionistas. Fundado em 1968 em grande parte por latinos e afro-americanos, as raízes do CLP podem ser encontradas no antigo Comitê de Organização Provisória (POC)—em si uma vertente do rompimento de 1956 do CPUSA que levou a criação do "Hammer and Steel" e do movimento Trabalhista Progressista. Assolado por uma década de rompimentos internos, o POC havia tornado-se uma organização predominantemente negra e porto-riquenha dividida entre Nova Iorque e Los Angeles. Em 1968, a liderança nova iorquina expulsou seus camaradas de L.A. por, entre outras coisas, se recusarem a denunciar Stalin e Mao. Em resposta, o grupo de L.A., em grande parte sob a liderança do Marxista negro veterano Nelson Peery, fundou a Liga Comunista da Califórnia naquele mesmo ano e passou a recrutar jovens negros, radicais operários chicanos e intelectuais. A casa de Peery no centro-sul de Los Angeles já havia se tornado algo de um ponto de encontro para jovens radicais negros depois da revolta de Watts; lá, ele organizava grupos informais para estudar história, economia política, e trabalhos clássicos do Marxismo-Leninismo-Maoísmo e entretinha todo tipo de ativista, incluindo Panteras Negras e estudantes ativistas da Cal State Los Angeles até a L.A. Community College. A Liga Comunista da Califórnia subsequentemente fundiu-se com um grupo de militantes do SDS chamado de Associação dos Trabalhadores Marxistas-Leninistas e formou a Liga Comunista em 1970. Dois anos depois eles mudaram seu nome novamente para Partido Trabalhista Comunista.

Exceto por, talvez, o longo ensaio de Harry Haywood "Em Direção a Uma Posição Revolucionária na Questão Negra," o curto livro de Nelson Peery "A Questão Nacional Colonial Negra" (1972) era provavelmente a defesa da autodeterminação negra mais bem lida em círculos Marxistas-Leninistas-Maoístas na época. Peery era rispidamente criticado por sua defesa do termo "Negro," uma posição difícil para manter em meio ao movimento Black Power. Mas Peery tinha um ponto: identidade nacional não significava cor. A nação Negra era uma comunidade estável, desenvolvida historicamente com sua própria cultura, língua (ou, melhor, dialeto) e território—a região do black belt e áreas ao redor, ou essencialmente, treze estados da Antiga Confederação. Porque brancos sulistas compartilhavam um território em comum com os afro-americanos, e pelas contas de Peery uma linguagem e cultura em comum, eles também eram considerados parte da "nação Negra." Mais precisamente, brancos sulistas eram compreendidos como a "minoria anglo-americana" dentro da nação Negra. Como evidenciado na soul music, no spiritual e no rock'n'roll, Peery insisitia que o que emergiu no sul era uma cultura híbrida com fortes raízes africanas manifestadas na forma de lendas de escravos e bandanas femininas. Jimi Hendrix e Sly and the Family Stone, assim como imitadores brancos como Al Jolson, Elvis Presley, e Tom Jones, eram todos citados como exemplos de uma cultura compartilhada. Peery via a cultura do "soul" embutida na vida cotidiana; por exemplo, "o costume de comer pé de porco, ossos de pescoço, ervilhas pretas, verdes, e tripas está todo associado com a região do sul, particularmente com a Nação Negra."

A colocação de Peery dos brancos sulistas como parte da Nação Negra era uma jogada de mestre, particularmente já que uma de suas intenções era desestabilizar categorias raciais. Apesar disso, por vezes seu comprometimento com a definição de Stalin de uma nação enfraquecia seu argumento. No exato momento quando a migração em massa e a urbanização esvaziavam o sul rural de sua população negra, Peery insistia que a black belt era a terra natal dos Negros. Ele até tentou provar que um campesinato negro e um proletariado rural estável ainda existiam na black belt. Pela questão agrária ser a fundação sobre a qual seu entendimento de autodeterminação havia sido construído, ele acaba dizendo muito pouco sobre a nacionalização da indústria ou sobre a produção socializada. Então ele pôde escrever em 1972 que "a questão nacional colonial negra só pode ser resolvida pelo devolvimento da terra ao povo que labutou sobre ela durante séculos. Na Nação Negra essa distribuição de terras exigirá uma combinação de fazendas estatais e sociedades cooperativas com a intenção de melhor atender às necessidades do povo sob a condição da agricultura moderna mecanizada."

O Partido Comunista (Marxista-Leninista) (CP-ML) também promovia uma versão da tese da black belt, herdada da sua encarnação anterior como a Liga de Outubro. O CP (ML) foi formado através de uma fusão entre a Liga de Outubro, baseada majoritariamente em Los Angeles, e a Liga Comunista de Geórgia em 1972. Muitos de seus membros fundadores vieram do Movimento Juvenil Revolucionário II (uma facção do SDS), e um punhado eram renegados da Velha Esquerda como Harry Haywood e Otis Hyde. A presença de Haywood no CP (ML) era significante já que ele é considerado um dos arquitetos da tese original da black belt formulada no Sétimo Congresso da Internacional Comunista em 1928. De acordo com a formulação atualizada do CP (ML), afro-americanos tinham o direito de separarem-se "para sua terra natal no sul da Black Belt." Mas adicionaram a ressalva de que o reconhecimento do seu direito a autodeterminação não significava que a secessão fosse a solução mais apropriada. Também apresentaram a ideia de que autonomia regional (ou seja, que as concentrações urbanas de afro-americanos também poderiam exercer a autodeterminação em suas próprias comunidades) e estenderam o slogan da autodeterminação aos chicanos, porto-riquenhos, asiáticos-americanos, nativos americanos, e povos indígenas das colônias dos EUA (nas Ilhas do Pacífico, Havaí, Alasca, etc.) Eram seletivos com que tipo de movimentos nacionalistas eles apoiariam, prometendo apoiar apenas o nacionalismo revolucionário e opor-se ao nacionalismo reacionário.

