“Essa é a era de Mao
Tsé-Tung, a era da revolução global e a luta afro-americana por libertação é
parte de um movimento universal invencível. O presidente Mao foi o primeiro
líder mundial a elevar a luta do nosso povo ao nível da revolução mundial.”
— Robert Williams, 1967
Parece
que o presidente, ao menos enquanto símbolo, tem desfrutado de uma popularidade
ressurgente entre os jovens. A imagem e as ideias de Mao Zedong aparecem
constantemente em um miríade de contextos político-culturais. Por exemplo, The
Coup, um grupo popular de hip-hop da área da Baía de São Francisco, restaurou
Mao ao panteão dos herois radicais negros e, o fazendo, colocou a luta pela
liberdade negra em um contexto internacional. Em uma música chamada “Dig It”
(1993), The Coup refere-se aos seus membros como "Os Condenados da
Terra"; diz aos ouvintes para que leiam O Manifesto Comunista; e evocam
ídolos revolucionários como Mao Zedong, Ho Chi Minh, Kwame Nkrumah, H. Rap
Brown, o movimento Mau Mau do Quênia, e Geronimo Ji Jaga Pratt. À maneira
maoista clássica, The Coup se aproveita da frase mais famosa de Mao e se
apropria dela: " Nós percebemos que o poder é niquelado.” Embora os
membros do The Coup não fossem nascidos até após o apogeu do maoismo negro,
“Dig It” captura o espírito de Mao em relação ao mundo-a-mundo colonial que
incluía os afro-americanos. Em Harlem durante o final dos anos 60 e começo dos
70, parecia que todos possuíam uma cópia de Citações do Presidente Mao
Tsé-Tung, mais conhecido como "O
Livro Vermelho". Periodicamente simpatizantes do Partido dos Panteras
Negras eram vistos vendendo O Livro Vermelho nas esquinas para o levantamento de fundos para o partido. E não
era inédito ver um jovem radical negro caminhando pela rua vestido como um
camponês chinês-exceto pelo Afro e pelos óculos de sol, é claro.
Como a
África, a China estava em movimento e havia um sentimento geral de que os
chineses apoiavam a luta pela liberdade negra; claro, negros reais clamavam
pela revolução no nome de Mao tanto quanto no nome de Marx e Lênin. Incontáveis
radicais negros da época prezavam pela China, nem por Cuba ou Gana ou até mesmo
Paris, como a terra onde a verdadeira liberdade poderia ser obtida. Não era
perfeita, mas era melhor do que viver na barriga da besta. Quando a líder dos Panteras
Negras Elaine Brown visitou Beijing no outono de 1970, ficou agradavelmente
surpresa com o que a Revolução Chinesa havia conseguido em termos de melhorar a
qualidade de vida: “Velhos e jovens davam depoimentos afetivos, como
convertidos num batismo, às glórias do socialismo.” Um ano depois ela retornou
com o fundador dos Panteras Huey Newton, cuja experiência na China ele
descreveu como "uma sensação de liberdade—como se um grande peso tivesse
sido levantado da minha alma e eu pudesse ser eu mesmo, sem defensa ou
pretensão ou necessidade de explicação. Eu me senti absolutamente livre pela
primeira vez na minha vida-completamente livre entre meus homens.”
W.E.B. Du Bois e Mao |
Mais
de uma década antes de Brown e Newton pisarem em solo chinês, W. E. B. Du Bois
se referiu à China como o outro gigante adormecido preparado para liderar as
raças de cor na luta mundial contra o imperialismo. Sua primeira viagem à China
foi em 1936—antes da guerra e da revolução—durante uma viagem estendida à União
Soviética. Retornando em 1959, quando era ilegal viajar para a China China, Du
Bois descobriu um novo país. Ele foi atingido pela transformação dos chineses,
em particular em relação à emancipação feminina, e foi embora convencido de que
a China lideraria as nações subdesenvolvidas no caminho para o socialismo. ”A
China após longos séculos,” ele disse à uma audiência de chineses comunistas
atendendo à celebração do seu 91º aniversário, “ergueu-se em seus pés e saltou
para frente. África levante-se, fique em pé, pense e fale! Aja! Vire-se para o
Ocidente e sua escravidão e humilhação pelos últimos 500 anos e encare o sol
nascente.”
Como
radicais negros vieram a ver a China como o farol da revolução do Terceiro
Mundo e o pensamento de Mao Zedong como guia é uma complicada e fascinante história
envolvendo literalmente dezenas de organizações e cobrindo boa parte do
mundo—dos guetos norte-americanos ao interior africano. Então, o texto a seguir
não pretende ser compreensivo; ao invés, organizamos este artigo para explorar
o impacto do pensamento maoista e, mais geralmente, da República Popular da
China nos movimentos negros radicais desde os anos 50 até pelo menos a metade
dos anos 70. Além disso, nosso propósito é explorar como o nacionalismo radical
negro formulou discussões dentro do maoismo das organizações
"anti-revisionistas" nos Estados Unidos. É nossa contenção que a
China ofereceu aos radicais negros um modelo de Terceiro Mundo "de
cor" ou um modelo Marxista que os permitiu desafiarem uma visão branca e
Ocidental da luta de classes—um modelo que moldaram e reformularam para
adaptarem às suas realidades políticas. Embora o papel da China tenha sido
contraditório e problemático em muitos aspectos, o fato de que camponeses
chineses, à frente do proletariado europeu, fizeram uma revolução socialista e
cravaram uma posição na política mundial distinta da soviética e da americana
dotou os radicais negros de um senso mais profundo de importância revolucionária e poder.
Finalmente, não só Mao provou aos negros pelo mundo que eles não precisavam
esperar "condições objetivas" para uma revolução, mas sua exaltação
da luta cultural também formulou profundamente discussões sobre a arte e
política negra.
A Grande Marcha
Qualquer
um familiar com Maoismo sabe que nunca foi uma ideologia desenvolvida para
substituir o Marxismo-Leninismo. Pelo contrário, marcou uma guinada contra o
"revisionismo" do modelo soviético pós-Stalin. O que Mao contribuiu
ao pensamento Marxista saiu diretamente da Revolução Chinesa de 1949. A insistência de Mao em que o potencial
revolucionário do campesinato não dependia do proletariado urbano era
particularmente atraente aos radicais negros céticos da ideia de que deviam
esperar por condições objetivas para fazer sua revolução. No centro do Maoismo
encontra-se a ideia de que o Marxismo pode ser (deve ser) reformulado às
condições de tempo e lugar, e que o trabalho prático, ideias e liderança são
provenientes das massas em movimento e não de uma teoria criada no abstrato ou
produzida por outras lutas. Na prática, isso significa que verdadeiros
revolucionários devem possuir uma vontade revolucionária de vencer. A noção de
vontade revolucionária não pode ser subestimada, especialmente por aqueles em
movimentos isolados e atacados por todos os lados. Armados de teoria propícia, de
comportamento ético propício, e de vontade, revolucionários nas palavras de Mao
podem "mover montanhas." Talvez seja por isso que o líder comunista
chinês Lin Biao pôde escrever no prefácio às Citações que “uma vez que as
palavras de Mao Tsé-Tung são compreendidas pelas grandes massas, tornam-se uma
inesgotável fonte de força e uma bomba atômica espiritual de poder infinito.”
Tanto
Mao quanto Lin Biao reconheciam que a fonte dessa "bomba atômica"
poderia ser encontrada nas lutas dos nacionalistas de Terceiro Mundo. Em uma
era onde a guerra fria ajudou a introduzir o movimento não-alinhado, quando
líderes do mundo "de cor" estavam em convergência em Bandung,
Indonésia, em 1955 para tentar traçar um caminho independente rumo ao
desenvolvimento, os chineses esperavam liderar passadas colônias no caminho
para o socialismo. Os chineses (com o apoio da teoria da “nova revolução
democrática” de Lin Biao) não só dotaram as lutas nacionalistas de valor
revolucionário mas também alcançaram especificamente a África e o povo de
descendência africana. Dois anos depois da histórica conferência de Bandung das
nações não-alinhadas—a China formou a Organização de Solidariedade aos Povos da
África e da Ásia. Mao não só convidou W. E. B. Du Bois para passar seu 91º
aniversário na China depois de ter sido declarado inimigo público dos Estados
Unidos, mas três semanas antes da grande Marcha em Washington em 1963, Mao
publicou uma declaração criticando o racismo americano e citando o movimento de
libertação afro-americano como parte da
luta mundial contra o imperialismo. ”O perverso sistema do colonialismo e do
imperialismo,” Mao declarou, “exaltou e contribuiu com a escravização dos
negros e a troca dos negros, e com certeza terá seu fim com a emancipação
completa dos negros.” Uma década depois, o romancista John Oliver Killens ficou
impressionado com o fato de que vários de seus livros, assim como obras de
outros escritos negros, tinham sido traduzidos para o chinês e eram largamente
lidos por estudantes. Em todos os lugares que ía, parecia que conhecia jovens
intelectuais e trabalhadores que estavam "tremendamente interessados no
movimento negro e em como a arte e a literatura dos negros refletiam o
movimento.”
A
posição de "povo de cor" serviu como uma poderosa arma política na
mobilização do apoio de africanos e descendentes de africanos. Em 1963, por
exemplo, delegados chineses em Moshi, Tanzânia, declararam que os russos não
tinham o que fazer na África por conta de suas posições de brancos. Os
chineses, por outro lado, não só faziam parte do mundo de cor mas
diferentemente dos europeus nunca tomaram parte na troca de escravos. É claro,
muitas dessas declarações serviam essencialmente para facilitar a criação de
alianças. Fato é que escravos africanos
poderiam ser encontrados em Guangzhou durante o século doze, e estudantes
africanos na China comunista ocasionalmente reclamavam de racismo. (Com
certeza, após a morte de Mao os confrontos raciais nos câmpus universitários
passaram a ocorrer mais frequentemente, notavelmente em Xangai em 1971, Nanjing
em 1980 e Tianjin em 1986.) Ademais, a política externa chinesa para com o
mundo negro era frequentemente dada mais por considerações estratégicas do que
por comprometimento com os movimentos revolucionários do Terceiro Mundo, principalmente
após a ruptura sino-soviética. A posição anti-soviética da China resultou no
estabelecimento de políticas externas que enfraqueceram de vez suas relações
com determinados movimentos de libertação africanos. No sul da África, por
exemplo, os chineses apoiaram movimentos que também recebiam apoio do regime do
apartheid na África do Sul.
Ainda
assim, as ideias de Mao ganharam popularidade entre jovens radicais negros.
Enquanto projetos maoistas nos Estados Unidos nunca atingiram o resultado dos
partidos comunistas soviéticos nos anos 30, eles criaram raíz no país. E como
centenas de flores, as ideias de Mao desabrocharam em um confuso mosaico de
vozes radicais todas como que em guerra umas com as outras. Não
surpreendentemente, no centro da discussão sobre a luta de classes nos Estados
Unidos estava a "Questão Negra": isso é, qual o papel dos negros na
revolução mundial.
Panteras promovem a leitura do livro vermelho. |
A Revolução Negra Mundial
O
Maoismo nos Estados Unidos não foi importado da China. Na verdade, para os
Maoistas educados na antiga esquerda a fonte do Maoismo pode ser encontrada das
revelações de Khrushchev no vigésimo Congresso do Partido Comunista da União
Soviética em 1956, que apresentaram um movimento anti-revisionista para toda a esquerda pró-Stalinista. Fora dos
debates por dentro do Partido Comunista dos EUA emergiram algumas organizações
empenhadas a empurrar os comunistas de volta ao território Stalinista,
incluindo o Comitê Organizacional Provisório (POC) em 1958, "Aço e
Martelo" em 1960, e o Partido Trabalhista Progressista (PLP) em 1965.
O
"Progressive Labor Party", uma extensão do movimento trabalhista
progressista fundado três anos antes, era inicialmente liderado por
ex-comunistas que acreditavam que os chineses haviam adotado a posição certa.
Insistindo que trabalhadores negros eram a "força revolucionária
chave" da revolução proletária, o PLP atraiu alguns ativistas negros
excepcionais como John Harris em Los Angeles e Bill Epton em Harlem. Epton
tornou-se algo de célebre depois de preso por "anarquia criminosa"
durante a rebelião de 1964 em Harlem.
Dois anos depois, o PLP ajudou na organização de uma greve estudantil
para estabelecer um programa de estudo negro na São Francisco University, e sua
Comissão de Libertação Negra publicou um panfleto intitulado "Libertação
Negra Agora!" que pretendia colocar todas essas rebeliões urbanas em um
contexto global. Mas por volta de 1968, o PLP abandonou seu apoio ao
nacionalismo "revolucionário" e concluiu que todas as formas de
nacionalismo eram reacionárias. Como resultado, o PLP se opôs às ações
afirmativas e às convenções políticas de sindicatos negros e latinos—posições
que romperam a relação do PLP com comunidades ativistas negras. Na verdade, a
conexão do PLP com a Nova Esquerda em geral foi prejudicada em parte por conta
do seu ataque ao Partido dos Panteras Negras e ao movimento estudantil negro.
Membros do PLP foram expulsos do Estudantes por uma Sociedade Democrática (SDS)
em 1969 com a ajuda de alguns grupos nacionalistas radicais, incluindo os
Panteras, os "Young Lords" e os "Brown Berets".
Não
obstante, os partidos Marxistas-Leninistas-Maoistas predominantemente brancos
não foram o veículo primário da esquerda negra Maoista. A maioria dos radicais
negros do final dos anos 50 e inicio dos anos 60 descobriu a China através das
lutas anticolonialistas na África e da Revolução Cubana. A independência da
Gana em 1957 era motivo de celebração, e o assassinato patrocinado pela CIA de
Patrice Lumumba no Congo inspirou protestos de todos os círculos ativistas
negros. A Revolução Cubana e a infame estada de Fidel Castro no Hotel Theresa
em Harlem durante sua visita aos EUA deixou os negros face a face com um
socialista declarado que estendia uma mão em solidariedade aos povos de cor do
mundo todo. Claro, dezenas de radicais negros não só defendiam publicamente a
Revolução Cubana mas também visitavam Cuba através de grupos como o "Fair
Play for Cuba Committee". Um dos visitantes era Harold Cruse, ele próprio
um ex-comunista ainda comprometido com o Marxismo. Ele acreditava que as
revoluções cubana, mexicana e africana poderiam revitalizar o pensamento
radical porque demonstravam o potencial revolucionário do nacionalismo. Em um
ensaio provocativo publicado no "New Leader" em 1962, Cruse escreveu
que a nova geração estava procurando no antigo mundo colonial seus líderes e
suas percepções, e entre os herois estava Mao: "Eles já têm um panteão de
herois modernos—Lumumba, Kwame Nkrumah e Sekou Toure na Africa; Fidel Castro na
América Latina; Malcolm X, o líder muçulmano, em Nova Iorque; Robert Williams
no Sul; e Mao Tsé-Tung na China. Esses homens parecem heroicos para os
afro-americanos não por conta de sua filosofia política, mas porque eram ou
antigos colonos que alcançaram independência completa, ou porque, como Malcolm
X, ousaram olhar na cara da comunidade branca e dizer: 'Não achamos que sua
civilização vale o esforço de qualquer homem negro para integrá-la.’ Isso para
muitos afro-americanos é um ato de desafio verdadeiramente
revolucionário."
Em
outro ensaio, aparecido em "Studies on the Left" em 1962, Cruse foi
ainda mais explícito sobre o caráter global do nacionalismo revolucionário. Ele
argumentou que negros no Estados Unidos viviam em um colonialismo doméstico e
que suas lutas deviam ser vistas como parte do movimento anti-colonial mundial.
"O fracasso dos Marxistas americanos," ele escreveu, "em
entenderem a ligação entre o negro e os colonos do mundo os levaram ao fracasso
no desenvolvimento de teorias que poderiam ser de valor para os negros dos
Estados Unidos.” No seu ponto de vista, passadas colônias eram a vanguarda da
revolução, e à frente dessa nova revolução socialista estavam Cuba e China.
As
revoluções em Cuba, na África e na China tiveram um efeito similar em Baraka,
quem uma década e meia depois fundaria a Liga Comunista Revolucionária
inspirada no Maoismo. Tocado por sua visita a Cuba e pelo assassinato de
Lumumba, Baraka passou a contribuir escrevendo ensaios para uma nova revista
chamada "African Revolution" editada pelo líder nacionalista algeriano
Ahmed Ben Bella. Como explicou Baraka: "A Índia e a China tiveram sua
independência formal antes da vinda dos anos 50, e por volta do final dos anos
50, existiam muitas nações africanas independentes (embora em níveis variados
de neocolonialismo). Kwame Nkrumah de Gana havia hospedado a estrela negra em
uma casa do estado em Accra, e os pronunciamentos de Nkrumah sobre seus feitos faziam incandescer
encorajamento nos povos de cor de todo o mundo. Quando os chineses explodiram sua
primeira bomba atômica eu escrevi um poema dizendo, de fato, que o tempo dos
povos de cor havia recomeçado.”
A
matrix Gana-China é talvez melhor incorporada na carreira de Vickie Garvin, uma
forte radical que passeou pelos círculos da esquerda negra em Halem durante o
período pós-guerra. Criada em uma família operária negra em Nova Iorque, Garvin
passou seus verões trabalhando na indústria têxtil para complementar a renda da
família. Logo no começo do ensino médio tornou-se ativa em protestos políticos
negros, apoiando os esforços de Adam Clayton Powell Jr. para obtenção de
trabalhos melhor pagos para afro-americanos em Harlem e a criação de clubes de
história negra dedicados ao levantamento de recursos para uma biblioteca.
Depois de conseguir seu bacharelado em Ciências Políticas na Hunter College e
seu mestrado em Economia na Smith College em Northampton, ela passou os anos da
guerra trabalhando para o "National War Labor Board", continuou como
organizadora para o "United Office and Professional Workers of
America" (UOPWA-CIO) e como diretora de pesquisa nacional e co-presidente
do "Fair Employment Practices Committee". Durante os expurgos
pós-guerra da esquerda no CIO, Garvin foi uma grande voz de protesto e crítica
assídua do fracasso do CIO em sua organização no sul. Como secretária executiva
da fração nova iorquina do Conselho Nacional do Trabalho Negro e
vice-presidente da organização nacional, Garvin estabeleceu laços estreitos com
Malcolm X e o ajudou a organizar parte de seu tour pela África.
Para
Nkrumah de Gana, Garvin se juntou ao êxodo intelectual negro quando dividiu
inicialmente um quarto com a poeta Maya Angelou e eventualmente se mudou para
uma casa perto de Du Bois. Passou dois anos em Accra cercada de alguns
intelectuais e artistas negros chave, incluindo Julian Mayfield, o artista Tom
Feelings e o cartunista Ollie Harrington. Como a radical que ensinava inglês
conversacional para o núcleo diplomático cubano, algeriano e chinês em Gana,
era difícil não desenvolver uma perspectiva profundamente internacionalista. As
conversas de Garvin com Du Bois durante seus últimos dias em Gana apenas
reforçaram seu internacionalismo e despertaram seu interesse na Revolução
Chinesa. Claro, através de Du Bois Garvin conseguiu um trabalho como
"polidora" das traduções em inglês do "Peking Review" assim
como professora no Instituto de Línguas Estrangeiras de Xangai. Ela continuou
na China de 1964 a 1970, construindo pontes entre a luta pela libertação negra,
os movimentos de independência africana, e a Revolução Chinesa.
Para
Huey Newton, o futuro fundador do Partido dos Panteras Negras, a revolução
africana parecia ainda menos crucial do que os acontecimentos na Cuba e na
China. Enquanto estudante da Merritt College no ínicio dos anos 60, ele leu um
pouco de existencialismo, passou a comparecer a reuniões patrocinadas pelo
Partido Trabalhista Progressista, e apoiar a Revolução Cubana. Sem surpreender,
Newton começou a ler literatura Marxista vorazmente. Mao, em particular, deixou
uma impressão permanente: “Minha conversão estava completa quando eu li os
quatro volumes de Mao Tsé-Tung para aprender mais sobre a Revolução Chinesa.”
Então bem antes da fundação do Partido dos Panteras Negras, Newton mergulhou no
pensamento de Mao Zedong assim como nos escritos de Che Guevara e Frantz Fanon.
”Mao e Fanon e Guevara todos viam claramente que as pessoas haviam sido
despojadas de seus direitos e dignidade, não por uma filosofia ou meras
palavras, mas a mão armada. Elas haviam sofrido um assalto por gangsteres, e
estupro; para elas, a única maneira de ganhar liberdade era confrontar força
com força.”
A
vontade dos chineses e cubanos de "confrontar força com força" também
fez de suas revoluções atraentes aos radicais negros na era da resistência
pacífica sem violência. Claro, época que teve sua parcela de luta armada no
sul, com grupos como os "Deacons for Defense and Justice" e o
movimento de Gloria Richardson em Cambridge defendendo protestos pacíficos
quando necessário. Mas a figura que melhor incorporava as tradições negras de
autodefesa armada era Robert Williams, um heroi para a nova onda de
internacionalistas negros cuja importância quase se igualava à de Malcolm X.
Como anterior membro da marinha americana, de extensivo treinamento militar,
Williams ganhou notoriedade em 1957 pela formação de grupos de autodefesa
armada em Monroe e Carolina do Norte para lutar contra a Ku Klux Klan. Dois
anos depois, a declaração de Williams de que os negros deveriam
"confrontar violência com violência" como a única maneira de acabar
com a injustiça em um sul sem civilização levou a sua suspensão da presidência
da fração de Monroe do NAACP.
Robert e Mabel Williams |
O
rompimento de Williams com o NAACP e seu apoio aberto à autodefesa armada o
empurraram ainda mais para a esquerda e para a órbita dos Partido dos
Trabalhadores Socialistas, Partido Trabalhista Mundial, e de alguns membros do
antigo CPUSA. No entanto Williams teve contato com comunistas desde seus dias
como mecânico em Detroit nos anos 40. Ele não apenas lia o "Daily
Worker" como publicou uma história em suas páginas chamada "Um Dia Eu
Voltarei Para O Sul." Williams era também algo de um intelectual amador e
autodidata, tendo estudado na West Virginia State College, na North Carolina
College, e na Johnson C. Smith College. Todavia, suas associações mais recentes
com a esquerda o levaram ao "Cuba and the Fair Play for Cuba
Committee". Após o regresso da sua primeira viagem em 1960, ele levantou
uma bandeira cubana em seu jardim e escreveu uma série de artigos em sua
publicação mimeografada, "Crusader", sobre a transformação da vida
dos operários em Cuba como resultado da revolução. Em um de seus editoriais
publicados em agosto de 1960, Williams insistiu que a luta pela libertação dos
afro-americanos "está relacionada às lutas por autonomia dos africanos,
cubanos, todos os latino-americanos e asiáticos." Seu apoio à Revolução
Chinesa também era evidente nas páginas da "Crusader", enfatizando a
importância da China como fonte de força para os movimentos de justiça social
por todo o mundo. Como Baraka, Williams escreveu sobre a detonação da bomba
atômica chinesa em 1960 como uma ocasião histórica para os oprimidos. "Com
a bomba," ele escreveu "a China será respeitada e dará uma voz
poderosa àqueles que já clamavam por justiça tanto pelos negros quanto pelos
brancos.”
Em
1961, como resultado de queixas de sequestro forjadas e um mandato federal de
prisão, Williams e sua família foram forçados a sair do país e buscar asilo
político em Cuba. Durante os próximos quatro anos, Cuba tornou-se a base de
Williams pra promover a revolução negra mundial e elaborar uma ideologia
internacionalista que abraçava o nacionalismo negro e a solidariedade ao
Terceiro Mundo. Com o apoio de Fidel Castro, Williams manteve um programa de
rádio chamado "Radio Free Dixie" direcionado à afro-americanos, continuou
a editar a "Crusader" (que agora havia progredido de uma publicação
mimeografada a uma revista completa), e terminou seu livro "Negros Com
Armas" (1962). No entanto, ele não se identificava como Marxista. Ao mesmo
tempo, rejeitava o rótulo de "nacionalista", chamando a si mesmo de
"internacionalista" ao invés: "É isso, estou interessado nos
problemas da África, Ásia e América Latina. Acredito que todos fazemos parte da
mesma luta; uma luta pela libertação."
Embora
Williams lembre-se de ter tido boas relações com Castro, diferenças políticas
sobre raça levaram a uma divergência entre ele e os comunistas cubanos. "O
Partido," Williams recorda, "acreditava que era um problema
exclusivamente de classes e que uma vez que o problema de classes fosse resolvido
através de uma administração socialista, o racismo seria abolido."
Williams não só discordava como se aproximara muito de Che Guevara, que
incorporava muito do que Williams pregava desde o início: solidariedade para
com o Terceiro Mundo, uso da luta armada, e um interesse firme e profundo na
revolução africana. Claro, a inclinação de Che à China sem dúvidas causou
impacto na decisão de Williams de deixar Cuba por Beijing. Dada a ruptura de
Che com Fidel e a solidificação dos laços de Cuba com a União Soviética, Williams
não viu por quê ficar. Ele e sua família fizeram as malas e se mudaram para a
China em 1966.
Como
revolucionário exilado na China durante sua era mais tumultuosa, Williams
contudo previu que as rebeliões urbanas nos guetos da América transformariam o
país. Embora possa ser dito que publicando a "Crusader" de Cuba e
então da China Williams tinha muito pouco contato com o movimento de libertação
negra no Estados Unidos, sua revista alcançou uma nova geração de jovens
militantes negros e promoveu a perspectiva da revolução negra mundial
articulada por críticos como Harold Cruse. Fato é, a "Crusader" e o
próprio exemplo de Williams juntaram um pequeno grupo de intelectuais radicais
negros e ativistas a formar o que poderia ser espontaneamente chamada da primeira
organização negra maoísta da história: o Movimento de Ação Revolucionária
(Revolutionary Action Movement – RAM).
Robert Williams e Mao Tsé-Tung |
O Movimento de Ação Revolucionária e a Futura
Revolução Negra
O voo
de Williams a Cuba inspirou parcialmente a criação do RAM. Em Ohio por volta de
1961, membros negros do Estudantes por uma Sociedade Democrática (SDS) assim
como ativistas no Comitê de Coordenação Estudantil Sem Violência (SNCC) e no
Congresso de Igualdade Racial (CORE) reuniram-se em um grupo pequeno para
discutir o significado do trabalho de Williams em Monroe e seu subsequente
exílio. Liderados por Donald Freeman, um estudante negro na Case Western
Reserve em Cleveland, o núcleo do grupo consistia em uma organização
recém-formada, chamada “Challenge,” formada por estudantes da Central State
College em Wilberforce. Membros da Challenge estavam motivados especialmente
pelo ensaio de Harold Cruse “Nacionalismo Revolucionário e o Afro-americano,”
que circulava largamente entre jovens negros radicais. Inspirados pela interpretação
de Cruse da importância global da luta pela libertação negra, Freeman esperou
transformar a Challenge em um movimento revolucionário nacionalista aparentado
ao Nação do Islã, mas isso adotaria as táticas de ação direta do SNCC. Depois
de um longo debate membros da Challenge resolveram dissolver a organização na
primavera de 1962 e formar o Comitê de Ação Revolucionária (originalmente
chamado “Reform” Action Movement para não assustar a administração), com seus
líderes primários sendo Freeman, Max Standford e Wanda Marshall. Alguns meses
depois eles mudaram sua base para a Filadélfia, começaram a publicar um jornal
bimestral chamado “Black America” e um boletim informativo de uma página
chamado “RAM Speaks”, e fizeram planos para construir um movimento nacional
direcionado ao nacionalismo revolucionário, organização juvenil, e autodefesa
armada.
Freeman
e os membros do RAM em Cleveland continuaram a trabalhar publicamente através
do Instituto Afro-americano, um grupo de reflexão de orientação ativista formado
no outono de 1962. Sob a direção de Freeman, seu conselho—apelidado de “Soul
Circle”—consistia em um grupo pequeno de homens negros relacionados com
organizações comunitárias, direitos civis e trabalhistas e grupos estudantis.
Membros do conselho como Henry Glover, Arthur Evans, Nate Bryant, e Hanif Wahab
lecionavam história e política africanas, organizavam fóruns para discutir o
futuro do movimento pelos direitos civis, a participação negra na política de
Cleveland, e as condições econômicas dos negros urbanos. O instituto ainda
recrutou o grande baterista Max Roach para ajudar na organização de um painel
intitulado “O Papel do Artista Negro na Luta pela Liberdade.” Membros do
instituto também utilizavam folhetos e panfletos aleatórios para influenciar o
pensamento da comunidade negra sobre assuntos locais e internacionais.
Destinado “A Quem Possa Interessar,” esses folhetos curtos pretendiam estimular
discussão e oferecer à comunidade negra uma posição sobre tópicos mais urgentes
como “as eleições, a renovação urbana, a subserviência da economia negra, a
‘corrida armamentista’, e a luta no sul.” Em um ano, o instituto progrediu da
impressão de folhetos a impressão de um boletim informativo completo chamado
“Afropinion”. Através do Instituto Afro-americano, membros do RAM em Cleveland
trabalhavam com ativistas da CORE e outros organizadores da comunidade para
exigir melhoras na assistência hospitalar a pacientes negros e protestar contra
a exclusão da história africana e afro-americana do currículo das escolas
públicas. A campanha mais importante do instituto em 1963 foi a defesa de Mae
Mallory, uma mulher negra que estava sendo mantida presa em Cleveland por sua
relação com Robert Williams em Monroe, Carolina do Norte. Logo depois do voo de
Williams para Cuba, Mallory foi presa em Ohio e esperava por encargos de
extradição. O instituto e seus aliados, incluindo a Nação do Islã em Cleveland,
peticionaram o governo de Ohio para revogar o pedido de extradição, e também
organizaram uma manifestação em massa na frente da prisão exigindo a liberação
imediata de Mallory.
No
norte da Califórnia, o RAM veio primariamente da Associação Afro-americana.
Fundada por Donald Warden em 1962, a Associação Afro-americana consistia em
estudantes da Universidade da Califórnia em Berkley e da Merritt College,
muitos dos quais, como Leslie e Jim Lacy, Cedric Robinson, Ernest Allen, e Huey
Newton, teriam papeis especiais como intelectuais e ativistas radicais. Em Los
Angeles, o presidente da Associação Afro-americana era um jovem chamado Ron
Everett, que mais tarde mudaria seu nome para Mualna Karenga e fundaria a
organização dos EUA. A Associação Afro-americana rapidamente desenvolveu uma
reputação como grupo de intelectuais militantes dispostos a discutir com
qualquer um. Desafiando professores, grupos de debate como a Aliança Socialista
Jovem, e lecionando publicamente história e cultura negra, esses jovens
ativistas deixaram uma impressão profunda em alguns estudantes assim como na
comunidade negra. Na Baía do Leste, onde a tradição dos discursos de palanque
morreu nos anos 30 (com a exceção de campanhas individuais do comunista
Congresso dos Direitos Civis no começo dos anos 50), a Associação
Afro-americana era prova viva de que uma cultura militante intelectual vibrante
e altamente visível poderia existir.
Enquanto
isso, o movimento Trabalho Progressista (PL) passou a patrocinar viagens a Cuba
e recrutou alguns estudantes radicais negros na Baía do Leste para irem junto.
Entre eles estava Ernest Allen, um transferido para UC Berkeley da Merritt
College que havia sido expulso da Associação Afro-americana. Garoto operário de
Oakland, Allen era parte de uma geração de radicais negros cujo
descontentamento com a estratégia do movimento pelos direitos civis de
resistência passiva, sem violência os levou para mais perto de Malcolm X e dos
movimentos de libertação do Terceiro Mundo. Não surpreendentemente, através de
sua viagem a Cuba em 1964 ele descobriu o Movimento de Ação Revolucionária
(RAM). Entre os companheiros de viagem de Allen estava um contingente grupo de
militantes negros de Detroit: Luke Tripp, Charles (“Mao”) Johnson, Charles
Simmons, e General Baker. Todos eram membros do grupo estudantil em Uhuru, e
todos desempenharam papeis chave na formação do Movimento Trabalhista
Revolucionário Dodge da Liga Operária Negra Revolucionária. Coincidentemente, o
líder do RAM Max Stanford já estava na ilha visitando Robert Williams. Quando
era hora de voltar aos EUA, Allen e o grupo de Detroit estavam comprometidos
com a fundação do RAM. Allen parou em Cleveland para se reunir com membros da
RAM na sua viagem de ônibus de volta a Oakland. Armado com cópias da “Crusader”
de Robert Williams e materiais relacionados ao RAM, Allen voltou a Oakland com
a intenção de estabelecer a presença da RAM na Baía do Leste. Como resultado,
ativistas como Isaac Moore, Kenn Freeman (Mamadou Lumumba), Bobby Seale (futuro
fundador do Partido dos Panteras Negras), e Doug Allen (irmão de Ernie)
estabeleceram uma base na Merritt College através do “Soul Students Advisory
Council”. Embora o grupo nunca tenha crescido para mais de um punhado de
pessoas, sua presença intelectual e cultural foi amplamente sentida. Allen,
Freeman, e os outros fundaram um jornal chamado "Soulbook: The
Revolutionary Journal of the Black World", que publicava prosa e poesia
melhores descritas como de orientação de esquerda nacionalista negra. Freeman
em particular, era muito respeitado entre os ativistas do RAM e amplamento
lido. Ele constantemente levava seus membros a pensarem sobre a luta negra num
contexto global. Os editores do "Soulbook" também desenvolveram laços
com radicais negros da Velha Esquerda, mais notavelmente com o ex-comunista
Harry Haywood cujo trabalho publicaram em uma edição precoce.