A União Revolucionária, uma vertente da União Revolucionária da Baía do Leste (BARU) fundada em 1969 com o apoio de ex-membros da CPUSA que haviam visitado a China, assumiu a posição de que o povo negro constituía "uma nação oprimida de um novo tipo." Porque os negros eram primariamente operários concentrados nas áreas urbanas e industriais (o que eles chamavam de "estrutura de classe deformada"), eles discutiam que a autodeterminação não deveria tomar a forma da secessão mas sim realizar-se através da luta contra a discriminação, exploração, e repressão polícia nos centros urbanos. Em 1975, quando a União Revolucionária transformou-se no Partido Comunista Revolucionário (RCP), ela continuou a abraçar a ideia de que os negros constituíam uma nação de um novo tipo, mas também passou a sustentar "o direito dos negros de retornarem e reivindicarem sua terra natal." Não surpreendentemente, essas duas frases contraditórias causaram confusão, levando então os líderes do RCP a adotarem uma posição insustentável de defesa ao direito da autodeterminação sem advogá-la. Dois anos depois, eles largaram o direito a autodeterminação de vez, e como o PLP, travaram guerra a todas as formas de nacionalismo "limitado".

Amiri Baraka
Diferente de qualquer organizações Maoistas mencionadas acima, a Liga Comunista Revolucionária (RCL)—fundada e liderada por ninguém menos que Amiri Baraka—cresceu diretamente dos movimentos nacionalistas culturais do final dos anos 60. Para entender as mudanças de posição da RCL (e de seus precursores) em respeito à libertação negra, precisamos voltar a 1966 quando Baraka fundou a Spirit House em Newark, Nova Jérsei, com a ajuda de ativistas locais e de um pessoal com quem ele havia trabalhado no Teatro de Repertório das Artes Negras de Harlem. Enquanto artistas da Spirit House estavam envolvidos na organização política local desde o início, o espancamento de Baraka e outros ativistas pela polícia durante a revolta de Newark em 1967 os politizou ainda mais. Após a revolta eles ajudaram a organizar uma conferência Black Power em Newark que atraiu alguns líderes nacionais negros, incluindo Stokely Carmichael, H. Rap Brown, Huey P. Newton dos Panteras Negras, e Imari Obadele da recentemente formada República da Nova África (parcialmente uma vertente do RAM). Pouco tempo depois, a Spirit House tornou-se a base do Comitê por uma Newark Unificada (CFUN), uma nova organização feita da "United Brothers", da Comunidade Negra de Defesa e Desenvolvimento, e da "Sisters of Black Culture". Em adição a atração de nacionalistas negros, muçulmanos, e até mesmo alguns Marxistas-Leninistas-Maoístas, CFUN carregava o marco da organização dos EUA de Ron Karenga. É claro, a CFUN adotou a versão de Karenga de nacionalismo cultural e trabalhava de perto com ele. Embora tensões surgissem entre Karenga e alguns dos ativistas de Newark por conta de seu tratamento para com as mulheres e da estrutura de liderança super centralizada importada da organização dos EUA, o movimento continuou a crescer. Em 1970, Baraka renomeou a CFUN de Congresso dos Povos Africanos (CAP), transformou-a em organização nacional, e na convenção de fundação rompeu com Karenga. Líderes do CAP criticavam rispidamente o nacionalismo cultural de Karenga e tomaram decisões que refletiam uma virada para a esquerda—incluindo uma proposta para arrecadar fundos para ajudar a construir a ferrovia Tanzânia-Zâmbia.

Alguns fatores contribuíram para a "virada" de Baraka para a esquerda durante esse período. Tinha algo a fazer com a lição dolorosa que aprendera sobre as limitações dos políticos negros "pequeno-burgueses". Depois de desempenhar um papel essencial na eleição de Kenneth Gibson, o primeiro prefeito negro de Newark, em 1970, Baraka testemunhou um aumento na repressão policial (incluindo ataques à manifestantes do CAP) e um fracasso da parte de Gibson ao cumprir o que havia prometido a comunidade afro-americana. Sentindo-se traído e desiludido, Baraka rompeu com Gibson em 1974, embora não tivesse desistido inteiramente do processo eleitoral. Seu papel na organização da primeira Assembleia Política Nacional Negra em 1972 reforçou em sua cabeça o poder da política independente negra e a força em potencial de uma frente unida negra.

Uma das fontes da "virada" de Baraka à esquerda foi o coordenador regional do CLP da Costa Leste William Watkins. Harlem nascida e criada, Watkins esteve entre o grupo de estudantes radicais negros da Cal State Los Angeles que ajudaram a fundar a Liga Comunista. Em 1974 Watkins conheceu Baraka, que procurava alguém para aperfeiçoar seu entendimento do Marxismo-Leninismo. "Nós passaríamos horas em seu escritório," Watkins lembra, "discutindo os básicos como a mais valia." Por três meses, Baraka encontrava-se regularmente com Watkins, que o ensinou o fundamental da economia política e tentou lhe expor as limitações do nacionalismo cultural. Esses encontros certamente influenciaram a virada esquerdista de Baraka, mas quando Watkins e Nelson Peery pediram a Baraka para que se juntasse ao CLP, ele recusou. Embora apreciasse o Marxismo-Leninismo-Maoísmo, ele não estava pronto para fazer parte de uma organização multiracial. A luta negra era a primeira e a principal.

É conveniente que a fonte mais importante da radicalização de Baraka tenha vindo da África. Assim como a virada à esquerda de Baraka depois de 1960 foi inspirada pela Revolução Cubana, a luta no sul da África incitou sua virada à esquerda pós-1970. O evento chave foi a criação do Comitê de Apoio à Libertação Africana em 1971, o que originou-se de um grupo de nacionalistas negros liderados por Owusu Sadaukai, o diretor da Malcolm X Liberation University em Greensboro, Carolina do Norte, que tinha viajado a Moçambique sob a égide da FRELIMO (Frente pela Libertação de Moçambique). O presidente da FRELIMO, Samora Machel (que, coincidentemente, estava na China ao mesmo tempo que Huey Newton), e outros militantes persuadiram Sadaukai e seus colegas de que o papel mais útil que afro-americanas poderiam desempenhar em apoio ao anticolonialismo era desafiar o capitalismo americano de dentro e deixar o mundo saber a verdade sobre a justa guerra contra a dominação portuguesa. Um ano depois Amilcar Cabral, o líder do movimento anticolonial na Guiné-Bissau e nas Ilhas do Cabo Verde, disse essencialmente a mesma coisa durante sua última visita aos Estados Unidos. Ademais, Cabral e Machel representavam movimentos Marxistas explicitamente; eles rejeitavam a ideia de que sociedades da África pré-colonial eram intrinsecamente democráticas e que praticavam uma forma de "comunismo primitivista" que poderia servir de base para um socialismo moderno. Ao invés; eles declaravam que sociedades africanas não estavam imunes às lutas de classe, e que o capitalismo não era a única via para o desenvolvimento.

O Comitê de Apoio a Libertação Africana refletia a orientação radical dos movimentos de libertação na África Portuguesa. 27 de maio de 1972 (o aniversário da fundação da Unidade de Organização Africana), a ALSC realizou a primeira manifestação do Dia da Libertação Africana, atraindo aproximadamente trinta mil manifestantes só em Washington, e mais estimados trinta mil no resto do país. O Comitê de Coordenação do Dia da Libertação Africana consistia em representantes de várias organizações nacionalistas e esquerdistas negras, incluindo a Organização Juvenil pela Unidade Negra (YOBU); o Partido Revolucionário do Povo Africano (AAPRP), liderado por Stokely Carmichael (Kwame Toure); a Organização Popular Pan-Africana; e o Maoista Congresso Operário Negro. Porque a ALSC juntou uma variedade tão grande de ativistas negros, tornou-se arena de debate sobre a criação de uma pauta radical negra.  Enquanto a maioria dos organizadores da ALSC eram ativamente anti-imperialistas, o número de Marxistas negros em posições de liderança acabou sendo motivo de discórdia. Além de Sadaukai, que desempenharia um papel principal na Maoísta Liga Operária Revolucionária (RWL), os principais líderes da ALSC incluíam Nelson Johnson (futuro líder do Partido Comunista Operário) e o escritor/organizador brilhante Abdul Alkalimat. Já em 1973, rompimentos ocorreram dentro da ALSC por conta do papel dos Marxistas, embora quando a poeira abaixou um ano depois, Marxistas da RWL, do BWC e do Congresso Operário Revolucionário (uma ramificação do BWC), do CAP, e da Organização Perspectiva Operária (precursora do Partido Comunista Operário) saíram vitoriosos. Infelizmente, disputas e sectarismo internos se provaram como sendo demais para a ALSC. A política externa chinesa deu o golpe final; seu apoio a UNITA durante a Guerra Civil Angolana de 1975 e a sugestão do vice primeiro-ministro Li Xiannian de que o diálogo com a África do Sul branca era melhor que a insurreição armada, colocou Maoistas da ALSC em uma posição difícil. Dentro de três anos a ALSC havia entrado em colapso completo, levando a um final infeliz o que seria talvez a mais dinâmica organização anti-imperialista da década.

Todavia, a experiência de Baraka com a ALSC alterou profundamente seu raciocínio. Como ele relembra em sua autobiografia, na época da primeira manifestação do Dia da Libertação Africana em 1972, ele estava "indo para a esquerda, eu estava lendo Nkrumah e Cabral e Mao." Dentro de dois anos eles estava chamando membros do CAP para examinar “a experiência revolucionária internacional—nomeadamente as Revoluções Russa e Chinesa—e integrá-la na prática da revolução Afrikana." Sua lista de estudos cresceu para incluir trabalhos como os Quatro Ensaios em Filosofia de Mao Zedong, as Fundações do Leninismo de Stalin e a História do Partido Comunista da União Soviética (Curta Duração). Por volta de 1976, o CAP havia dispensado todos vestígios de nacionalismo, mudado seu nome para Liga Revolucionária Comunista, e procurava reformar-se como um movimento Marxista-Leninista-Maoista multirracial. Talvez como modo de estabelecer suas amarras ideológicas enquanto movimento anti-revisionista, a RLC seguiu a tradição nobre de ressuscitar a tese da black belt. Em 1977, a organização publicou um jornal intitulado The Black Nation que analisava movimentos de libertação negra de uma perspectiva Marxista-Leninista-Maoista e concluía que negros no sul e nas cidades grandes constituíam uma nação com o direito inerente a autodeterminação. Enquanto rejeitava a "integração burguesa," o ensaio discutia que a luta pelo poder político negro era central à luta pela autodeterminação.

A RCL tentou por em prática sua visão de autodeterminação através de esforços para a construção de uma Frente Unida Negra. Organizaram coalizões contra a brutalidade policial, mobilizaram apoio aos operários grevistas de uma cafeteria e técnicos de manutenção, criaram um Comitê Popular da Educação para impedir cortes de orçamento e formular uma política educacional, e protestaram a decisão Bakke. As organizações e coalizões das raízes da RCL os colocaram em contato com a Liga do Luta Revolucionária (LRS), um movimento baseado na Califórnia formado da fusão entre I Wor Kuen, a organização Maoista chinesa-americana, e o predominantemente chicano Movimento 29 de Agosto (Marxista-Leninista). EM 1979, a RCL e a LRS decidiram unir-se, e umas das fundações de seu programa conjunto era o apoio a tese da black belt. Como resultado da fusão e dos debates precedentes, a posição da RCL mudou minimamente: o povo negro sulista e os chicanos do sudoeste constituíam as nações oprimidas com direito a autodeterminação. Por contraste, para os negros trancados em guetos do norte a luta por direitos iguais obviamente prevalecia sobre a questão agrária.