Embora
o RAM tenha se estruturado no norte da Califórnia e em Cleveland, em 1964 a
Filadélfia parecia ser a "base" do RAM. Foi na Filadélfia, afinal,
que o RAM manteve uma existência aberta, operando sob seu próprio nome ao invés
de uma variedade de frentes organizadoras. A força da fração da Filadélfia tem
muito a ver com o fato de que era também o lar de Max Stanford, presidente da
RAM nacional. Foi da Filadélfia que o RAM publicou um jornal bimestral chamado
"Black America" e um boletim informativo chamado "RAM Speaks";
fez planos para construir um movimento nacional direcionado ao nacionalismo
revolucionário, a organização juvenil, e a luta armada; e recrutou alguns
ativistas da Filadélfia para o grupo, incluindo Ethel Johnson (que também havia
trabalhado com Robert Williams em Monroe), Stan Daniels, e Playthell Benjamin.
Subsequentemente, o RAM recrutou um grupo de jovens militantes da Filadélfia
que mais tarde desempenhariam papeis chave em organizações radicais, incluindo
Michael Simmons, um dos autores do famoso "Black Consciousness Paper"
da SNCC, cuja resistência ao recrutamento resultou numa sentença de dois anos e
meios de prisão, e Tony Monteiro, que se tornaria um líder nacional na CPUSA
durante os anos 70 e 80.
A
organização RAM representou a primeira tentativa séria e duradoura no período
pós-guerra de casar o Marxismo, o nacionalismo negro, e o internacionalismo do
Terceiro Mundo em um programa revolucionário coerente. Na perspectiva de Max
Stanford, o RAM "tentou aplicar uma linha de pensamento Marxista-Leninista
Maoista” às condições dos negros e “avançou na teoria de que o movimento de
libertação negra nos Estados Unidos era parte da vanguarda da revolução
socialista mundial." Militantes jovens do RAM procuraram orientação
política de anteriores comunistas negros que haviam sido expulsos ou por
"ultra-esquerdismo" ou "nacionalismo burguês," ou deixado o
partido por conta de seu "revisionismo." Entre esse grupo de antigos
estavam Harold Cruse, Harry Haywood, Abner Berry, e “Queen Mother” Audley
Moore. Claro, Moore se tornaria o mentor mais importante do RAM na Costa Leste,
oferecendo aos membros treinamento no pensamento nacionalista negro e no
Marxismo. A casa de "Queen Mother", a qual ela afetuosamente chamada
de "Mount Addis Ababa", serviu praticamente como escola para uma nova
geração de jovens radicais negros. Moore havia fundado o Partido Afro-americano
de Libertação Nacional em 1963, que formou um governo provisório e elegeu
Robert Williams como primeiro ministro em exílio. Esses jovens radicais negros
também procuraram pelos ex-trotskistas lendários James Boggs e Grace Lee Boggs,
anteriores camaradas de C.L.R. James cujos escritos Marxistas e
pan-africanistas influenciaram grandiosamente membros do RAM assim como outros
ativistas da Nova Esquerda.
Embora
o RAM enquanto movimento nunca tenha recebido a glória publicitária conferida a
grupos como o Partido dos Panteras Negras, sua influência excedia em muito seus
números—não diferentemente da Irmandade Sangue Africano (ABB) quatro décadas
antes. Claro, como a "African Blood Brotherhood" o RAM permaneceu
predominantemente como uma organização às ocultas que dedicava mais tempo a
propaganda agitadora do que organização propriamente dita. Líderes como Max
Stanford se identificavam com os camponeses chineses rebeldes que levaram o
Partido Comunista a vitória. Eles se aproveitaram da famosa frase de
Mao—"O inimigo avança, retiramos. O inimigo acampa, provocamos. O inimigo
cansa, atacamos. O inimigo se retira, perseguimos."—e a entenderam
literalmente, pregando a insurreição armada e se inspirando diretamente nas
ideias da teoria de luta de guerrilha no Estados Unidos urbano de Robert
Williams. Os líderes do RAM acreditavam não só que tal guerra era possível mas
que também poderia ser vencida em noventa dias. A combinação entre o caos em
massa e a disciplina revolucionária eram a chave para a vitória. A edição de
outono de 1964 da "Black America" previa o Armageddon:
Homens
e mulheres negras nas Forças Armadas abandonarão e virão fazer parte das forças
de libertação negras. Brancos que dizem querer ajudar na revolução serão
mandados para comunidades brancas para dividi-los, lutar contra os fascistas e
frustrar os esforços de forças contrarrevolucionárias. O caos estará em todos
os lugares e com o colapso da comunicação em massa, revolta acontecerá em
grandes números em todas as facetas opressoras do governo. O mercado de ações
cairá; Wall Street parará de funcionar; Washington, D.C. será dilacerada por
revoltas. Oficiais de todos os lugares irão correr-correr por suas vidas. George
Lincoln Rockwellers, Kennedys, Vanderbilts, Hunts, Johnsons, Wallaces,
Barnetts, etc., serão os primeiros a se irem. A revolução "virá pela noite
e não poupará ninguém." (…) A Revolução Negra se utilizará de sabotagem
nas cidades, desligando o poder elétrico primeiro, então o transporte e
guerrilha no interior do sul. Com as cidades impotentes, o opressor ficará
desamparado.
A
revolução era claramente vista como um trabalho masculino já que as mulheres
mal apareciam na equação. Claro, um dos fatos impressionantes sobre a história
da esquerda anti-revisionista é como dominada pelos homens ela permaneceu.
Embora Wanda Marshall tenha sido uma das fundadoras do RAM, ela não obteve um
posto de liderança nacional em 1964. Apesar de promover a criação de "ligas
femininas" cujo propósito seria "organizar mulheres negras que
trabalham em casas brancas," o RAM permaneceu relativamente quieto sobre a
libertação das mulheres até o final dos anos 60, quando a organização começou a
entrar em colapso. Em 1969, o RAM publicou uma declaração sobre o papel das
"Soul Sisters" no movimento. Um auxiliar do RAM, as "Soul
Sisters" deveriam ser treinadas em autodefesa e trabalhar para organizar a
juventude feminina, mas também deveriam educar, cuidar, e influenciar
positivamente homens revolucionários negros. Suas tarefas imediatas incluíam
"influenciar negros não-militantes a se envolverem na autodefesa
organizada," promover esforços para manter "mulheres brancas fora de
todas as áreas da política e da vida sexual negra," denunciar qualquer
incidente de "abuso pela polícia ou qualquer outro homem branco no gueto
ou nas escolas," e "promover a imagem de Robert Williams como símbolo
internacional da luta pela liberdade negra." As duas tarefas que mais
revelavam a posição de subordinada das mulheres envolviam treinar "garotas
para fazerem um censo da população negra" e fazê-las "desenhar e
comprar suéteres para símbolo de identificação."
A
orientação masculina do RAM não deveria ser surpreendente considerando a
orientação masculina das organizações do nacionalismo negro (sem mencionar a
Nova Esquerda) nos anos 60, seja reivindicando direitos civis ou alguma versão
insipiente do Poder Negro. O masculinismo do RAM, no entanto, foi intensificado
pelo fato de que seus líderes se viam como guerrilheiros urbanos—como membros
de uma versão inteiramente negra do Exército Vermelho de Mao. Nem todos os
membros do RAM se viam dessa maneira, mas aqueles que viam estavam
comprometidos profundamente com uma série de éticas revolucionárias que Mao estabeleceu
para seu próprio partido e para os membros do Exército Popular. Vemos isso
muito claramente no "Código dos Núcleos" do RAM, uma série de regras
de conduta altamente didáticas que os membros deveriam viver de acordo com.
Alguns exemplos desse código a seguir:
Um
nacionalista revolucionário mantêm o maior respeito por toda autoridade dentro
do partido….
Um
nacionalista revolucionário não pode ser corrompido por dinheiro, honras ou
qualquer outro ganho pessoal….
Um
nacionalista revolucionário irá não hesitantemente subordinar seu interesse
pessoal àquele da vanguarda [sem] hesitar...
Um
nacionalista revolucionário manterá o maior nível de moralidade e nunca tirará
nem uma agulha ou sequer um pedaço de linha das massas-Irmãos e Irmãs manterão
o maior respeito uns aos outros e nunca abusarão ou tirarão vantagem uns dos
outros para ganho pessoal-e nunca interpretarão mal, a doutrina do nacionalismo
revolucionário, por qualquer razão….
As
similaridades do código com as Citações do Presidente Mao Tsé-Tung são
impressionantes. Claro, o último exemplo vem direto das “Três Principais Regras
da Disciplina” de Mao, que incitam "nunca tirar nem uma agulha ou sequer
um pedaço de linha das massas." Abnegação e comprometimento total às
massas é outro tema que domina as Citações. Novamente, as comparações são
notáveis: "Em tempo algum e sob nenhuma circunstância," diz Mao,
"um Comunista deve colocar seus interesses primeiro; ele deve se
subordinar aos interesses da nação e das massas. Assim, egoísmo, corpo mole, corrupção,
buscar ser o centro das atenções, e assim por diante são as coisas mais
desprezíveis, enquanto abnegação, trabalhar com toda sua energia, sincera
devoção ao dever público, e trabalho
duro e quieto irão impor respeito."
O
ênfase do Maoismo nas éticas revolucionárias e na transformação moral, na
teoria ao menos, ressonava com as tradições religiosas negras (assim como com o
protestantismo americano de maneira geral), e como a Nação do Islã, pregava
autodomínio, ordem, e disciplina. É bem possível que no meio de uma
contracultura que incorporava elementos do hedonismo e uso de drogas, uma nova
onda de estudantes e radicais operários achariam as éticas Maoistas atraentes.
(Claro, muitos na Nova Esquerda e no movimento de libertação feminina também acharam
a ideia das éticas revolucionárias de Mao atraentes.) Após seu retorno da
China, Robert Williams—em muitos aspectos o pai fundador do RAM—insistiu que
todos jovens ativistas negros passavam por uma transformação pessoal e moral.
"Existe uma necessidade por um código revolucionário rigoroso de éticas
morais. Revolucionários são instrumentos da justiça." Para revolucionários
negros, a dimensão moral e ética do pensamento de Mao centrava na noção da
transformação pessoal. Era uma lição familiar incorporada nas vidas de Malcolm
X e (mais tarde) Geoge Jackson—nomeadamente, a ideia de que alguém possui a
vontade revolucionária de transformar-se. (Essas narrativas são quase que
exclusivamente masculinas apesar do número crescente de memoirs de mulheres
radicais negras.) Se os membros do RAM viviam ou não pelas regras do código, as
éticas Maoístas definitivamente serviram para reforçar o status de Malcolm como
modelo revolucionário.
Um
programa de doze tópicos foi criado pelo RAM para o desenvolvimento de escolas
da liberdade, organizações estudantis negras, clubes de tiro, cooperativas
negras (não apenas para o desenvolvimento econômico mas para manter "a
comunidade e as forças de guerrilha funcionando por algum tempo"), e um
exército de guerrilha de libertação feito de jovens e desempregados. Eles
também deram ênfase especial ao internacionalismo—em fornecer apoio a
movimentos de libertação nacionais na África, Ásia e América Latina assim como
a adoção do "socialismo pan-africano." Na linha do ensaio seminal de
Cruse, os membros do RAM viam-se como colonos lutando uma "guerra colonial
em casa." Como escreveu Stanford em um documento interno intitulado
"Projetos e Problemas do Movimento Revolucionário” (1964), “a posição do
RAM é de que o afro-americano não é um cidadão do EUA, cujos direitos foram
negados, mas que ele é um colono escravizado. Essa posição diz que os negros no
EUA são uma nação aprisionada e suprimida e que sua luta não é pela integração
na comunidade branca mas sim pela libertação nacional."
Como
colonos com o direito a autodeterminação, o RAM viu a Afro-América como um
membro de fato das nações não-alinhadas. Eles até se identificavam como parte
do "mundo de Bandung," indo tão longe a ponto de fazer uma
conferência em novembro de 1964 intitulada "A Relação da Revolução Negra
com o Mundo de Bandung." Em um artigo de 1965 publicado no jornal do RAM
"Black America", o grupo passou a desenvolver uma teoria chamada
Humanismo Bandung, ou Internacionalismo Revolucionário Negro, que discutia que
a batalha entre o imperialismo ocidental e o Terceiro Mundo —mais que a batalha
entre o trabalho e o capital—representava
a contradição mais fundamental do nosso tempo. A organização ligou a
luta pela liberdade afro-americana com o que acontecia na China, Zanzibar,
Cuba, Vietnã, Indonésia e Algéria, e caracterizou seu trabalho como parte da
estratégia internacional de Mao de cercar os países capitalistas ocidentais e
desafiar o imperialismo. Depois de 1966, no entanto, o termo Humanismo Bandung
foi deixado para trás inteiramente e substituído por Internacionalismo Negro.
O que
era precisamente pretendido pelo Internacionalismo Negro foi exposto em um
panfleto incrivelmente grosso de trinta e seis páginas, "The World Black
Revolution", que foi publicado pelo RAM em 1966. Livremente aos moldes do
Manifesto Comunista, o panfleto identificava-se fortemente com a China contra
tanto o Ocidente capitalista quanto o Império Soviético. A "emergência da
China Revolucionária começou a polarizar contradições de castas e classes pelo
mundo, tanto no campo do imperialismo burguês quanto no campo europeu burguês
comunista-socialista." Em outras palavras,
a China foi a ponta que moldou as contradições entre o povo colonial e o
Ocidente. Rejeitando a ideia de que a revolução socialista ascenderia nos
países desenvolvidos do Ocidente, o RAM insistia que a única solução
verdadeiramente revolucionária era a "Ditadura Mundial dos Negros e
Desfavorecidos através da Revolução Negra Mundial." Nisso, é claro,
estavam trabalhando com as definições de hoje: o RAM utilizou
"desfavorecidos" para englobar todos os povos de cor da Ásia, América
Latina, África, e outros lugares; "Negros e Desfavorecidos" era
meramente um sinônimo para o mundo colonial. A China estava em uma luta amarga
para defender sua própria liberdade. Agora o resto do mundo "negro"
deveria seguir o exemplo: "Os Negros Desfavorecidos têm apenas uma
alternativa para se libertarem do colonialismo, imperialismo, capitalismo e
neocolonialismo; esta é destruir completamente a civilização (as cidades do
mundo) Ocidental (burguesa) através de uma Revolução Negra Mundial[,]
estabelecendo uma Ditadura Mundial Revolucionária podendo assim dar um fim a
exploração do homem pela humanidade e o novo mundo revolucionário ser
criado." Para coordenar essa revolução, o RAM clamou pela criação de uma
Internacional Negra e um "Exército de Libertação Popular em escala
mundial."
Por
todo seu nacionalismo estridente, a Revolução Mundial Negra conclui que o
nacionalismo negro "é realmente o internacionalismo." Apenas
demolindo o nacionalismo branco e o poder branco a libertação pode ser
alcançada por todos. Não apenas as fronteiras nacionais serão eliminadas com a
"ditadura dos Negros e Desfavorecidos," mas "a necessidade pelo
nacionalismo em sua forma agressiva será eliminada." Essa é uma declaração
remarcável dadas as raízes sociais e ideológicas do RAM. Mas ao invés de
representar uma posição unificada, a declaração reflete vários tensões que
persistiram durante a história do RAM. De um lado estavam nacionalistas que
sentiam que revolucionários deveriam lutar primeiro pela nação negra e
construir o socialismo separados do resto dos Estados Unidos. Do outro lado
estavam socialistas como James Boggs e Grace Lee Boggs que queriam saber quem
iria liderar a nação "branca" e o que tal presença significaria para
a liberdade negra. Eles também rejeitavam esforços para ressurgir a tese da
"Nação Negra"—a antiga linha comunista que dizia que o povo do
interior sulino de maioria negra (a região da "black belt") teria o
direito de se abster da união. Os Boggs acreditavam que a fonte real do poder
estava nas cidades e não no mundo rural.