Invariavelmente a fusão teve vida curta, em parte por conta de desacordos sobre o assunto da autodeterminação e a presença contínua do que membros da LRS chamavam de "nacionalismo limitado" na RCL. A presidente da LRS Carmen Chang nunca foi confortável com a tese da nação negra mas tinha aceitado a posição pela unidade. O grupo de Baraka, por outro lado, nunca havia abandonado a unidade negra pela luta de classes multirracial. E como um artista de raízes fundas no movimento das Artes Negras, Baraka persistentemente colocava suas visões culturais e políticas nas contradições da vida negra sob o capitalismo, imperialismo e racismo. Para Baraka, assim como para muitos dos personagens discutidos nesse ensaio, não era um simples caso de nacionalismo limitado. Pelo contrário, entender o lugar da opressão racista e da revolução negra dentro do contexto capitalista e imperialista era fundamental ao futuro da humanidade. Na tradição de Du Bois, Fanon e Harold Cruse, Baraka insistia que o proletariado negro (antes colonial) era a vanguarda da revolução mundial, "não por conta de algum charlatanismo místico mas por conta do nosso lugar na história objetiva... Somos a vanguarda porque estamos no fundo, e quando nos levantarmos para ficarmos de pé tudo que estiver sobre nós desabará."

Ademais, apesar da imersão de Baraka na literatura Marxista-Leninista-Maoista, seu próprio trabalho cultural sugere que ele sabia, assim como a maioria dos radicais negros, que a questão do povo negro constituir uma nação ou não não seria resolvida através da leitura de Lênin ou Stálin ou da ressurreição de M. N. Roy. Se a questão um dia poderia ser resolvida, para melhor ou para pior, seria no terreno da cultura. Enquanto o movimento das Artes Negras era o veículo primário para a revolução cultural negra nos Estados Unidos, é difícil imaginar com o que a revolução se pareceria sem a China. Radicais negros se aproveitaram da Grande Revolução Proletária e a reformularam à sua própria imagem.


A Grande Revolução Cultural (Negra) Proletária

Menos de um ano na Revolução Cultural, Robert Williams publicou um artigo no Crusader intitulado "Reconstituir a Arte Afro-americana para Reformar as Almas Negras." Enquanto a chamada de Mao para uma revolução cultural significava livrar-se dos vestígios (culturais entre outros) da velha ordem, Williams—não diferente de outros membros do movimento das Artes Negras nos Estados Unidos—falava de livrar a cultura negra de uma "mentalidade escrava." Embora adotando um pouco da linguagem do manifesto do CCP (a "Decisão do Comitê Central do Partido Comunista Chinês em Relação à Grande Revolução Cultural Proletária", publicada em 12 de agosto de 1966, no Peking Review), o ensaio de Williams procurava construir sobre a ideia não sobre a ideologia da Revolução Cultural. Como Mao, ele chamou os artistas negros para abandonar os grilhões das antigas tradições e fazer arte apenas a serviço da revolução. "O artista afro-americano deve fazer um esforço resoluto e consciente para reconstituir nossa forma artística e reformular a nova alma negra orgulhosa e revolucionária... Deve criar uma nova teoria e direção e preparar nosso povo para uma luta mais amarga, sangrenta e demorada contra a tirania racista e a exploração. A arte negra deve atender aos melhores interesses do povo negro. Deve tornar-se uma arma poderosa no arsenal da Revolução Negra." Os líderes do RAM concordaram. Um documento interno do RAM circulou em 1967, intitulado "Algumas Questões Sobre o Período Presente," clamando por uma revolução cultural negra em larga escala nos Estados Unidos cujo propósito seria "destruir os hábitos, atitudes, maneiras, costumes, filosofias, hábitos, etc. opressivos condicionados pelos brancos, que o opressor nos ensinou e treinou para ter. Isso significa em grande escala uma nova cultura revolucionária." Também significava um fim aos cabelos processados, clareamentos de pele, e outros símbolos do "papagueamento" da cultura dominante. É claro, a revolução tinha como alvo não apenas os negros burgueses assimilados mas também barbeiros e esteticistas.

A promoção consciente da arte como arma da libertação negra não é nada nova—pode ser encontrada ao menos na esquerda da Renascença de Harlem, se não anteriormente. E o movimento das Artes Negras nos Estados Unidos, sem mencionar praticamente todos os outros movimentos de libertação nacional contemporâneos, levava essa ideia muito a sério. Fanon o diz no "Os Condenados da Terra," tradução em inglês do que estava pegando fogo durante a época. Ainda, a Revolução Cultural na China assomava grande. Afinal, muitos se não a maioria dos nacionalistas negros eram familiares com a China e haviam lido Mao, e mesmo se não reconhecessem ou tornassem explícitas as influências de ideias Maoistas na necessidade da arte revolucionária ou na natureza prolongada da revolução cultural, as comparações são todavia impressionantes. Considere o manifesto de 1968 "Nacionalismo Cultural Negro" de Maulana (Ron) Karenga. Publicado primeiro na Negro Digest, o ensaio derivou muitas de seus ideias do "Conversas no Fórum Yenan sobre Literatura e Arte" de Mao. Como Mao, Karenga insistia que toda arte deveria ser julgadas por dois critérios—"artístico" e "social" ("político"); que toda arte revolucionária deve ser para as massas; e que, nas palavras de Karenga, a arte "deve ser funcional, isto é útil, como não podemos aceitar a doutrina falsa da 'arte pela arte'." Podemos definitivamente ver a influência do Maoismo nos esforços de Karenga para criar uma cultura revolucionária alternativa. È claro, os sete princípios da unidade Kwanzaa (o feriado afro-americano que Karenga inventou e celebrou pela primeira vez em 1967), autodeterminação, trabalho coletivo e responsabilidade, economia coletiva (socialismo), criatividade, propósito e até mesmo fé—são quase tão harmônicos com as ideias de Mao quanto com a cultura "tradicional" africana. E não é coincidência, talvez, que ao menos um dos princípios, Ujamaa, ou "economia cooperativa," era a base da famosa Declaração de Arusha de 1964 da Tanzânia sob o presidente Julius Nyerere—sendo a Tanzânia a primeira e mais importante aliada da China na África.
John Oliver Killens