Depois
de anos como uma organização às ocultas, uma série de "exposés" nas
revistas Life e Esquire que circulavam em 1966 identificavam o RAM como um dos
grupos extremistas líderes "conspirando uma guerra contra os
'branquelos'." O grupo "patrocinado-por-Pequim" não só era
considerado armado e perigoso, mas "impressionantemente bem lido na
literatura revolucionária—de Marat e Lênin a Mao, Che Guevara e Frantz
Fanon." A fração de Harlem Branch do Partido Trabalhista Progressista
respondeu aos artigos com um panfleto intitulado "A Conspiração Contra a
América Negra", que discutia que a China não estava financiando a revolução,
apenas dando um exemplo revolucionário pelo seu fiel anti-imperialismo. As
verdadeiras causas da rebelião negra, eles insistiam, poderiam ser encontradas
na qualidade da vida no gueto. Não surpreendentemente, esses artigos altamente
divulgados foram seguidos de uma série de batidas policiais nos lares dos
membros do RAM na Filadélfia e em Nova Iorque. Em junho de 1967, membros do RAM
foram cercados e acusados de conspirarem para instigar revolta, envenenarem
policiais com cianeto de potássio, e assassinarem Roy Wilkins e Whitney Young.
Um ano depois, sob a atmosfera repressiva do Programa de Contra Inteligência do
FBI (COINTELPRO), o RAM transformou-se no Partido da Libertação Negra, ou
Partido Afro-americano de Libertação Nacional. Por volta de 1969, o RAM tinha
praticamente se dissolvido, embora seus membros preferissem "voltar à
comunidade e infiltrar em organizações negras existentes," continuar a
exigir o programa dos doze tópicos, e desenvolver grupos de estudo que focassem
na "Ciência do Internacionalismo Negro, e o pensamento do presidente Rob
[Robert Williams]."
As
operações do COINTELPRO só explicam parcialmente a dissolução do RAM. Alguns
dos seus membros mudaram-se para outras organizações, como a República da Nova
África e o Partido dos Panteras Negras. Mas a filiação decrescente e sua
definitiva morte podem ser atribuídas parcialmente a erros estratégicos de sua
própria parte. Claro, o entendimento dos membros da situação atual nos guetos e
suas estratégias específicas de mobilização sugerem que não eram bons Maoistas
afinal. A insistência de Mao na natureza prolongada da revolução não foi levada
a sério; em certo ponto eles sugeriam que a guerra pela libertação
provavelmente levaria noventa dias. E porque os líderes do RAM focavam seus
trabalhos em confrontar o estado de cara e atacar líderes negros que julgavam
reformistas, fracassaram em criar uma base forte nas comunidades urbanas
negras. Ademais, apesar de seu internacionalismo fiel, eles não alcançaram
outras "nacionalidades" oprimidas nos Estados Unidos. Não obstante, o
que o RAM e Robert Williams fizeram foi elevar o nacionalismo revolucionário
negro a uma posição de importância crítica e teórica para a esquerda
anti-revisionista em geral. Eles forneceram um exemplo prático e organizativo
do que Harold Cruse, Frantz Fanon, e Malcolm X tentavam desenvolver em seus
escritos e discursos. Mais importantemente, eles encontraram justificação
teórica para o nacionalismo revolucionário negro no pensamento de Mao Zedong,
especialmente após o lançamento da Revolução Cultural na China.
“Finalmente recebi as
notícias”: A Liga Operária Negra Revolucionária
Embora
o RAM estivesse no declínio, seus líderes continuaram a formar alguns dos
movimentos mais radicais da década. Várias figuras chave da Liga Operária Negra
Revolucionária em Detroit haviam sido líderes no RAM, mais notavelmente Luke
Tripp, General Baker, Charles (Mao) Johnson e, mais tarde, Ernie Allen. Tripp,
Baker, Johnson, e John Watson eram estudantes da Wayne State University ativos
no coletivo nacionalista Uhuru, que em alguns aspectos servia como a face
pública do RAM assim como o "Challenge" em Ohio e o "Soul
Students Advisory Council" na Califórnia. Watson, que aparentemente não
pertencia ao RAM, havia trabalhado com um número de organizações, incluindo o
Partido Liberdade Agora (um partido inteiro negro que apoiou o socialista
Clifton DeBerry para presidente em 1964), SNCC, e o Comitê de Ação Negra.
Diante do retorno de General Baker de Cuba, ele foi ainda mais fundo nos
círculos trabalhistas e esquerdistas de Detroit, aceitando um trabalho como
operário na principal fábrica Chrysler-Dodge e assistindo aulas sobre O Capital
de Marx com Marty Glaberman, um radical veterano da tendência Johnson-Forest
(um grupo dissidente do Partido dos Trabalhadores Socialistas liderado por C.
L. R. James e Raya Dunayevskaya que incluía James Boggs e Grace Lee Boggs).
O
"Inner City Voice (ICV)", o qual Watson começou a editar depois das
revoltas em Detroit em 1967, foi concebido como uma publicação revolucionária
que poderia criar laços entre radicais negros, particularmente estudantes e
ativistas trabalhistas, com a amplitude da comunidade negra. Tendo estudado os
trabalhos de Lênin, e num grau menor Stalin e Mao, os militantes que começaram
o ICV referiam-se ao jornal como "o foco de uma organização permanente
[que] poderia fornecer uma ponte entre os picos da atividade." E tentaram
viver conforme essa injunção: em 1968 Baker organizou uma discussão em grupo
constituída em grande parte de operários da principal fábrica Dodge no
escritório da ICV. Não muito depois—depois do "Vday" e do "May
Day", 1968, para ser exato—quatro mil operários na fábrica Dodge principal
saíram em uma greve espontânea, a primeira na fábrica em catorze anos e a
primeira organizada e liderada inteiramente por trabalhadores negros. A greve
era contra o aumento da velocidade da linha de montagem, que na semana anterior
havia sido aumentada de quarenta e nove carros por hora para cinquenta e oito.
Radicais sindicalistas negros caracterizaram as acelerações como parte de um
projeto maior de "niggermation," ou como um dos operários explicou, a
prática de contratar um operário negro para fazer o trabalho de três operários
brancos. Embora muitos dos piquetes fossem brancos, a maior represália da
companhia foi contra os operários negros. General Baker, acusado de liderar a
greve, estava entre os sumariamente demitidos. Em uma "Carta Aberta à
Corporação Chrysler," Baker escreveu: "Nesse dia e época ... a
liderança de uma greve espontânea é símbolo de honra e coragem... Vocês tomaram
a decisão de batalhar comigo e então batalhar com toda a comunidade negra dessa
cidade, desse estado, desse país e desse mundo do qual sou parte. Negros de
todo o mundo estão unidos em uma luta comum."
Não
importando que papel Baker desempenhou na greve, é claro que os indivíduos
envolvidos no grupo de estudos do ICV estavam à frente da mesma. Esse núcleo de
radicais operários com Baker e o grupo ICV deram origem ao DRUM—o Movimento
Sindicalista Revolucionário da Dodge. O espírito e a militância representados
pelo DRUM se espalharam para outras fábricas: ELRUM ascendeu da fábrica
"Eldon Avenue Gear and Axle", JARUM começou na "Chrysler
Jefferson Avenue", MERUM na "Mound Road Engine", CADRUM na "Cadillac
Fleetwood," FRUM na "Ford Rouge", e GRUM na "General
Motors". Embora muitos desses comitês envolvessem ativamente apenas um
número pequeno de operários, a propagação do movimento revelava o nível da
frustração e da raiva que operários negros sentiam tanto pela indústria
automotiva quanto pela liderança da União dos Operários Automobilísticos (UAW).
Desde
o início, radicais estudantes da Wayne State University estavam comprometidos a
formar o DRUM e outros movimentos revolucionários sindicalistas porque viam a
luta operária como uma arma fundamental contra o capitalismo. Além disso, em
uma instituição pública como a Wayne State na qual 10 porcento dos estudantes
eram negros, não era difícil encontrar estudantes nas fábricas durante
meio-período ou operários cujas crianças pularam para o movimento
revolucionário de primeira. Durantes as greves espontâneas na Dodge e na Eldon
Avenue, estudantes andaram nas linhas de piquete após embargos da corte terem
proibido operários em greve de chegar perto dos portões da fábrica. Então as distinções entre
"intelectuais" e "operários" foram um pouco apagadas. Como
Geoffrey Jacques, um negro nativo de Detroit ativo nas políticas radicais
durante 1970 lembra, "Eu andava no ônibus cheio de operários
automobilísticos indo para fábrica e sempre tinha alguém lendo Stalin, Lênin,
ou Mao. Parecia até que todo mundo era parte de algum grupo de estudos."
Não é
exagero dizer que a maioria dos líderes do DRUM se identificavam como
Marxistas-Leninistas-Maoístas ou Trotskistas de alguma vertente. Em grande
parte através do trabalho original do núcleo do ICV, mas com a adição
importante de operários que se tornaram ativos no chão de fábrica, a Liga
Operária Negra Revolucionária formou-se em 1969. Sua constituição chamava os
operários para "agir rapidamente para organizar organizações como o DRUM
onde quer que existissem operários negros, seja na cozinha de Lynn Townsend, na
Casa Branca, na Ford Rouge, no Mississipi Delta, nas planícies de Wyoming, nas
minas da Bolívia, nos seringais da Indonésia, nas jazidas de petróleo de
Biafra, ou na fábrica Chrysler na África do Sul." A crença da organização
de que uma revolução mundial era imanente e que os povos de cor mundo afora
estavam na vanguarda reflete a perspectiva Maoista característica do RAM.
Claro, quando Emie Allen tornou-se o diretor de educação política da Liga. Ele
lembrou que praticamente todos estavam lendo Mao e Giap (o teórico vietnamita
de luta de guerrilha). Não era incomum
os membros usarem a Revolução Chinesa como molde para entender a história da
luta dos operários negros. Além disso, ativistas da Liga liam mais que Mao:
estavam interessados em alguns dos movimentos da Nova Esquerda na Itália e na
França, particularmente Potere Operaio, Lotta Continua, e outras organizações
"trabalhistas" francesas. Allen trouxe algumas dessas discussões
acaloradas sobre os eventos mundiais para casa apresentando livros e artigos
sobre a história afro-americana do trabalho.
Apesar
de seu senso profundo de internacionalismo e sua visão radical do sindicalismo,
membros da Liga dividiam-se quanto a estratégia e tática. Um grupo, liderado
por General Baker, acreditava que o movimento deveria focar em lutas de chão de
fábrica, enquanto Watson, Mike Hamlin, e Cockrel sentiam que a Liga deveria
organizar comunidades negras além do ponto da produção. Um desenvolvimento de
sua aproximação comunitária foi a Conferência de Desenvolvimento Negro (BEDC)
na primavera de 1969. Sob o impulso do anterior líder do SNCC James Forman, que
havia chego recentemente a Detroit, a Liga tornou-se profundamente envolvida no
planejamento e andamento da conferência. Originalmente organizada pela Fundação
Inter-religiosa para Organizações Comunitárias, a conferência foi dominada pela
esquerda revolucionária em Detroit e produziu essencialmente uma chamada para o
socialismo negro. Pela BEDC veio a proposta de Forman para um manifesto Negro,
que exigia, entre outras coisas, quinhentos milhões de dólares por danos das
igrejas brancas.
O
trabalho na BEDC levou a liderança da Liga, da qual Forman agora era parte,
para longe de sua ênfase regional. Seus esforços levaram à fundação do
Congresso dos Operários Negros (BWC) em 1970. O BWC foi concebido mais ou menos
como uma aliança de sindicalistas revolucionários negros, e atraiu certo número
de movimentos Maoistas e nacionalistas de esquerda, incluindo a Organização
Porto Riquenha de Operários Revolucionários (que ajudaria a fundar a Liga
Operária Revolucionária) e o Partido Comunista (Marxista-Leninista). Forman foi
profundamente influenciado por Kathy Amatniek, uma teórica do movimento de
libertação feminina, com quem ele mantinha uma relação. Ela havia estudado
chinês em Harvard e apresentado uma conscientização baseada nas campanhas
"speak bitterness" da China. De acordo com Rosalyn Baxandall, uma das
integrantes fundadoras do grupo radical feminista Redstockings, Amatniek era
uma séria anti-revisionista que apreciava Stalin e simpatizava com a Albânia.
Eventualmente a BWC liderada por Forman tornou-se uma organização
Marxista-Leninista-Maoista em causa, clamando pelo controle dos operários sobre
a economia e o domínio do estado através de cooperativas, grupos de vanguarda,
centros comunitários, organizações estudantis, e ultimamente um partido
revolucionário. Com Forman no leme, o BWC pedia um fim a todas as formas de
racismo, imperialismo, acelerações e congelamentos salariais, e manifestava seu
apoio ao Governo Provisório Revolucionário do Vietnã do Sul.
Enquanto
isso, a base local da Liga começou a se desintegrar. Alguns ativistas da Liga,
como Chuck Wooten e General Baker, haviam sido demitidos e os movimentos
sindicalistas revolucionários mal funcionavam por volta de 1972. A
"Declaração de Políticas Gerais" da Liga, que baseava tudo na
necessidade por organizações vibrantes "como a DRUM", parecia ter
caído no esquecimento. As divisões entre os grupos líderes estava tão arraigada
que nenhum conseguia ouvir críticas do "outro lado" sem assumir
motivações hostis. Essas contradições vieram à tona quando Cockrel, Hamlin, e
Watson deixaram a Liga em junho de 1971 para formar o Congresso Operário Negro.
Em seu documento "O Rompimento na Liga Operária Negra Revolucionária: Três
Linhas e Sedes" eles se descreviam como "os proletários
revolucionários" e as duas outras tendências como "os pequeno-burgueses
oportunistas" e "o lumpemproletariado atrasado nacionalista
reacionário." Não muito depois de suas saídas da Liga, o núcleo
remanescente, liderado por General Baker, juntou-se a Liga Comunista sob a
liderança do Marxista negro veterano Nelson Peery. Alguns membros do Movimento
Sindicalista Revolucionário Dodge e da Liga Operária Negra Revolucionária ascenderam para posições de liderança dentro
do Partido Trabalhista Comunista (CLP) e moldaram significantemente sua
orientação industrial. Eles estudavam Mao e Stalin com mais rigor ainda e
construíram um partido altamente disciplinado em Detroit, centrado nas usinas e
fábricas. Embora a Liga (que se tornaria o Partido Trabalhista Comunista em
1972) tivesse aberto a Livraria China-Albânia em Detroit, ela nunca tentou operar
como uma organização de massa ou recrutar nos câmpus. Baker, especialmente,
permaneceu comprometido com a Liga Comunista através de todas suas
manifestações—como CLP, e mais recentemente, como Liga de Revolucionários.
Em
muitos aspectos, os líderes da Liga acabaram por ser ótimos Maoistas—quer se
identificassem ou não com Mao. Através de jornais e movimentos revolucionários
sindicalistas, sempre procuravam maneiras de relacionar sua análise política
geral às condições ao redor. Estabeleceram diretrizes estratégicas ao invés de
um diagrama rígido para organização. E constantemente se empenhavam na relação
entre intelectuais Marxistas, o que eram em grande parte, e os trabalhadores
que desejavam alcançar. Fazendo isso eles obtiveram sucesso em criar uma linguagem
revolucionária e torná-la acessível para os operários negros. Ainda assim a
promessa da Liga era também seu risco: quando o fenômeno dos movimentos
revolucionários sindicalistas começou a desvanecer, e as lutas lideradas por
eles foram derrotadas, a Liga em si foi colocada em questão. Como coloca Ken
Cockrel "Nós tínhamos de desenvolver uma noção do que fazer quando
operários são demitidos por atividade organizada, e você não está na posição de
alimentá-los, e não está na posição de forçar a gerência a aceitá-los de volta,
e não está na posição de relacionar-se concretamente a qualquer de suas
necessidades... Se não der resposta está na posição de ter tirado operários da
usina usando linhas anti-racistas, anti-imperialistas e anti-capitalistas e feito
o homem reagir não podendo fazer nada."
Mas
essa não é a história inteira. Talvez a maior tragédia da Liga foi o fracasso
de operários brancos no apoio aos movimentos revolucionários sindicalistas. Se
o UAW tivesse usado seus recurso para apoiar as exigências da Liga ao invés de
aliar-se às companhias automobilísticas para isolar e destruir os movimentos, o
resultado provavelmente teria sido diferente. Raça, mais uma vez, contribuiu
para a ruína de um movimento trabalhista americano potencialmente transformador.