Embora a dívida de Karenga com Mao passasse despercebida, O PLP tomou conhecimento. O jornal do PLP, Challenge, publicou um artigo mordaz que atacava o movimento inteiro das Artes Negras e seus teóricos. Intitulado "a Agitação [LeRoi] Jones-Karenga: "Rebeldes" Culturais Nos Enganam," o artigo caracterizava Karenga como um "pseudo-intelectual" que "havia lido inteiramente as Conversas sobre Literatura e Arte de Mao". Na verdade ele pode citar esse trabalho como se tivesse o escrito. O que ele fez com esse clássico Marxista foi tirar seu espírito—a luta de classes—e substituir por luta nenhuma. Em adição ele coloca 'arte' sobre política e FAZ DA ARTE A REVOLUÇÃO." "'Nacionalismo cultural:" o artigo continuava, "não só é idolatrar os aspectos mais reacionários da história africana. Vai tão longe quanto medir o comprometimento revolucionário de alguém pelas roupas que veste! Isso é parte da "consciência Negra.'"

Claro, a revolução tornou-se um tipo de arte, ou mais precisamente, um estilo distinto. Se eram afros ou dashikis ou jaquetas de couros e bandanas, a maioria dos revolucionários negros nos Estados Unidos desenvolveu seu próprio critério estético. No mundo editorial, O Pequeno Livro Vermelho de Mao causou um tremendo impacto nos estilos literários dos círculos radicais negros. A ideia de que um livro de bolso de citações enérgicas e aforismos pudesse conter uma variedade de assuntos, desde comportamento ético, pensamento e prática revolucionária, desenvolvimento econômico, filosofia, etc., era atraente para muitos ativistas negros, independentemente de alianças políticas. O Pequeno Livro Vermelho incitou uma indústria artesanal de livros miniatura de citações expressadamente para militantes negros. O Livro Negro, editado por Earl Ofari Hutchison (com ajuda de Judy Davis), é um dos casos. Publicado pelo Projeto de Educação Radical (por volta de 1970), O Livro Negro é uma compilação de citações breves de W. E. B. Du Bois, Malcolm X, e Frantz Fanon que refere-se a uma variedade de assuntos relacionadas a revolução doméstica e mundial. A semelhança às Citações do Presidente Mao é impressionante: títulos de capítulos incluem: "Cultura e Arte Negra," "Política," "Imperialismo," "Socialismo," "Capitalismo," "Juventude," "O Terceiro Mundo," "África," "Sobre a América," e "Unidade Negra." A introdução de Earl Ofari Hutchison’s coloca a luta negra num contexto global e clama pelas éticas revolucionárias e "unificação tanto espiritual quanto física do Terceiro Mundo." "A verdadeira negritude," ele adiciona "é um estilo de vida coletivo, uma série coletiva de valores e uma perspectiva de mundo comum" que cresce de experiências distintas no Ocidente.  O Livro Negro não foi escrito em defesa ao nacionalismo negro contra a invasão do Maoismo. Pelo contrário, Earl Ofari Hutchison encerra dizendo "lutadores da liberdade de todos os lugares, continuem a ler seu livro vermelho, mas coloquem ao lado dele o LIVRO NEGRO revolucionário. Para vencer a batalha a seguir, ambos são necessários."

Outro texto popular em tradição era o Axiomas de Kwame Nkrumah: Edição Lutadores da Liberdade. Encadernado em couro negro e com letras douradas, o texto é aberto com uma linha de rosto destacando a importância da vontade revolucionária: "O segredo da vida é não ter medo." E com exceção do seu foco africano, os capítulos são praticamente indistinguíveis do Livro Vermelho. Tópicos incluem "Revolução Africana," "Exército," "Poder Negro," "Capitalismo," "Imperialismo," "Militância Popular," "O Povo," "Propaganda," "Socialismo," e "Mulheres." Muitas das citações são ou vagas ou fracassam ao transcender a propaganda óbvia ("A mais enganadora besteira intelectual inventada pelo homem foi a da superioridade ou inferioridade racial," ou "Um revolucionário só fracassa quando se rende"). Mais importantemente, muitas das passagens de Nkrumah poderiam ter vindo direto da caneta de Mao, particularmente as citações lidando com a necessidade da mobilização popular, a relação dialética entre pensamento e ação, e assuntos relacionados a guerra e paz e imperialismo.

Na questão da cultura, a maioria dos grupos Maoistas e anti-revisionistas nos Estados Unidos estavam menos preocupados com criarem uma nova cultura revolucionária do que com destruir os vestígios da antiga ou atacar o que eles consideravam uma cultura retrógrada, comercial burguesa. A respeito disso, estavam a par com a Grande Revolução Cultural Proletária. Em uma crítica fascinante do filme Superfly publicada no jornal do CP (ML) The Call, o escritor aproveita a oportunidade para criticar a contracultura tanto quanto o papel dos capitalistas na promoção do uso das drogas na comunidade negra. "Olhando ao redor todas as pessoas tendo overdose de drogas, sendo mortas em tiroteios entre si, e colocando-se em acidentais industrias enquanto "altos" no trabalho, é claro que a droga é uma assassina tão grande quanto qualquer policial armado." Por que um filme comercializado para negros glorificaria a cultura da droga? Porque "os imperialistas sabem a verdade—se está viciado em droga, não terá tempo pra pensar sobre revolução—está muito ocupado se preocupando com de onde virá a próxima dose!" A crítica também incluía um pouco de história chinesa: "Os ingleses fizeram tudo que pudiam para viciarem os chineses [em ópio]. Era comum aos operários receberam parte do salário em ópio, transformando-os em viciados ainda mais rápido. Foi só a revolução que se livrou da causa dessa miséria. Pegando seu país de volta, e transformando sua sociedade em uma que realmente servia ao povo, não havia mais necessidade de escapatória pelas drogas."