Foi outra etapa de uma saga antiga (e duradoura).
O retorno da "Black Belt"
Segundo
a maioria dos relatos, uma ideologia Maoista explícita não emergiu na paisagem
política dos EUA até Mao ter iniciado a Grande Revolução Cultural Proletária em
1966. Um precursor da revolução irrompeu na China nove anos antes, quando Mao
pediu aos seus compatriotas "que cem flores desabrochem" e "que
cem correntes de pensamento rivalizem." Essa campanha era apenas fogo de
palha, de qualquer jeito, e foi rapidamente silenciada após flores demais
criticarem abertamente o Partido Comunista Chinês.
Mas a
Revolução Cultural era diferente. Hierarquias no partido e no Exército Vermelho
foram eliminadas ostensivamente. Crítica e auto-crítica foram
encorajadas—contanto que coincidissem com o pensamento de Mao Zedong.
Comunistas suspeitos de apoiarem um caminho capitalista foram levados a
julgamento. Intelectuais burgueses na academia e no governo deviam realizar
trabalho manual, para trabalharem em meio ao povo como uma maneira de derrubar
hierarquias sociais. E todos os vestígios da antiga ordem deveriam ser
eliminados. A juventude, agora a vanguarda, atacava a tradição com vingança e
procurava criar novas formas culturais de promover a revolução. O povo da China
foi chamado agora para educar-se. A Revolução Cultural intensificou os
elementos constituintes do Maoísmo: a ideia da rebelião e conflito constantes;
o conceito da centralidade do povo sobre as leis econômicas ou forças
produtivas; a noção da moralidade revolucionária.
Não
importa qual a perspectiva de alguém sobre a Revolução Cultural, projetada ao
mundo—particularmente para àqueles simpáticos a China e aos movimentos
revolucionários de forma geral—era uma visão de uma sociedade onde as divisões
entre os poderosos e os impotentes estavam manchadas, e onde o status e o
privilégio não necessariamente distinguiam os líderes dos liderados. Os
socialistas Paul Sweezey e Leo Huberman, editores do jornal socialista
independente "Monthly Review", reconheciam as enormes implicações de
tal revolução para a pobreza urbana dos Estados Unidos: "Só imagine o que
aconteceria nos Estados Unidos se um presidente convidasse os pobres deste
país, ênfase especial nos negros dos guetos urbanos, a vencerem a guerra contra
a pobreza por si mesmos, prometendo a eles proteção do exército contra
represálias!" É claro, os Estados Unidos não são um país socialista e
nunca pretenderam ser um, e apesar do alguma coisa de simpático presidente
Lyndon Johnson, negros nos Estados Unidos não eram tratados pelo estado como
"o povo." Seus problemas eram um ralo na sociedade e suas revoltas
ingratas e a proliferação de organizações revolucionárias não inspiravam muita
simpatia aos negros pobres.
Para
muitos da Nova Esquerda, afro-americanos eram não só "o povo" mas
também o setor mais revolucionário da classe operária. O ênfase da Revolução
Cultural na eliminação de hierarquias e no fortalecimento dos oprimidos
reforçava a ideia de que a libertação negra estava no coração da revolução
americana. O próprio Mao Zedong deu crédito a essa perspectiva em sua
declaração de abril de 1968 largamente publicada "Em Apoio a Luta
Afro-americana contra a Repressão Violenta." A declaração foi feita
durante uma manifestação em massa na China protestando o assassinato do Dr.
Martin Luther King Jr., na qual Robert Williams e Vicki Garvin estavam entre os
falantes. De acordo com Garvin, "milhões de manifestantes chineses"
marchavam na chuva para denunciar o racismo americano. Respondendo às rebeliões
desencadeadas pelo assassinato de King, Mao caracterizou essas revoltas urbanas
como "um novo toque de clarim para todos os povos explorados e oprimidos
dos Estados Unidos lutarem contra a liderança bárbara da classe capitalista
monopolista." Ainda mais que a declaração de 1963, as palavras de Mao
dotaram as revoltas urbanas de importância histórica no mundo da sublevação
revolucionária. Sua declaração, assim como a lógica geral da "teoria da
nova revolução democrática" de Lin Biao, justificava o apoio aos
movimentos nacionalistas negros e seu direito a autodeterminação.
Estava
no contexto das revoltas urbanas a convergência de várias ondas do radicalismo
negro, incluindo o RAM, para dar origem em Oakland, Califórnia ao Partido dos
Panteras Negras para Autodefesa. Talvez a organização negra mais visível
promovendo o pensamento de Mao Zedong, provavelmente também os menos sérios
sobre a leitura de escritos Marxistas, Leninistas, ou Maoístas e o
desenvolvimento de uma ideologia revolucionária. Fundado por Huey Newton e
Bobby Sealon, anterior membro do RAM, o Partido dos Panteras Negras foi bem
além dos limites da Merritt College e recrutou o
"lumpemproletariado." Muita da base engajada mais em propaganda do
que qualquer outra coisa, e sua bíblia sendo O Pequeno Livro Vermelho.
Que os
Panteras eram Marxistas, ao menos na retórica e no programa, era uma das fontes
da disputa com a organização dos EUA de Ron Karenga e outros grupos
ironicamente colocados como nacionalistas culturais. É claro, os Panteras não
só tinham sua própria agenda de nacionalismo cultural, mas os então chamados
nacionalistas culturais não eram nem um monólito nem eram uniformemente
pró-capitalismo. As divisões entre esses grupos foram exacerbadas pela
COINTELPRO. Ainda, havia uma diferença fundamental entre a ideologia socialista
em desenvolvimento dos Panteras e aquela dos grupos nacionalistas negros, até
mesmo na esquerda. Como explicou Bobby Seale em uma entrevista em março de
1969, "Estamos falando de socialismo. Os nacionalistas culturais dizem que
o socialismo não fará nada por nós. Existe uma contradição entre o novo e
velho. Negros não tem tempo de praticar racismo negro e as massas negras não
odeiam brancos só por causa da cor de sua pele... Não vamos lá fora
estupidamente e dizer que não há possibilidade de aliança com revolucionários
brancos honestos, ou outros povos pobres e oprimidos nesse país que podem vir a
ver a luz sobre o fato de que é do sistema capitalista que devem se
livrar."
Huey Newton e Zhou Enlai |
Como
os Panteras chegaram a essa posição e as divisões no partido sobre sua postura
é uma história longa e complicada que não podemos contar aqui. Para nossos
propósitos, queremos nomear algumas coisas sobre a adoção do partido do
pensamento de Mao Zedong e sua posição cara-a-cara a autodeterminação negra.
Para Huey Newton, cuja contribuição aos rivais ideológicos do partido era
aquela de Eldridge Cleaver e George Jackson, a fonte do Marxismo Pantera eram
as Revoluções Chinesa e Cubana precisamente porque suas análises vieram de suas
respectivas históricas e não das páginas do Capital. Os exemplos cubano e
chinês, de acordo com Newton, fortaleceram os Panteras para que desenvolvessem
seu próprio programa único e descartassem as percepções teóricas de Marx e
Lênin que tinham pouco ou nada de aplicação a realidade negra. Claro, uma
leitura rápida do "Programa de Dez Tópicos" dos Panteras revela
claramente que Malcolm X continuou a ser uma de suas maiores influências
ideológicas.
Eldridge
Cleaver era um pouco mais explícito sobre o papel do Maoismo e o pensamento do
líder comunista coreano Kim Il Sung em reformular o Marxismo-Leninismo em
benefício às lutas nacionais de libertação dos povos do Terceiro Mundo. Em um
panfleto de 1968 intitulado "Na Ideologia do Partido dos Panteras Negras
(Parte I)," Cleaver deixa claro que os Panteras eram um partido
Marxista-Leninista, mas acrescenta que Marx, Engels, Lênin e seus seguidos
contemporâneos não ofereciam muita perspectiva em entender e lutar contra o
racismo. A lição aqui é adotar e alterar o que é útil e rejeitar o que não é.
"Com a fundação da República Democrática Popular da Coréia em 1948 e da
República Democrática Popular da China em 1949," Cleaver escreveu,
"algo novo foi lançado ao Marxismo-Leninismo, e este deixou de ser um
fenômeno limitado, exclusivamente europeu. Camarada Kim II Sung e Camarada Mao
Tsé-Tung aplicaram os princípios clássicos do Marxismo-Leninismo às condições
de seus próprios países e então tornaram a ideologia algo útil para seus povos.
Mas rejeitaram a parte da análise que não era benéfica a eles e só tinha a ver
com a luta na Europa." Na visão de Cleaver, a crítica mais nítida da
cegueira Ocidental Marxista em relação a raça veio de Frantz Fanon.
Ao
verem-se como parte de um movimento de libertação nacional mundial, os Panteras
também falavam da comunidade negra enquanto colônia com um direito inerente a
autodeterminação. Ainda assim, diferente de muitos outros grupos Maoistas
negros ou inter-raciais, eles nunca pregaram a secessão ou a criação de um
estado separado. Ao invés, descrevendo negros como colonos era uma maneira de
caracterizar a natureza materialista do racismo; isso é, era mais uma metáfora
do que um conceito analítico. Autodeterminação era para ser entendida como
controle comunitário dentro do ambiente urbano, não necessariamente o
estabelecimento de uma nação negra. Em um jornal entregue na assembleia de
fundação do Partido Paz e Liberdade em março de 1968, Cleaver tentou esclarecer
a relação entre a revolução da unidade inter-racial nos EUA e, em suas
palavras, "libertação nacional na colônia negra." Ele clamou
essencialmente por uma aproximação na qual radicais negros e brancos
trabalhariam juntos para criar coalizões de organizações revolucionárias e
desenvolver o maquinário político e militar que poderia derrubar o capitalismo
e o imperialismo. Indo mais fundo, também clamou por um plebiscito patrocinado
pelas Nações Unidas que deixaria que os negros decidissem se queriam integração
ou secessão. Tal plebiscito, ele argumentou, traria clareza ao povo negro na
questão da autodeterminação, assim como os primeiros movimentos de
independência na África tinham de decidir se queriam manter um status de
domínio alterado ou alcançar a independência completa.
George Jackson |
Cleaver
representava uma parte do Partido dos Panteras Negras mais interessada na luta
de guerrilha do que na reconstrução da sociedade ou no trabalho duro da
organização de base. A atração dos Panteras por Mao, Kim II Sung, Giap, Che, e
nesse caso Fanon, era baseada nos escritos sobre violência revolucionária e nas
guerras populares. Muitos teóricos Panteras de estilo próprio focaram tanto no
desenvolvimento de táticas para sustentar a revolução imanente que pularam boa
parte dos escritos de Mao. Reconhecendo o problema, Newton pediu para retirar o
partido da ênfase na luta de guerrilha e na violência para levá-lo a uma
discussão mais profunda e rica da visão sobre o que o futuro poderia ocasionar.
Logo após ser solto da prisão em agosto de 1970, Newton propôs a criação de um
"Instituto Ideológico" onde os participantes realmente leriam e ensinariam
o que era conhecido como "clássico"—Marx, Mao, e Lênin assim como
Aristóteles, Platão, Plato, Rousseau, Kant, Kierkegaard, e Nietszche.
Infelizmente, o Instituto Ideológico não fez muito; poucos membros do Partido
viam o uso de teorias abstratas ou a relevância de alguns desses escritos para
a revolução. Além disso, o fato de que Citações do Presidente Mao era lido mais
ou menos como um guia para guerrilhas não ajudava muito. Até Fanon era lido
mais seletivamente, com seu capítulo "Sobre a Violência" sendo o
eterno favorito dos militantes. George Jackson contribuiu para a ênfase teórica
dos Panteras na guerra já que muitos de seus escritos, de "Irmão
Soledad" a "Sangue no Meu Olho", apoiavam-se em Mao
primariamente para discutir a resistência armada ao fascismo. Esforços para ler
os trabalhos de Marx, Lênin ou Mao para além dos assuntos relativos a rebelião
armada nem sempre encontravam uma grande audiência entre os Panteras. Sid
Lemmele, uma então ativista radical na California State University em Los Angeles,
lembra ter tido contato com alguns Panteras que entraram em um grupo de estudos
patrocinado pela Liga Comunista da Califórnia. A leitura, que incluía os Quatro Ensaios sobre
a Filosofia de Mao e passagens extensas de trabalhos selecionados de Lênin, acabou
sendo demais e os Panteras eventualmente deixaram o grupo em meio a um debate
tumultuoso.
Kathleen Cleaver, importante mulher dirigente do BPP |
Talvez
a seção menos lida de Citações do Presidente Mao, ao menos pelos homens, era o
capítulo de cinco páginas sobre as mulheres. Em uma época em que as metáforas
para a libertação negra eram crescentemente masculinizadas e líderes do
movimento negro não só ignoravam mas também perpetuavam a opressão de gênero,
até o mais Marxista dos movimentos nacionalistas negros diminuía a
"questão feminina." O Partido dos Panteras Negras certamente não era
exceção. É claro, foi durante a reunião histórica dos Estudantes por uma
Sociedade Democrática em 1969, onde os Panteras evocavam Marx, Lênin e Mao para
expulsarem o Partido Trabalhista Progressista por conta de sua posição na
questão nacional, que o ministro de informação Pantera Rufus Walls fez seu
infame discurso sobre a necessidade de ter mulheres no movimento porque elas
tinham um "pussy power." Embora a declaração de Walls fosse
claramente uma paródia nacional da frase de Mao que "as mulheres da China
são uma vasta reserva de força de trabalho [que]...deveria ser aproveitada na
luta para construção de um grande país socialista," acabou sendo uma
defesa profundamente antifeminista da participação feminina.
Enquanto
a história da própria China na "questão feminina" é bem sombria, o
dito de Mao de que "as mulheres sustentam metade do céu" assim como
seus escritos breves sobre igualdade e a participação feminina no processo
revolucionário dotaram a libertação feminina de alguma legitimidade
revolucionária na esquerda. É claro, o Maoismo não fez o movimento: fato é, as
lutas das mulheres dentro da Nova Esquerda desempenharam seu papel mais
importante ao reformular movimentos da esquerda em direção a uma pauta
feminista, ou ao menos colocar o feminismo em discussão. Mas para as mulheres
negras dos Panteras que eram suspeitas de "feminismo branco," a
linguagem de Mao sobre a igualdade entre gêneros abriu espaço dentro do partido
para o desenvolvimento de uma pauta feminista negra insipiente. Como ministra
da informação recém-nomeada, a Pantera Elaine Brown anunciou a uma conferência
de imprensa logo após retornar da China em 1971 que "o Partido dos
Panteras Negra reconhece a liderança progressiva dos camaradas Chineses em todas
as áreas da revolução. Especificamente, apoiamos o reconhecimento correto da
China do status de igualdade da mulher ao homem."
Para
além da retórica, mulheres negras Panteras como Lynn French, Kathleen Cleaver,
Erica Huggins, Akua Njere, e Assata Shakur (anteriormente Joanne Chesimard)
tinham o costume de abrirem espaço entre as organizações existentes dominadas
por homens para desafiar as múltiplas formas de exploração que as operárias
negras enfrentavam diariamente. Durante os cafés da manhã e programas educacionais
dos Panteras, mulheres negras desenvolviam estratégias que, em vários níveis,
desafiavam o capitalismo, o racismo e o patriarcado. Em alguns casos, mulheres
radicais afro-americanas ascenderam a posições de destaque e, algumas vezes por
puro exemplo, contribuíam no desenvolvimento de uma perspectiva militante
classista e feminista negra. As figuras mais importantes a respeito incluem
Kathleen Cleaver, Erica Huggins, Elaine Brown, e Assata Shakur. Em alguns
casos, a força crescente da perspectiva de esquerda negra e feminista, escorada
por certos slogans Maoistas sobre a questão feminista, moldou futuras formações
Maoistas negras. Um exemplo óbvio é o Partido da Vanguarda Negra, outro grupo
Maoista da Baía do Leste ativo da metade ao final dos anos 70 cuja publicação
"Juche!" mantinha uma consistente perspectiva socialista-feminista.
Michelle Gibs (também conhecida como Michelle Russell, seu nome de casada na
época) promovia uma ideologia feminista negra em Detroit enquanto apoiadora da
Liga Operária Negra Revolucionária e como membro do Congresso Operário Negro.
Como um bebê de fraldas vermelhas cujo pai, Ted Gibbs, havia lutado na Guerra
Civil Espanhola, e que cresceu em uma casa onde Paul Robeson e a artista
Elizabeth Catlett eram convidados ocasionais, a perspectiva
socialista-feminista negra de Gibbs desabrochou de sua experiência política;
dos escritos de autoras feministas negras; e de uma panóplia de pensadores
radicais indo desde Malcolm, Fanon, e Cabral a Marx, Lênin, e Mao.
Reciprocamente, a organização radical feminista predominantemente branca
Redstockings não só era influenciada pelos escritos de Mao mas também
modelou-se de alguma forma a partir do movimento Black Power, particularmente
de suas estratégias separatistas e sua identificação com o Terceiro Mundo.
Ironicamente,
a maior identificação do Partido dos Panteras Negras com a China ocorreu no
momento em que o status do país entre a esquerda começou a decair. A
complacência de Mao em hospedar o presidente Nixon e o apoio da China aos
governos repressivos do Paquistão e do Sri Lanka deixaram muitos Maoistas nos
Estados Unidos e em outros lugares desiludidos. Apesar disso, Huey Newton e
Elaine Brown não só visitaram a China às vésperas da viagem de Nixon mas também
anunciaram que sua entrada na política eleitoral era inspirada pela entrada da
China nas Nações Unidas. Newton argumentou que a mudança dos Panteras Negras em
relação às políticas reformistas eleitorais não contradizia "o objetivo da
China de desbancar o imperialismo dos EUA ou [era] uma abnegação dos princípios
revolucionários. Era uma tática da revolução socialista." Ainda mais
incrível era o abandono completo de Newton da autodeterminação negra, que ele
explicou aos termos do desenvolvimento da economia mundial. Em 1971, ele
concluiu previdentemente que a globalização do capital fez da ideia da
soberania nacional obsoleta, até mesmo entre os países socialistas. Então as
demandas negras pela autodeterminação não era mais relevantes; a única
estratégia viável era a revolução global. "Negros nos EUA têm a tarefa
especial de desistir de clamar por qualquer nação agora mais do que nunca. Os
EUA nunca foram nosso país; e realisticamente não há território para clamarmos.
De todos os oprimidos do mundo, nós estamos na melhor posição para inspirar a
revolução global."
Em
muitos aspectos, a posição de Newton sobre a questão nacional estava mais perto
da de Mao do que a maioria das organizações Maoistas que apareceram no começo e
no final dos anos 70. Apesar de suas próprias declarações a favor dos
movimentos de libertação nacional e da "teoria das revoluções
democráticas" de Lin Biao, Mao não apoiava organizações independentes de
linha nacionalista. Para ele, o nacionalismo negro parecia particularismo
étnico/racial. Ele era, afinal, um nacionalista chinês tentando unificar
camponeses e proletários e eliminar divisões étnicas em seu próprio país.
Devemos retomar sua declaração de 1957 na qual ele pedia que os progressistas
na China "ajudassem a unir as pessoas de várias nacionalidade...não
dividí-las." Assim enquanto reconhecendo que o racismo é um produto do
colonialismo e do imperialismo, sua declaração de 1968 insiste que "a
contradição entre as massas negras nos Estados Unidos e a classe vigente é uma
contradição de classes... As massas negras e as massas de operários brancos nos
Estados Unidos têm interesses em comum e objetivos em comum para lutar
por." Em outras palavras, a luta negra está destinada a fundir-se com o
movimento operário e derrubar o capitalismo.
No
assunto da libertação negra, de qualquer jeito, a maioria das organizações
americanas Maoistas fundadas do começo ao final dos anos 70 tomaram como líder
Stalin, não Mao. Negros nos Estados Unidos não eram simples operários de pele
negra mas sim uma nação—ou como Stalin coloca, "uma comunidade
historicamente desenvolvida e estável de linguagem, território, vida econômica,
e psicologia manifestadas em uma comunidade de cultura." Os grupos
anti-revisionistas que abraçaram a definição de Stalin de nação, como o Partido
Trabalhista Comunista (CLF) e a Liga de Outubro, também ressuscitaram a antiga
posição do Partido Comunista de que afro-americanos na região do black belt no
sul constituíam uma nação e tinham o direito de se separarem se desejassem. Por
outro lado, grupos como o Partido Trabalhista Progressista—uma vez pregadores
do "nacionalismo revolucionário"—mudaram para uma posição de repúdio
a todas formas de nacionalismo logo no início da Revolução Cultural.
O CLP
era talvez o pregador mais consistente da autodeterminação negra entre os
movimentos anti-revisionistas. Fundado em 1968 em grande parte por latinos e
afro-americanos, as raízes do CLP podem ser encontradas no antigo Comitê de
Organização Provisória (POC)—em si uma vertente do rompimento de 1956 do CPUSA
que levou a criação do "Hammer and Steel" e do movimento Trabalhista
Progressista. Assolado por uma década de rompimentos internos, o POC havia
tornado-se uma organização predominantemente negra e porto-riquenha dividida
entre Nova Iorque e Los Angeles. Em 1968, a liderança nova iorquina expulsou
seus camaradas de L.A. por, entre outras coisas, se recusarem a denunciar
Stalin e Mao. Em resposta, o grupo de L.A., em grande parte sob a liderança do
Marxista negro veterano Nelson Peery, fundou a Liga Comunista da Califórnia
naquele mesmo ano e passou a recrutar jovens negros, radicais operários
chicanos e intelectuais. A casa de Peery no centro-sul de Los Angeles já havia
se tornado algo de um ponto de encontro para jovens radicais negros depois da
revolta de Watts; lá, ele organizava grupos informais para estudar história,
economia política, e trabalhos clássicos do Marxismo-Leninismo-Maoísmo e
entretinha todo tipo de ativista, incluindo Panteras Negras e estudantes
ativistas da Cal State Los Angeles até a L.A. Community College. A Liga
Comunista da Califórnia subsequentemente fundiu-se com um grupo de militantes
do SDS chamado de Associação dos Trabalhadores Marxistas-Leninistas e formou a
Liga Comunista em 1970. Dois anos depois eles mudaram seu nome novamente para Partido
Trabalhista Comunista.
Exceto
por, talvez, o longo ensaio de Harry Haywood "Em Direção a Uma Posição
Revolucionária na Questão Negra," o curto livro de Nelson Peery "A
Questão Nacional Colonial Negra" (1972) era provavelmente a defesa da
autodeterminação negra mais bem lida em círculos Marxistas-Leninistas-Maoístas
na época. Peery era rispidamente criticado por sua defesa do termo
"Negro," uma posição difícil para manter em meio ao movimento Black
Power. Mas Peery tinha um ponto: identidade nacional não significava cor. A
nação Negra era uma comunidade estável, desenvolvida historicamente com sua
própria cultura, língua (ou, melhor, dialeto) e território—a região do black
belt e áreas ao redor, ou essencialmente, treze estados da Antiga Confederação.
Porque brancos sulistas compartilhavam um território em comum com os
afro-americanos, e pelas contas de Peery uma linguagem e cultura em comum, eles
também eram considerados parte da "nação Negra." Mais precisamente,
brancos sulistas eram compreendidos como a "minoria anglo-americana"
dentro da nação Negra. Como evidenciado na soul music, no spiritual e no
rock'n'roll, Peery insisitia que o que emergiu no sul era uma cultura híbrida
com fortes raízes africanas manifestadas na forma de lendas de escravos e bandanas
femininas. Jimi Hendrix e Sly and the Family Stone, assim como imitadores
brancos como Al Jolson, Elvis Presley, e Tom Jones, eram todos citados como
exemplos de uma cultura compartilhada. Peery via a cultura do "soul"
embutida na vida cotidiana; por exemplo, "o costume de comer pé de porco,
ossos de pescoço, ervilhas pretas, verdes, e tripas está todo associado com a
região do sul, particularmente com a Nação Negra."
A
colocação de Peery dos brancos sulistas como parte da Nação Negra era uma jogada
de mestre, particularmente já que uma de suas intenções era desestabilizar
categorias raciais. Apesar disso, por vezes seu comprometimento com a definição
de Stalin de uma nação enfraquecia seu argumento. No exato momento quando a
migração em massa e a urbanização esvaziavam o sul rural de sua população
negra, Peery insistia que a black belt era a terra natal dos Negros. Ele até
tentou provar que um campesinato negro e um proletariado rural estável ainda
existiam na black belt. Pela questão agrária ser a fundação sobre a qual seu
entendimento de autodeterminação havia sido construído, ele acaba dizendo muito
pouco sobre a nacionalização da indústria ou sobre a produção socializada.
Então ele pôde escrever em 1972 que "a questão nacional colonial negra só
pode ser resolvida pelo devolvimento da terra ao povo que labutou sobre ela
durante séculos. Na Nação Negra essa distribuição de terras exigirá uma
combinação de fazendas estatais e sociedades cooperativas com a intenção de
melhor atender às necessidades do povo sob a condição da agricultura moderna
mecanizada."
O
Partido Comunista (Marxista-Leninista) (CP-ML) também promovia uma versão da
tese da black belt, herdada da sua encarnação anterior como a Liga de Outubro.
O CP (ML) foi formado através de uma fusão entre a Liga de Outubro, baseada
majoritariamente em Los Angeles, e a Liga Comunista de Geórgia em 1972. Muitos
de seus membros fundadores vieram do Movimento Juvenil Revolucionário II (uma
facção do SDS), e um punhado eram renegados da Velha Esquerda como Harry
Haywood e Otis Hyde. A presença de Haywood no CP (ML) era significante já que
ele é considerado um dos arquitetos da tese original da black belt formulada no
Sétimo Congresso da Internacional Comunista em 1928. De acordo com a formulação
atualizada do CP (ML), afro-americanos tinham o direito de separarem-se
"para sua terra natal no sul da Black Belt." Mas adicionaram a
ressalva de que o reconhecimento do seu direito a autodeterminação não
significava que a secessão fosse a solução mais apropriada. Também apresentaram
a ideia de que autonomia regional (ou seja, que as concentrações urbanas de
afro-americanos também poderiam exercer a autodeterminação em suas próprias
comunidades) e estenderam o slogan da autodeterminação aos chicanos,
porto-riquenhos, asiáticos-americanos, nativos americanos, e povos indígenas
das colônias dos EUA (nas Ilhas do Pacífico, Havaí, Alasca, etc.) Eram
seletivos com que tipo de movimentos nacionalistas eles apoiariam, prometendo
apoiar apenas o nacionalismo revolucionário e opor-se ao nacionalismo
reacionário.
A
União Revolucionária, uma vertente da União Revolucionária da Baía do Leste
(BARU) fundada em 1969 com o apoio de ex-membros da CPUSA que haviam visitado a
China, assumiu a posição de que o povo negro constituía "uma nação
oprimida de um novo tipo." Porque os negros eram primariamente operários
concentrados nas áreas urbanas e industriais (o que eles chamavam de
"estrutura de classe deformada"), eles discutiam que a
autodeterminação não deveria tomar a forma da secessão mas sim realizar-se
através da luta contra a discriminação, exploração, e repressão polícia nos
centros urbanos. Em 1975, quando a União Revolucionária transformou-se no
Partido Comunista Revolucionário (RCP), ela continuou a abraçar a ideia de que
os negros constituíam uma nação de um novo tipo, mas também passou a sustentar
"o direito dos negros de retornarem e reivindicarem sua terra natal."
Não surpreendentemente, essas duas frases contraditórias causaram confusão,
levando então os líderes do RCP a adotarem uma posição insustentável de defesa
ao direito da autodeterminação sem advogá-la. Dois anos depois, eles largaram o
direito a autodeterminação de vez, e como o PLP, travaram guerra a todas as
formas de nacionalismo "limitado".
Amiri Baraka |
Diferente
de qualquer organizações Maoistas mencionadas acima, a Liga Comunista
Revolucionária (RCL)—fundada e liderada por ninguém menos que Amiri
Baraka—cresceu diretamente dos movimentos nacionalistas culturais do final dos
anos 60. Para entender as mudanças de posição da RCL (e de seus precursores) em
respeito à libertação negra, precisamos voltar a 1966 quando Baraka fundou a
Spirit House em Newark, Nova Jérsei, com a ajuda de ativistas locais e de um
pessoal com quem ele havia trabalhado no Teatro de Repertório das Artes Negras
de Harlem. Enquanto artistas da Spirit House estavam envolvidos na organização
política local desde o início, o espancamento de Baraka e outros ativistas pela
polícia durante a revolta de Newark em 1967 os politizou ainda mais. Após a
revolta eles ajudaram a organizar uma conferência Black Power em Newark que
atraiu alguns líderes nacionais negros, incluindo Stokely Carmichael, H. Rap
Brown, Huey P. Newton dos Panteras Negras, e Imari Obadele da recentemente
formada República da Nova África (parcialmente uma vertente do RAM). Pouco
tempo depois, a Spirit House tornou-se a base do Comitê por uma Newark
Unificada (CFUN), uma nova organização feita da "United Brothers", da
Comunidade Negra de Defesa e Desenvolvimento, e da "Sisters of Black
Culture". Em adição a atração de nacionalistas negros, muçulmanos, e até
mesmo alguns Marxistas-Leninistas-Maoístas, CFUN carregava o marco da
organização dos EUA de Ron Karenga. É claro, a CFUN adotou a versão de Karenga
de nacionalismo cultural e trabalhava de perto com ele. Embora tensões
surgissem entre Karenga e alguns dos ativistas de Newark por conta de seu
tratamento para com as mulheres e da estrutura de liderança super centralizada
importada da organização dos EUA, o movimento continuou a crescer. Em 1970,
Baraka renomeou a CFUN de Congresso dos Povos Africanos (CAP), transformou-a em
organização nacional, e na convenção de fundação rompeu com Karenga. Líderes do
CAP criticavam rispidamente o nacionalismo cultural de Karenga e tomaram
decisões que refletiam uma virada para a esquerda—incluindo uma proposta para
arrecadar fundos para ajudar a construir a ferrovia Tanzânia-Zâmbia.
Alguns
fatores contribuíram para a "virada" de Baraka para a esquerda
durante esse período. Tinha algo a fazer com a lição dolorosa que aprendera
sobre as limitações dos políticos negros "pequeno-burgueses". Depois
de desempenhar um papel essencial na eleição de Kenneth Gibson, o primeiro
prefeito negro de Newark, em 1970, Baraka testemunhou um aumento na repressão
policial (incluindo ataques à manifestantes do CAP) e um fracasso da parte de
Gibson ao cumprir o que havia prometido a comunidade afro-americana.
Sentindo-se traído e desiludido, Baraka rompeu com Gibson em 1974, embora não
tivesse desistido inteiramente do processo eleitoral. Seu papel na organização
da primeira Assembleia Política Nacional Negra em 1972 reforçou em sua cabeça o
poder da política independente negra e a força em potencial de uma frente unida
negra.
Uma
das fontes da "virada" de Baraka à esquerda foi o coordenador
regional do CLP da Costa Leste William Watkins. Harlem nascida e criada,
Watkins esteve entre o grupo de estudantes radicais negros da Cal State Los
Angeles que ajudaram a fundar a Liga Comunista. Em 1974 Watkins conheceu
Baraka, que procurava alguém para aperfeiçoar seu entendimento do
Marxismo-Leninismo. "Nós passaríamos horas em seu escritório,"
Watkins lembra, "discutindo os básicos como a mais valia." Por três
meses, Baraka encontrava-se regularmente com Watkins, que o ensinou o
fundamental da economia política e tentou lhe expor as limitações do
nacionalismo cultural. Esses encontros certamente influenciaram a virada
esquerdista de Baraka, mas quando Watkins e Nelson Peery pediram a Baraka para
que se juntasse ao CLP, ele recusou. Embora apreciasse o
Marxismo-Leninismo-Maoísmo, ele não estava pronto para fazer parte de uma
organização multiracial. A luta negra era a primeira e a principal.