Ataques Maoistas não eram limitados aos aspectos mais reacionários da cultura de massa comercial. O movimento das Artes Negras—um movimento que, ironicamente, incluía figuras muito inspiradas pelos desenvolvimentos na China e em Cuba—estava sob a análise minuciosa da Esquerda anti-revisionista. Grupos como o PLP e o CP(ML), apesar de seus muitos desacordos sobre a questão nacional, concordavam que o movimento das Artes Negras e sua atração à cultura africana eram mal formados, se não diretamente contrarrevolucionários. O PLP referia-se aos nacionalistas culturais negros como empresários pequeno-burgueses que vendiam os aspectos mais retrógrados da cultura africana às massas e "exploravam as mulheres negras em nome da 'cultura africana' e da 'revolução'." O mesmo editoral do PLP castigava o movimento das Artes Negras por "ensinar sobre reis e rainhas africanos, 'impérios' africanos. Não existe aproximamento de classes—sem aviso prévio de que esses reis, etc., estavam oprimindo as massas africanas." Da mesma maneira, um editoral na The Call em 1973 criticava mordazmente o movimento das Artes Negras por "deslegitimar as aspirações nacionais genuínas dos negros nos EUA e substituir a contracultura africana pela luta anti-imperialista."

Enquanto esses ataques geralmente não eram justos, particularmente da maneira que colocavam juntos uma variedade enorme de artistas, um punhado de artistas negros que haviam chegado a conclusões similares sobre a direção do movimento das Artes Negras. Para o romancista John Oliver Killens, a Revolução Cultural Chinesa oferecia um modelo de transformação do nacionalismo cultural negro em força revolucionária. Como resultado de suas viagens a China durante o ínicio dos anos 70, Killens publicou um ensaio importante na The Black World (reeditado mais tarde pela Associação Popular de Amizade EUA-China como um panfleto intitulado Homem Negro na Nova China) enaltecendo a Revolução Cultural por ser, em sua visão, um sucesso deslumbrante. Na verdade, ele foi ostensivamente a China para descobrir por quê sua revolução havia prosperado "enquanto nossa própria revolução cultural negra, tão desabrochada durante os anos sessenta, parece estar morrendo no pé." Na época em que Killens estava pronto para retornar aos Estados Unidos, ele chegou a algumas conclusões em relação às limitações da revolução cultural negra e a força do modelo Maoista. Primeiro, ele reconheceu que todas revoluções prósperas devem ser permanentes-contínuas e prolongadas. Segundo, ativismo cultural e ativismo político não são duas estratégias diferentes para a libertação mas sim dois lados da mesma moeda. Terceiro, um movimento revolucionário deve ser independente; deve criar instituições culturais auto-sustentáveis. É claro, a maioria dos radicais nacionalistas no movimento de Artes Negras descobriu a maior parte disso independentemente e o artigo de Killens apenas reforçava as lições. De qualquer jeito, a China ensinou a Killens uma outra lição que poucos homens no movimento se davam conta na época: "As mulheres sustentam uma das metades do mundo." "Em algumas facções muito vitais e militantes da revolução cultural negra, as mulheres eram requeridas para 'sentarem no fundo no ônibus.' ... Isso é um pensamento retrógrado e divisivo. Muitas mulheres se levantaram com seus próprios pés e foram para o Libertação Feminina. E alguns dos irmãos pareciam chateados e surpresos. Nós os fizemos ficar assim."

O outro grande crítico negro do movimento das Artes Negras que acabou abraçando o Maoismo foi Amiri Baraka, ele mesmo uma figura principal na revolução cultural negra e alvo precoce do abuso Maoísta. Como fundador e líder do CAP e mais tarde da RCL, Baraka oferecia mais que uma crítica; ao invés, ele construiu um movimento que pretendia sintetizar as inovações estilísticas e estéticas do movimento das Artes Negras com o pensamento e a prática do Marxismo-Leninismo-Maoismo. Assim como sua odisseia do mundo dos Beats ao mundo de Bandung oferecia visão do impacto de Mao no radicalismo negro nos Estados Unidos, sua transição de nacionalista cultural a comunista comprometido também. Mais do que qualquer outro Maoista ou anti-revisionista, Baraka e a RCL sintetizavam o esforço mais consciente e duradouro de trazer a Grande Revolução Cultural Proletária para as cidades do interior da América e transformá-la de uma maneira que pudesse conversar com a classe operária negra.
Tendo saído do movimento das Artes Negras em Harlem e da Spirit House em Newark, Baraka era acima de tudo um profissional da cultura. Como ele e o Congresso dos Povos Africanos haviam mudado do nacionalismo cultural ao Marxismo, essa profunda mudança ideológica manifestou-se através da mudança de práticas culturais. Tratando o "nacionalismo cultural primitivista pequeno-burguês negro" como não-científico e metafísico, ele avisou seus camaradas contra "o viés cultural que pode nos fazer pensar que podemos voltar à Afrika pré-escravocrata, e o romance do feudalismo." Ademais, o CAP mudou o nome de sua publicação de Newark Negra para Unidade e Luta para refletir sua transição de uma perspectiva nacionalista cultural para um entendimento mais fundo dos "requerimentos dialéticos da revolução." A Spirit House Movers (a trupe de trato do CAP) era agora chamada de Afrikan Revolutionary Movers (ARM), e um grupo de profissionais da cultura associado a Spirit House formou um grupo de cantores chamado Cantores Anti-Imperialistas (Anti-Imperialist Singers). Eles abandonaram as vestes africanas assim como "as práticas charlatãs masculinas que eram tidas como parte do "tradicionalismo africano" tal como a separação da educação política de homens e mulheres." E o feriado oficial do CAP, conhecido como "Leo Baraka" pelo aniversário de Baraka, tornou-se um dia devotado inteiramente ao estudo do pensamento Marxista-Leninista-Maoísta, à "questão feminina," e aos problemas de desenvolvimento do núcleo.