É
conveniente que a fonte mais importante da radicalização de Baraka tenha vindo
da África. Assim como a virada à esquerda de Baraka depois de 1960 foi
inspirada pela Revolução Cubana, a luta no sul da África incitou sua virada à
esquerda pós-1970. O evento chave foi a criação do Comitê de Apoio à Libertação
Africana em 1971, o que originou-se de um grupo de nacionalistas negros
liderados por Owusu Sadaukai, o diretor da Malcolm X Liberation University em
Greensboro, Carolina do Norte, que tinha viajado a Moçambique sob a égide da
FRELIMO (Frente pela Libertação de Moçambique). O presidente da FRELIMO, Samora
Machel (que, coincidentemente, estava na China ao mesmo tempo que Huey Newton),
e outros militantes persuadiram Sadaukai e seus colegas de que o papel mais
útil que afro-americanas poderiam desempenhar em apoio ao anticolonialismo era
desafiar o capitalismo americano de dentro e deixar o mundo saber a verdade
sobre a justa guerra contra a dominação portuguesa. Um ano depois Amilcar
Cabral, o líder do movimento anticolonial na Guiné-Bissau e nas Ilhas do Cabo
Verde, disse essencialmente a mesma coisa durante sua última visita aos Estados
Unidos. Ademais, Cabral e Machel representavam movimentos Marxistas
explicitamente; eles rejeitavam a ideia de que sociedades da África
pré-colonial eram intrinsecamente democráticas e que praticavam uma forma de
"comunismo primitivista" que poderia servir de base para um
socialismo moderno. Ao invés; eles declaravam que sociedades africanas não
estavam imunes às lutas de classe, e que o capitalismo não era a única via para
o desenvolvimento.
O
Comitê de Apoio a Libertação Africana refletia a orientação radical dos
movimentos de libertação na África Portuguesa. 27 de maio de 1972 (o
aniversário da fundação da Unidade de Organização Africana), a ALSC realizou a
primeira manifestação do Dia da Libertação Africana, atraindo aproximadamente
trinta mil manifestantes só em Washington, e mais estimados trinta mil no resto
do país. O Comitê de Coordenação do Dia da Libertação Africana consistia em
representantes de várias organizações nacionalistas e esquerdistas negras,
incluindo a Organização Juvenil pela Unidade Negra (YOBU); o Partido
Revolucionário do Povo Africano (AAPRP), liderado por Stokely Carmichael (Kwame
Toure); a Organização Popular Pan-Africana; e o Maoista Congresso Operário
Negro. Porque a ALSC juntou uma variedade tão grande de ativistas negros,
tornou-se arena de debate sobre a criação de uma pauta radical negra. Enquanto a maioria dos organizadores da ALSC
eram ativamente anti-imperialistas, o número de Marxistas negros em posições de
liderança acabou sendo motivo de discórdia. Além de Sadaukai, que desempenharia
um papel principal na Maoísta Liga Operária Revolucionária (RWL), os principais
líderes da ALSC incluíam Nelson Johnson (futuro líder do Partido Comunista
Operário) e o escritor/organizador brilhante Abdul Alkalimat. Já em 1973,
rompimentos ocorreram dentro da ALSC por conta do papel dos Marxistas, embora
quando a poeira abaixou um ano depois, Marxistas da RWL, do BWC e do Congresso
Operário Revolucionário (uma ramificação do BWC), do CAP, e da Organização Perspectiva
Operária (precursora do Partido Comunista Operário) saíram vitoriosos.
Infelizmente, disputas e sectarismo internos se provaram como sendo demais para
a ALSC. A política externa chinesa deu o golpe final; seu apoio a UNITA durante
a Guerra Civil Angolana de 1975 e a sugestão do vice primeiro-ministro Li
Xiannian de que o diálogo com a África do Sul branca era melhor que a
insurreição armada, colocou Maoistas da ALSC em uma posição difícil. Dentro de
três anos a ALSC havia entrado em colapso completo, levando a um final infeliz
o que seria talvez a mais dinâmica organização anti-imperialista da década.
Todavia,
a experiência de Baraka com a ALSC alterou profundamente seu raciocínio. Como
ele relembra em sua autobiografia, na época da primeira manifestação do Dia da
Libertação Africana em 1972, ele estava "indo para a esquerda, eu estava
lendo Nkrumah e Cabral e Mao." Dentro de dois anos eles estava chamando
membros do CAP para examinar “a experiência revolucionária
internacional—nomeadamente as Revoluções Russa e Chinesa—e integrá-la na
prática da revolução Afrikana." Sua lista de estudos cresceu para incluir
trabalhos como os Quatro Ensaios em Filosofia de Mao Zedong, as Fundações do
Leninismo de Stalin e a História do Partido Comunista da União Soviética (Curta
Duração). Por volta de 1976, o CAP havia dispensado todos vestígios de
nacionalismo, mudado seu nome para Liga Revolucionária Comunista, e procurava
reformar-se como um movimento Marxista-Leninista-Maoista multirracial. Talvez
como modo de estabelecer suas amarras ideológicas enquanto movimento
anti-revisionista, a RLC seguiu a tradição nobre de ressuscitar a tese da black
belt. Em 1977, a organização publicou um jornal intitulado The Black Nation que
analisava movimentos de libertação negra de uma perspectiva
Marxista-Leninista-Maoista e concluía que negros no sul e nas cidades grandes
constituíam uma nação com o direito inerente a autodeterminação. Enquanto
rejeitava a "integração burguesa," o ensaio discutia que a luta pelo
poder político negro era central à luta pela autodeterminação.
A RCL
tentou por em prática sua visão de autodeterminação através de esforços para a
construção de uma Frente Unida Negra. Organizaram coalizões contra a
brutalidade policial, mobilizaram apoio aos operários grevistas de uma
cafeteria e técnicos de manutenção, criaram um Comitê Popular da Educação para
impedir cortes de orçamento e formular uma política educacional, e protestaram
a decisão Bakke. As organizações e coalizões das raízes da RCL os colocaram em
contato com a Liga do Luta Revolucionária (LRS), um movimento baseado na
Califórnia formado da fusão entre I Wor Kuen, a organização Maoista
chinesa-americana, e o predominantemente chicano Movimento 29 de Agosto
(Marxista-Leninista). EM 1979, a RCL e a LRS decidiram unir-se, e umas das
fundações de seu programa conjunto era o apoio a tese da black belt. Como
resultado da fusão e dos debates precedentes, a posição da RCL mudou
minimamente: o povo negro sulista e os chicanos do sudoeste constituíam as
nações oprimidas com direito a autodeterminação. Por contraste, para os negros
trancados em guetos do norte a luta por direitos iguais obviamente prevalecia
sobre a questão agrária.
Invariavelmente
a fusão teve vida curta, em parte por conta de desacordos sobre o assunto da
autodeterminação e a presença contínua do que membros da LRS chamavam de
"nacionalismo limitado" na RCL. A presidente da LRS Carmen Chang
nunca foi confortável com a tese da nação negra mas tinha aceitado a posição
pela unidade. O grupo de Baraka, por outro lado, nunca havia abandonado a
unidade negra pela luta de classes multirracial. E como um artista de raízes
fundas no movimento das Artes Negras, Baraka persistentemente colocava suas
visões culturais e políticas nas contradições da vida negra sob o capitalismo,
imperialismo e racismo. Para Baraka, assim como para muitos dos personagens
discutidos nesse ensaio, não era um simples caso de nacionalismo limitado. Pelo
contrário, entender o lugar da opressão racista e da revolução negra dentro do
contexto capitalista e imperialista era fundamental ao futuro da humanidade. Na
tradição de Du Bois, Fanon e Harold Cruse, Baraka insistia que o proletariado
negro (antes colonial) era a vanguarda da revolução mundial, "não por
conta de algum charlatanismo místico mas por conta do nosso lugar na história
objetiva... Somos a vanguarda porque estamos no fundo, e quando nos levantarmos
para ficarmos de pé tudo que estiver sobre nós desabará."
Ademais,
apesar da imersão de Baraka na literatura Marxista-Leninista-Maoista, seu
próprio trabalho cultural sugere que ele sabia, assim como a maioria dos
radicais negros, que a questão do povo negro constituir uma nação ou não não
seria resolvida através da leitura de Lênin ou Stálin ou da ressurreição de M.
N. Roy. Se a questão um dia poderia ser resolvida, para melhor ou para pior,
seria no terreno da cultura. Enquanto o movimento das Artes Negras era o
veículo primário para a revolução cultural negra nos Estados Unidos, é difícil
imaginar com o que a revolução se pareceria sem a China. Radicais negros se
aproveitaram da Grande Revolução Proletária e a reformularam à sua própria
imagem.
A Grande Revolução Cultural (Negra) Proletária
Menos
de um ano na Revolução Cultural, Robert Williams publicou um artigo no Crusader
intitulado "Reconstituir a Arte Afro-americana para Reformar as Almas
Negras." Enquanto a chamada de Mao para uma revolução cultural significava
livrar-se dos vestígios (culturais entre outros) da velha ordem, Williams—não
diferente de outros membros do movimento das Artes Negras nos Estados
Unidos—falava de livrar a cultura negra de uma "mentalidade escrava."
Embora adotando um pouco da linguagem do manifesto do CCP (a "Decisão do
Comitê Central do Partido Comunista Chinês em Relação à Grande Revolução Cultural
Proletária", publicada em 12 de agosto de 1966, no Peking Review), o
ensaio de Williams procurava construir sobre a ideia não sobre a ideologia da
Revolução Cultural. Como Mao, ele chamou os artistas negros para abandonar os
grilhões das antigas tradições e fazer arte apenas a serviço da revolução.
"O artista afro-americano deve fazer um esforço resoluto e consciente para
reconstituir nossa forma artística e reformular a nova alma negra orgulhosa e
revolucionária... Deve criar uma nova teoria e direção e preparar nosso povo
para uma luta mais amarga, sangrenta e demorada contra a tirania racista e a
exploração. A arte negra deve atender aos melhores interesses do povo negro.
Deve tornar-se uma arma poderosa no arsenal da Revolução Negra." Os líderes
do RAM concordaram. Um documento interno do RAM circulou em 1967, intitulado
"Algumas Questões Sobre o Período Presente," clamando por uma
revolução cultural negra em larga escala nos Estados Unidos cujo propósito
seria "destruir os hábitos, atitudes, maneiras, costumes, filosofias,
hábitos, etc. opressivos condicionados pelos brancos, que o opressor nos
ensinou e treinou para ter. Isso significa em grande escala uma nova cultura
revolucionária." Também significava um fim aos cabelos processados,
clareamentos de pele, e outros símbolos do "papagueamento" da cultura
dominante. É claro, a revolução tinha como alvo não apenas os negros burgueses
assimilados mas também barbeiros e esteticistas.
A
promoção consciente da arte como arma da libertação negra não é nada nova—pode
ser encontrada ao menos na esquerda da Renascença de Harlem, se não
anteriormente. E o movimento das Artes Negras nos Estados Unidos, sem mencionar
praticamente todos os outros movimentos de libertação nacional contemporâneos,
levava essa ideia muito a sério. Fanon o diz no "Os Condenados da
Terra," tradução em inglês do que estava pegando fogo durante a época.
Ainda, a Revolução Cultural na China assomava grande. Afinal, muitos se não a
maioria dos nacionalistas negros eram familiares com a China e haviam lido Mao,
e mesmo se não reconhecessem ou tornassem explícitas as influências de ideias
Maoistas na necessidade da arte revolucionária ou na natureza prolongada da
revolução cultural, as comparações são todavia impressionantes. Considere o
manifesto de 1968 "Nacionalismo Cultural Negro" de Maulana (Ron)
Karenga. Publicado primeiro na Negro Digest, o ensaio derivou muitas de seus
ideias do "Conversas no Fórum Yenan sobre Literatura e Arte" de Mao.
Como Mao, Karenga insistia que toda arte deveria ser julgadas por dois
critérios—"artístico" e "social" ("político");
que toda arte revolucionária deve ser para as massas; e que, nas palavras de
Karenga, a arte "deve ser funcional, isto é útil, como não podemos aceitar
a doutrina falsa da 'arte pela arte'." Podemos definitivamente ver a
influência do Maoismo nos esforços de Karenga para criar uma cultura
revolucionária alternativa. È claro, os sete princípios da unidade Kwanzaa (o
feriado afro-americano que Karenga inventou e celebrou pela primeira vez em 1967),
autodeterminação, trabalho coletivo e responsabilidade, economia coletiva
(socialismo), criatividade, propósito e até mesmo fé—são quase tão harmônicos
com as ideias de Mao quanto com a cultura "tradicional" africana. E
não é coincidência, talvez, que ao menos um dos princípios, Ujamaa, ou
"economia cooperativa," era a base da famosa Declaração de Arusha de
1964 da Tanzânia sob o presidente Julius Nyerere—sendo a Tanzânia a primeira e
mais importante aliada da China na África.
John Oliver Killens |
Embora
a dívida de Karenga com Mao passasse despercebida, O PLP tomou conhecimento. O
jornal do PLP, Challenge, publicou um artigo mordaz que atacava o movimento
inteiro das Artes Negras e seus teóricos. Intitulado "a Agitação [LeRoi]
Jones-Karenga: "Rebeldes" Culturais Nos Enganam," o artigo
caracterizava Karenga como um "pseudo-intelectual" que "havia
lido inteiramente as Conversas sobre Literatura e Arte de Mao". Na verdade
ele pode citar esse trabalho como se tivesse o escrito. O que ele fez com esse
clássico Marxista foi tirar seu espírito—a luta de classes—e substituir por
luta nenhuma. Em adição ele coloca 'arte' sobre política e FAZ DA ARTE A
REVOLUÇÃO." "'Nacionalismo cultural:" o artigo continuava,
"não só é idolatrar os aspectos mais reacionários da história africana. Vai
tão longe quanto medir o comprometimento revolucionário de alguém pelas roupas
que veste! Isso é parte da "consciência Negra.'"
Claro,
a revolução tornou-se um tipo de arte, ou mais precisamente, um estilo
distinto. Se eram afros ou dashikis ou jaquetas de couros e bandanas, a maioria
dos revolucionários negros nos Estados Unidos desenvolveu seu próprio critério
estético. No mundo editorial, O Pequeno Livro Vermelho de Mao causou um
tremendo impacto nos estilos literários dos círculos radicais negros. A ideia
de que um livro de bolso de citações enérgicas e aforismos pudesse conter uma
variedade de assuntos, desde comportamento ético, pensamento e prática
revolucionária, desenvolvimento econômico, filosofia, etc., era atraente para
muitos ativistas negros, independentemente de alianças políticas. O Pequeno
Livro Vermelho incitou uma indústria artesanal de livros miniatura de citações
expressadamente para militantes negros. O Livro Negro, editado por Earl Ofari
Hutchison (com ajuda de Judy Davis), é um dos casos. Publicado pelo Projeto de
Educação Radical (por volta de 1970), O Livro Negro é uma compilação de
citações breves de W. E. B. Du Bois, Malcolm X, e Frantz Fanon que refere-se a
uma variedade de assuntos relacionadas a revolução doméstica e mundial. A
semelhança às Citações do Presidente Mao é impressionante: títulos de capítulos
incluem: "Cultura e Arte Negra," "Política,"
"Imperialismo," "Socialismo," "Capitalismo,"
"Juventude," "O Terceiro Mundo," "África,"
"Sobre a América," e "Unidade Negra." A introdução de Earl
Ofari Hutchison’s coloca a luta negra num contexto global e clama pelas éticas
revolucionárias e "unificação tanto espiritual quanto física do Terceiro
Mundo." "A verdadeira negritude," ele adiciona "é um estilo
de vida coletivo, uma série coletiva de valores e uma perspectiva de mundo
comum" que cresce de experiências distintas no Ocidente. O Livro Negro não foi escrito em defesa ao
nacionalismo negro contra a invasão do Maoismo. Pelo contrário, Earl Ofari
Hutchison encerra dizendo "lutadores da liberdade de todos os lugares,
continuem a ler seu livro vermelho, mas coloquem ao lado dele o LIVRO NEGRO
revolucionário. Para vencer a batalha a seguir, ambos são necessários."
Outro
texto popular em tradição era o Axiomas de Kwame Nkrumah: Edição Lutadores da
Liberdade. Encadernado em couro negro e com letras douradas, o texto é aberto
com uma linha de rosto destacando a importância da vontade revolucionária:
"O segredo da vida é não ter medo." E com exceção do seu foco
africano, os capítulos são praticamente indistinguíveis do Livro Vermelho.
Tópicos incluem "Revolução Africana," "Exército,"
"Poder Negro," "Capitalismo," "Imperialismo,"
"Militância Popular," "O Povo," "Propaganda,"
"Socialismo," e "Mulheres." Muitas das citações são ou
vagas ou fracassam ao transcender a propaganda óbvia ("A mais enganadora
besteira intelectual inventada pelo homem foi a da superioridade ou
inferioridade racial," ou "Um revolucionário só fracassa quando se
rende"). Mais importantemente, muitas das passagens de Nkrumah poderiam
ter vindo direto da caneta de Mao, particularmente as citações lidando com a
necessidade da mobilização popular, a relação dialética entre pensamento e
ação, e assuntos relacionados a guerra e paz e imperialismo.