Em 1976, o ano que o CAP emergiu como a Liga Comunista Revolucionária, Baraka havia percorrido um longo caminho desde sua aliança com Ron Karenga. Em um poema intitulado "Hoje," publicado em um pequeno livro de poesias chamado Fatos Concretos (Hard Facts -1976), a posição de Baraka quanto ao nacionalismo cultural face-a-face a luta de classes é inequívoca:

Fraudes em pele de leopardo, traficantes de turbante
c/ explorações de cor de pele, capitalistas de cor, negros
exploradores, jogadores da Embaixada Americana
que espreitam nas embaixadas afrikanas lutando por
passagens de avião, coquetéis de guerrilhas, cuja
única conexão c/ um partido é a estilo
Frankie Crocker.
Onde estão os irmãos e irmãs da revolução?
Onde está a mobilização das massas liderada
pelo setor avançado da classe operária?
Onde está a unidade-crítica-unidade. A autocrítica
& a crítica? Onde estão o trabalho e o estudo. A
clareza ideológica? Por que só poses &
posturas & não-teorias unilaterais subjetivas
descrevendo só seu Negro educado
pequeno-burguês dizendo que poderá lhe dar
uma palestra, 'sabichão', mas não irá
sozinho fazer a revolução.

Baraka tentou colocar esse manifesto em prática através do trabalho cultural intenso baseado nas comunidades. Um dos processos mais bem sucedidos da RCL foi a União Cultural Anti-Imperialista (AICU), uma organização operária cultural multinacional baseada em Nova Iorque fundada no final dos anos 70. Em novembro de 1978, a AICU patrocinou o Festival da Cultura Popular, o que atraiu algumas quinhentas pessoas para escutar poesia lida por Askia Toure, Miguel Algarin, e Sylvia Jones juntamente a algumas performances musicais de um grupo criado pela RCL chamado Conjunto Proletário (Proletarian Ensemble). Através de grupos como o Conjunto Proletário e a Vanguarda Operária (Advanced Workers – outro grupo musical formada pela RCL), a RCL espalhava sua mensagem de revolução proletária e autodeterminação negra e sua crítica ao capitalismo para grupos comunitários e crianças estudantes pela Newark negra, Nova Iorque e outras cidades da costa Oriental.

Destacamento de mulheres:
Exemplo de arte revolucionária.
O teatro parecia ser a maior via de Baraka para a Revolução Cultural Proletária Negra. Entre os muitos projetos da AICU, a Oficina de Teatro Yenan claramente projetava a visão de Mao sobre a arte revolucionária. O Yenan Theater produzia um número de suas peças, incluindo uma performance memorável de Qual Era a Relação do Cavaleiro Solitário com os Meios de Produção? Em 1975-76, Baraka escreveu duas peças novas, Movimento da História e S-1, que talvez representava a mais clara expressão de sua mudança. Como ele colocou, "do radicalismo pequeno-burguês (e o seu ponto mais baixo do nacionalismo cultural burguês) para finalmente a compreensão da ciência da revolução, o pensamento Marxista-Leninista-Maoísta." "Motion of History" é uma longa peça épica que trata de quase tudo na terra—incluindo escravidão e revoltas escravas, capitalismo industrial, direitos civis e o Black Power, imigração irlandesa e racismo branco. E praticamente todo revolucionário ou reformista que tem algo a ver com a luta pela liberdade negra aparece na peça, incluindo John Brown, H. Rap Brown, Lênin, Karenga, Harriet Tubman, Denmark Vesey, e Nat Turner. Através de cenas de operários discutindo política no chão da fábrica ou em grupos de estudo Marxistas, a audiência aprende sobre a história da escravidão, a ascensão do capitalismo industrial, o imperialismo, a mais valia, a superprodução relativa, e a brutalidade racista do dia-a-dia a qual afro-americanos e latinos estão submetidos. No espírito da literatura proletária, "Motion of History" encerra com uma nota otimista em uma reunião empolgante na qual os presentes prometem seu comprometimento a construção de um partido operário revolucionário multirracial, multiétnico e baseado no pensamento Marxista-Leninista-Maoista. S-1 compartilha de muitas similaridades com "Motion of History", embora seu foco seja primariamente o que Baraka e a RCL viam como a ascensão do fascismo nos Estados Unidos. Uma peça sobre um grupo Marxista-Leninista-Maoista lutando contra uma legislação anti-rebelião, Baraka a escreveu como resposta ao "Ato de Revisão e Reforma da Codificação da Justiça Criminal" do Senador Bill, conhecido como S-1, que permitiria ao estado adotar medidas extremamente repressivas para combater movimentos radicais. O S-1 deu a polícia e ao FBI maior liberdade para procurar e se apropriar de materiais de grupos radicais, assim como permissão para grampear suspeitos por quarenta e oito horas sem aprovação da corte. O ato também propôs execuções mandatórias para determinados crimes, e revivia o Ato Smith sujeitando qualquer grupo ou pessoa advogando a "destruição do governo" a uma sentença de quinze anos e multas para mais de 100.000 dólares. O aspecto mais notório do ato era a provisão "Liderando uma Revolta", que permitia a corte sentenciar a prisão de uma multa de cem mil dólares para qualquer um promovendo a assembleia de cinco pessoas com a intenção de causar "dano grave a Propriedade."

Não sabemos como ativistas e operários responderam às peças de Baraka durante o período ultra-radical da AICU e da RCL, e a maioria dos críticos culturais age como se esses trabalhos não fossem dignos de comentário. Não importando o que alguém pensa sobre esses trabalhos, enquanto arte, propaganda, ou os dois, é remarcável pensar que no final dos anos 70 um punhado de crianças do interior de Newark pudesse assistir performances que advogavam a revolução na América e tentavam expor a ganância do capitalismo. E tudo isso acontecia em meio a tão chamada de geração do "eu", quando alegadamente não havia esquerda radical para se falar de. (É claro, a eleição de Reagan em 1980 é citada como a evidência da falta de desafio político esquerdista assim como a razão para a curta ressurreição dos partidos Marxistas nos Estados Unidos entre 1980 e 1985.)


Adeus Mao, a Festa acabou?

Dependendo de onde alguém se posiciona politicamente, e com quem, pode-se facilmente concluir que o Maoismo americano morreu quando Mao faleceu em 1976. Na China isso soa verdadeiro; a aniquilação da viúva de Mao Jian Quing e o resto da Gangue dos Quatro e a rápida ascensão de Deng Xiaoping sugere que o Maoismo não tem a menor chance de voltar. E enquanto alguns manifestantes na Praça Tiananmen no meio dos anos 80 viam-se na tradição de radicais estudantes da Revolução Cultural, a vasta maioria não—nem invocava o nome de Mao a serviço de seu próprio movimento democrático (alguns dizem burguês).

Mas dizer que o Maoismo de alguma forma morreu no pé é relatar com exagero o caso. Organizações Maoistas ainda existem nos Estados Unidos, e algumas são muito ativas na cena política. O movimento Maoista Internacional mantem um site, assim como o PLP (embora mal possam ser chamados de "Maoistas" atualmente), e o RCP é mais onipresente que nunca. É claro, existem algumas evidências para sugerir que o RCP desempenhou um papel ajudando a esboçar o manifesto pós-LA de rebelião Blood and Crips, "Dê-nos o Martelo e os Pregos e Nós Reconstruiremos a Cidade." O antigo CLP, agora chamado Liga dos Revolucionários, tem uma continuidade forte em Chicago assim como alguns radicais incrivelmente talentosos, incluindo General Baker e Abdul Alkalimat. Mais importantemente, mesmo se reconhecermos que o número de ativistas reduziu substancialmente desde a metade da década de 70, os indivíduos que ficaram nesses movimentos permaneceram comprometidos com a libertação negra, mesmo se suas estratégias e táticas se provaram insensíveis ou mal-encaminhadas. Qualquer um que sabe um pouco de política sabe que a campanha presidencial de Jesse Jackson em 1984 foi invadida por um arco-íris de coalizões Maoistas, ou que uma variedade de organizações Maoistas foram representadas no Partido Político Independente Nacional Negro. Em outras palavras, agora que tantos liberais americanos estão se juntando a reação contrária contra o povo negro pobre e a ação afirmativa, seja pela participação ativa ou silêncio, alguns desses revolucionários auto-proclamados ainda querem "mover montanhas" a serviço do povo negro. O exemplo mais trágico e heroico disso vem de Greensboro, Carolina do Norte, onde cinco membros do Partido Operário Comunista (anteriormente a Organização Perspectiva Operária) foram assassinados por membros do Klan e por nazis durante uma manifestação anti-Klan dia 3 de novembro de 1979.

Permanece o fato, de qualquer jeito, de que o apogeu do Maoismo passou. As razões são variadas, tendo a ver com o declínio geral do radicalismo negro, a natureza autodestrutiva das políticas sectárias, e as decisões desastrosas da China quanto a política externa cara-a-cara a África e o Terceiro Mundo. Apesar disso, a maioria dos Maoistas negros autoproclamados da história—ao menos os mais honestos—provavelmente devem sua maior dívida intelectual a Du Bois, Fanon, Malcolm X, Che Guevara, e Harold Cruse, sem mencionar Stálin e Lênin. Mas Mao Zedong e a Revolução Chinesa deixaram uma marca permanente na política radical negra—uma marca importante cujo impacto apenas começamos a explorar nesse artigo. Em um momento em que um grupo de países não-alinhados procurava desafiar os binários políticos criados pela política da guerra fria, quando nacionalistas africanos tentavam planejar um futuro pós-colonial, quando Fidel Castro e um punhado de militantes exaustos fizeram o impossível, quando lanchonetes sulistas e guetos do norte tornaram-se teatros da nova revolução, ali esteve a China—a mais poderosa nação de cor da terra.

A China de Mao, junto a Revolução Cubana e o nacionalismo africano, internacionalizaram a revolução negra de maneira profunda. Mao deu aos radicais negro um modelo não-Ocidental do Marxismo que dava mais ênfase às condições locais e circunstâncias histórias do que a textos canônicos. O Grande Passo Para Frente da China desafiou a ideia de que a marcha para o socialismo deveria acontecer em estágios, ou que deve-se esperar pacientemente por condições próprias objetivas para mover-se em frente. Para muitos radicais jovens estudados em democracia social e/ou política antirracista, a "conscientização" no estilo Maoista de crítica e autocrítica era uma alternativa poderosa a democracia burguesa. Mas conscientização era mais que trabalho propagandista; era trabalho intelectual no contexto da prática revolucionária. "Todo conhecimento genuíno se origina da experiência direta," disse Mao em seu ensaio amplamente lido "Sobre a Prática" (1937). Essa ideia de conhecimento derivando dialeticamente da prática a teoria dotou de poder os radicais para questionarem a perícia dos sociólogos, psicólogos, economistas, etc., cujos grandes pronunciamentos sobre as causas da pobreza e do racismo passavam incontestáveis. Então numa época de tecnocratas liberais, Maoistas—de círculos radicais negros ao movimento de libertação feminina—procuravam derrubar as noções políticas de perícia. Eles desenvolveram análises, se engajaram em discussões, e publicaram revistas, jornais, documento de posição, panfletos e até livros. E enquanto raramente concordavam um com o outro, viam-se como produtores de um conhecimento novo. Acreditavam, como colocou Mao, que "essas ideias transformam-se em uma força material que muda a sociedade e o mundo."

Ideias sozinhas não mudam o mundo, todavia; as pessoas mudam. E ter a disposição e a energia para mudar o mundo requer mais do que a análise correta e o engajamento direto com as massas: ao invés, requer fé e vontade. Nisso Maoistas têm muito em comum com algumas tradições bíblicas bem antigas. Afinal, se o pequeno David pode derrubar Golias com apenas uma bala, certamente uma "única faísca pode incendiar toda a pradaria."

- Enaemaehkiw Túpac Keshena. Traduzido por Thayná de Paula.