Na
questão da cultura, a maioria dos grupos Maoistas e anti-revisionistas nos
Estados Unidos estavam menos preocupados com criarem uma nova cultura
revolucionária do que com destruir os vestígios da antiga ou atacar o que eles
consideravam uma cultura retrógrada, comercial burguesa. A respeito disso,
estavam a par com a Grande Revolução Cultural Proletária. Em uma crítica
fascinante do filme Superfly publicada no jornal do CP (ML) The Call, o
escritor aproveita a oportunidade para criticar a contracultura tanto quanto o
papel dos capitalistas na promoção do uso das drogas na comunidade negra.
"Olhando ao redor todas as pessoas tendo overdose de drogas, sendo mortas
em tiroteios entre si, e colocando-se em acidentais industrias enquanto
"altos" no trabalho, é claro que a droga é uma assassina tão grande
quanto qualquer policial armado." Por que um filme comercializado para
negros glorificaria a cultura da droga? Porque "os imperialistas sabem a
verdade—se está viciado em droga, não terá tempo pra pensar sobre revolução—está
muito ocupado se preocupando com de onde virá a próxima dose!" A crítica
também incluía um pouco de história chinesa: "Os ingleses fizeram tudo que
pudiam para viciarem os chineses [em ópio]. Era comum aos operários receberam
parte do salário em ópio, transformando-os em viciados ainda mais rápido. Foi
só a revolução que se livrou da causa dessa miséria. Pegando seu país de volta,
e transformando sua sociedade em uma que realmente servia ao povo, não havia
mais necessidade de escapatória pelas drogas."
Ataques
Maoistas não eram limitados aos aspectos mais reacionários da cultura de massa
comercial. O movimento das Artes Negras—um movimento que, ironicamente, incluía
figuras muito inspiradas pelos desenvolvimentos na China e em Cuba—estava sob a
análise minuciosa da Esquerda anti-revisionista. Grupos como o PLP e o CP(ML),
apesar de seus muitos desacordos sobre a questão nacional, concordavam que o
movimento das Artes Negras e sua atração à cultura africana eram mal formados,
se não diretamente contrarrevolucionários. O PLP referia-se aos nacionalistas
culturais negros como empresários pequeno-burgueses que vendiam os aspectos
mais retrógrados da cultura africana às massas e "exploravam as mulheres
negras em nome da 'cultura africana' e da 'revolução'." O mesmo editoral
do PLP castigava o movimento das Artes Negras por "ensinar sobre reis e
rainhas africanos, 'impérios' africanos. Não existe aproximamento de
classes—sem aviso prévio de que esses reis, etc., estavam oprimindo as massas
africanas." Da mesma maneira, um editoral na The Call em 1973 criticava
mordazmente o movimento das Artes Negras por "deslegitimar as aspirações
nacionais genuínas dos negros nos EUA e substituir a contracultura africana
pela luta anti-imperialista."
Enquanto
esses ataques geralmente não eram justos, particularmente da maneira que
colocavam juntos uma variedade enorme de artistas, um punhado de artistas
negros que haviam chegado a conclusões similares sobre a direção do movimento
das Artes Negras. Para o romancista John Oliver Killens, a Revolução Cultural
Chinesa oferecia um modelo de transformação do nacionalismo cultural negro em
força revolucionária. Como resultado de suas viagens a China durante o ínicio
dos anos 70, Killens publicou um ensaio importante na The Black World
(reeditado mais tarde pela Associação Popular de Amizade EUA-China como um
panfleto intitulado Homem Negro na Nova China) enaltecendo a Revolução Cultural
por ser, em sua visão, um sucesso deslumbrante. Na verdade, ele foi
ostensivamente a China para descobrir por quê sua revolução havia prosperado
"enquanto nossa própria revolução cultural negra, tão desabrochada durante
os anos sessenta, parece estar morrendo no pé." Na época em que Killens
estava pronto para retornar aos Estados Unidos, ele chegou a algumas conclusões
em relação às limitações da revolução cultural negra e a força do modelo
Maoista. Primeiro, ele reconheceu que todas revoluções prósperas devem ser
permanentes-contínuas e prolongadas. Segundo, ativismo cultural e ativismo
político não são duas estratégias diferentes para a libertação mas sim dois
lados da mesma moeda. Terceiro, um movimento revolucionário deve ser
independente; deve criar instituições culturais auto-sustentáveis. É claro, a
maioria dos radicais nacionalistas no movimento de Artes Negras descobriu a
maior parte disso independentemente e o artigo de Killens apenas reforçava as
lições. De qualquer jeito, a China ensinou a Killens uma outra lição que poucos
homens no movimento se davam conta na época: "As mulheres sustentam uma
das metades do mundo." "Em algumas facções muito vitais e militantes
da revolução cultural negra, as mulheres eram requeridas para 'sentarem no
fundo no ônibus.' ... Isso é um pensamento retrógrado e divisivo. Muitas
mulheres se levantaram com seus próprios pés e foram para o Libertação
Feminina. E alguns dos irmãos pareciam chateados e surpresos. Nós os fizemos
ficar assim."
O
outro grande crítico negro do movimento das Artes Negras que acabou abraçando o
Maoismo foi Amiri Baraka, ele mesmo uma figura principal na revolução cultural
negra e alvo precoce do abuso Maoísta. Como fundador e líder do CAP e mais
tarde da RCL, Baraka oferecia mais que uma crítica; ao invés, ele construiu um
movimento que pretendia sintetizar as inovações estilísticas e estéticas do
movimento das Artes Negras com o pensamento e a prática do
Marxismo-Leninismo-Maoismo. Assim como sua odisseia do mundo dos Beats ao mundo
de Bandung oferecia visão do impacto de Mao no radicalismo negro nos Estados
Unidos, sua transição de nacionalista cultural a comunista comprometido também.
Mais do que qualquer outro Maoista ou anti-revisionista, Baraka e a RCL
sintetizavam o esforço mais consciente e duradouro de trazer a Grande Revolução
Cultural Proletária para as cidades do interior da América e transformá-la de
uma maneira que pudesse conversar com a classe operária negra.
Tendo
saído do movimento das Artes Negras em Harlem e da Spirit House em Newark,
Baraka era acima de tudo um profissional da cultura. Como ele e o Congresso dos
Povos Africanos haviam mudado do nacionalismo cultural ao Marxismo, essa
profunda mudança ideológica manifestou-se através da mudança de práticas
culturais. Tratando o "nacionalismo cultural primitivista pequeno-burguês
negro" como não-científico e metafísico, ele avisou seus camaradas contra
"o viés cultural que pode nos fazer pensar que podemos voltar à Afrika
pré-escravocrata, e o romance do feudalismo." Ademais, o CAP mudou o nome
de sua publicação de Newark Negra para Unidade e Luta para refletir sua
transição de uma perspectiva nacionalista cultural para um entendimento mais
fundo dos "requerimentos dialéticos da revolução." A Spirit House
Movers (a trupe de trato do CAP) era agora chamada de Afrikan Revolutionary
Movers (ARM), e um grupo de profissionais da cultura associado a Spirit House
formou um grupo de cantores chamado Cantores Anti-Imperialistas
(Anti-Imperialist Singers). Eles abandonaram as vestes africanas assim como
"as práticas charlatãs masculinas que eram tidas como parte do
"tradicionalismo africano" tal como a separação da educação política
de homens e mulheres." E o feriado oficial do CAP, conhecido como
"Leo Baraka" pelo aniversário de Baraka, tornou-se um dia devotado
inteiramente ao estudo do pensamento Marxista-Leninista-Maoísta, à
"questão feminina," e aos problemas de desenvolvimento do núcleo.
Em
1976, o ano que o CAP emergiu como a Liga Comunista Revolucionária, Baraka
havia percorrido um longo caminho desde sua aliança com Ron Karenga. Em um
poema intitulado "Hoje," publicado em um pequeno livro de poesias chamado
Fatos Concretos (Hard Facts -1976), a posição de Baraka quanto ao nacionalismo
cultural face-a-face a luta de classes é inequívoca:
Fraudes
em pele de leopardo, traficantes de turbante
c/
explorações de cor de pele, capitalistas de cor, negros
exploradores,
jogadores da Embaixada Americana
que
espreitam nas embaixadas afrikanas lutando por
passagens
de avião, coquetéis de guerrilhas, cuja
única
conexão c/ um partido é a estilo
Frankie
Crocker.
Onde
estão os irmãos e irmãs da revolução?
Onde
está a mobilização das massas liderada
pelo
setor avançado da classe operária?
Onde
está a unidade-crítica-unidade. A autocrítica
&
a crítica? Onde estão o trabalho e o estudo. A
clareza
ideológica? Por que só poses &
posturas
& não-teorias unilaterais subjetivas
descrevendo
só seu Negro educado
pequeno-burguês
dizendo que poderá lhe dar
uma
palestra, 'sabichão', mas não irá
sozinho
fazer a revolução.
Baraka
tentou colocar esse manifesto em prática através do trabalho cultural intenso
baseado nas comunidades. Um dos processos mais bem sucedidos da RCL foi a União
Cultural Anti-Imperialista (AICU), uma organização operária cultural
multinacional baseada em Nova Iorque fundada no final dos anos 70. Em novembro
de 1978, a AICU patrocinou o Festival da Cultura Popular, o que atraiu algumas
quinhentas pessoas para escutar poesia lida por Askia Toure, Miguel Algarin, e
Sylvia Jones juntamente a algumas performances musicais de um grupo criado pela
RCL chamado Conjunto Proletário (Proletarian Ensemble). Através de grupos como
o Conjunto Proletário e a Vanguarda Operária (Advanced Workers – outro grupo
musical formada pela RCL), a RCL espalhava sua mensagem de revolução proletária
e autodeterminação negra e sua crítica ao capitalismo para grupos comunitários
e crianças estudantes pela Newark negra, Nova Iorque e outras cidades da costa
Oriental.
Destacamento de mulheres: Exemplo de arte revolucionária. |
Não
sabemos como ativistas e operários responderam às peças de Baraka durante o
período ultra-radical da AICU e da RCL, e a maioria dos críticos culturais age
como se esses trabalhos não fossem dignos de comentário. Não importando o que
alguém pensa sobre esses trabalhos, enquanto arte, propaganda, ou os dois, é
remarcável pensar que no final dos anos 70 um punhado de crianças do interior
de Newark pudesse assistir performances que advogavam a revolução na América e
tentavam expor a ganância do capitalismo. E tudo isso acontecia em meio a tão
chamada de geração do "eu", quando alegadamente não havia esquerda
radical para se falar de. (É claro, a eleição de Reagan em 1980 é citada como a
evidência da falta de desafio político esquerdista assim como a razão para a
curta ressurreição dos partidos Marxistas nos Estados Unidos entre 1980 e
1985.)
Adeus Mao, a Festa acabou?
Dependendo
de onde alguém se posiciona politicamente, e com quem, pode-se facilmente
concluir que o Maoismo americano morreu quando Mao faleceu em 1976. Na China
isso soa verdadeiro; a aniquilação da viúva de Mao Jian Quing e o resto da
Gangue dos Quatro e a rápida ascensão de Deng Xiaoping sugere que o Maoismo não
tem a menor chance de voltar. E enquanto alguns manifestantes na Praça
Tiananmen no meio dos anos 80 viam-se na tradição de radicais estudantes da
Revolução Cultural, a vasta maioria não—nem invocava o nome de Mao a serviço de
seu próprio movimento democrático (alguns dizem burguês).
Mas
dizer que o Maoismo de alguma forma morreu no pé é relatar com exagero o caso. Organizações
Maoistas ainda existem nos Estados Unidos, e algumas são muito ativas na cena
política. O movimento Maoista Internacional mantem um site, assim como o PLP
(embora mal possam ser chamados de "Maoistas" atualmente), e o RCP é
mais onipresente que nunca. É claro, existem algumas evidências para sugerir
que o RCP desempenhou um papel ajudando a esboçar o manifesto pós-LA de
rebelião Blood and Crips, "Dê-nos o Martelo e os Pregos e Nós
Reconstruiremos a Cidade." O antigo CLP, agora chamado Liga dos Revolucionários,
tem uma continuidade forte em Chicago assim como alguns radicais incrivelmente
talentosos, incluindo General Baker e Abdul Alkalimat. Mais importantemente,
mesmo se reconhecermos que o número de ativistas reduziu substancialmente desde
a metade da década de 70, os indivíduos que ficaram nesses movimentos
permaneceram comprometidos com a libertação negra, mesmo se suas estratégias e
táticas se provaram insensíveis ou mal-encaminhadas. Qualquer um que sabe um
pouco de política sabe que a campanha presidencial de Jesse Jackson em 1984 foi
invadida por um arco-íris de coalizões Maoistas, ou que uma variedade de
organizações Maoistas foram representadas no Partido Político Independente
Nacional Negro. Em outras palavras, agora que tantos liberais americanos estão
se juntando a reação contrária contra o povo negro pobre e a ação afirmativa,
seja pela participação ativa ou silêncio, alguns desses revolucionários
auto-proclamados ainda querem "mover montanhas" a serviço do povo
negro. O exemplo mais trágico e heroico disso vem de Greensboro, Carolina do
Norte, onde cinco membros do Partido Operário Comunista (anteriormente a
Organização Perspectiva Operária) foram assassinados por membros do Klan e por
nazis durante uma manifestação anti-Klan dia 3 de novembro de 1979.
Permanece
o fato, de qualquer jeito, de que o apogeu do Maoismo passou. As razões são
variadas, tendo a ver com o declínio geral do radicalismo negro, a natureza
autodestrutiva das políticas sectárias, e as decisões desastrosas da China
quanto a política externa cara-a-cara a África e o Terceiro Mundo. Apesar
disso, a maioria dos Maoistas negros autoproclamados da história—ao menos os
mais honestos—provavelmente devem sua maior dívida intelectual a Du Bois,
Fanon, Malcolm X, Che Guevara, e Harold Cruse, sem mencionar Stálin e Lênin.
Mas Mao Zedong e a Revolução Chinesa deixaram uma marca permanente na política
radical negra—uma marca importante cujo impacto apenas começamos a explorar
nesse artigo. Em um momento em que um grupo de países não-alinhados procurava
desafiar os binários políticos criados pela política da guerra fria, quando
nacionalistas africanos tentavam planejar um futuro pós-colonial, quando Fidel
Castro e um punhado de militantes exaustos fizeram o impossível, quando lanchonetes
sulistas e guetos do norte tornaram-se teatros da nova revolução, ali esteve a
China—a mais poderosa nação de cor da terra.
A
China de Mao, junto a Revolução Cubana e o nacionalismo africano,
internacionalizaram a revolução negra de maneira profunda. Mao deu aos radicais
negro um modelo não-Ocidental do Marxismo que dava mais ênfase às condições
locais e circunstâncias histórias do que a textos canônicos. O Grande Passo
Para Frente da China desafiou a ideia de que a marcha para o socialismo deveria
acontecer em estágios, ou que deve-se esperar pacientemente por condições
próprias objetivas para mover-se em frente. Para muitos radicais jovens
estudados em democracia social e/ou política antirracista, a
"conscientização" no estilo Maoista de crítica e autocrítica era uma
alternativa poderosa a democracia burguesa. Mas conscientização era mais que
trabalho propagandista; era trabalho intelectual no contexto da prática
revolucionária. "Todo conhecimento genuíno se origina da experiência
direta," disse Mao em seu ensaio amplamente lido "Sobre a
Prática" (1937). Essa ideia de conhecimento derivando dialeticamente da
prática a teoria dotou de poder os radicais para questionarem a perícia dos
sociólogos, psicólogos, economistas, etc., cujos grandes pronunciamentos sobre
as causas da pobreza e do racismo passavam incontestáveis. Então numa época de
tecnocratas liberais, Maoistas—de círculos radicais negros ao movimento de
libertação feminina—procuravam derrubar as noções políticas de perícia. Eles
desenvolveram análises, se engajaram em discussões, e publicaram revistas,
jornais, documento de posição, panfletos e até livros. E enquanto raramente
concordavam um com o outro, viam-se como produtores de um conhecimento novo.
Acreditavam, como colocou Mao, que "essas ideias transformam-se em uma
força material que muda a sociedade e o mundo."
Ideias
sozinhas não mudam o mundo, todavia; as pessoas mudam. E ter a disposição e a
energia para mudar o mundo requer mais do que a análise correta e o engajamento
direto com as massas: ao invés, requer fé e vontade. Nisso Maoistas têm muito
em comum com algumas tradições bíblicas bem antigas. Afinal, se o pequeno David
pode derrubar Golias com apenas uma bala, certamente uma "única faísca
pode incendiar toda a pradaria."
- Enaemaehkiw Túpac Keshena. Traduzido por Thayná de Paula.