O pôster comunista faz menção aos símbolos religiosos e seus templos: "Esse passado será jogado no lixo". |
Assim
começa a fala do operário Etienne, na obra Germinal, de Émile Zola. Um
comunista convicto, Etienne tenta conscientizar seus colegas de trabalho sobre
a importância da construção do “paraíso terrestre” dos operários, mas é
praticamente ignorado com as ilusões religiosas a ele apresentadas. Isso
demonstra a inércia, e ao mesmo tempo, a descrença no comunismo que a religião
pode causar.
O
marxismo é, antes de tudo, um movimento ateísta e antirreligioso. Não por
razões de ódio ou de crítica a Deus, mas da importância de um secularismo para
a construção da consciência operária e do Estado socialista.
Um
dos trechos de Marx mais citados é o famoso “a religião é o ópio do povo”,
presente no livro Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, de 1843.
Essa frase, antes de tudo, é apresentada mais como uma crítica ao pensamento de
que o homem deve girar em torno da religião, e da ideia propagada de que a
religião deve ser o local de procura do homem às explicações. Seguem os
trechos:
“O sofrimento
religioso é, de uma e de todas as vezes, a expressão do sofrimento real e um
protesto contra o sofrimento real. Religião é o suspiro da criatura oprimida, o
coração de um mundo sem coração, e alma de condições desalmadas. É o ópio do
povo.
A abolição da
religião como a felicidade ilusória do povo é a demanda por sua real
felicidade”.”
Assim,
Marx pretende afirmar que a real felicidade do homem só poderá ser alcançada
com a ausência da religião, um processo opressor da consciência humana. E é
justamente este ponto que Etienne compreende, como todo marxista.
A
religião, antes de tudo, é a maior influenciadora na descrença no comunismo.
Com promessas tentadoras baseadas em metáforas e eventos incríveis, a religião
pretende “prometer” e apresentar ao operário a tentadora mercadoria do paraíso
eterno, pautada na ideia do sofrimento terrestre como “teste temporário” para
se alcançar a alegria no Reino dos Céus. Assim como apontam vários sociólogos,
a religião é um agente social que pretende apresentar a imagem enganadora, pois
a desolação dos proletários pode ser facilmente acalmada, já que estão ocupados
demais ao trabalhar para os demais. Segue o que foi dito por Lenine em 1905, em
Novaya Zhizn:
“A religião é uma das
formas de opressão espiritual que em todo lugar oprime fortemente as massas
populares, muito sobrecarregadas pelo seu perpétuo trabalho pelos outros, por
miséria e isolação. A impotência da classe explorada em sua luta contra os
exploradores inevitavelmente dá luz à crença numa vida melhor após a morte
assim como a impotência do selvagem em sua batalha contra a natureza dá luz à
crença em deuses, demônios, milagres, e semelhantes.”
Neste
ponto, já podemos compreender que a questão do ateísmo marxista repousa mais na
ideia de religião do que de Deus em si, apesar de uma crítica à religião já se
assemelha a critica à ideia de Deus, numa perspectiva social. Essa perspectiva
social também pode ser trabalhada no burguês, ao crer que, com a religião, pode
justificar a exploração de seus funcionários com atos de caridade e doações
esporádicas, um dos pilares para a salvação. A caridade religiosa é, antes de
tudo, uma legitimação da exploração do proletariado pelo burguês e a aceitação
da desigualdade social, perdoada a um preço barato e benéfico para a burguesia.
De acordo com Lenine:
“Aqueles que labutam
e vivem em miséria durante toda sua vida são ensinados pela religião a serem
submissos e pacientes enquanto na terra, e para terem conforto na esperança de
uma recompensa celestial. Mas aqueles que vivem do trabalho dos outros são
ensinados pela religião a praticar a caridade enquanto na terra, por
conseguinte oferecendo a eles uma maneira barata de justificar toda a sua
existência como exploradores e vendendo a eles por preço moderado passagens
para o bem-estar no céu.”
O
ateísmo e a defesa da ideia de um ópio do povo são a pedra angular do marxismo,
pois o Estado deve desconstruir a religião para levar os operários a
acreditarem em sua força social. Sem a dependência religiosa, o proletariado
pode tomar consciência de sua importância e modificar o ambiente de exploração
em que vive.
Agora,
não pretendo me prender no ateísmo marxista-leninista, e peço que se aprofundem
muito neste tema. Mostraremos, a partir de então, como um Estado marxista deve
proceder para eliminar a religião do povo e construir a moral proletária como
preenchimento desse aspecto.
Durante
longos períodos, a Igreja foi o órgão que mais ditou as ordens da sociedade e
da política. Na Europa, por séculos a Igreja foi a força legitimadora das
desigualdades e da exploração das pessoas, em especial a servidão. O
secularismo foi o primeiro passo para a exaltação da preferência pelo homem,
onde ele passa a ser seu próprio Sol. A Revolução Francesa começou essa
tendência que se espalharia pela Europa na queda das monarquias.
Já
na Rússia, desde o século X a Igreja Ortodoxa era a maior força religiosa,
seguida pelos evangélicos. Seus ideais de introspecção reforçaram a perca do
senso de comunidade e do individualismo, o que não permitiu a união dos
trabalhadores até a chegada das ideias marxistas. A propagação das ideias
marxistas permitiu que a cultura religiosa fosse suplantada por uma cultura
proletária imediatamente após a Revolução de Outubro, O Estado Soviético, assim
como qualquer marxista, teve que seguir o caminho de um ateísmo de Estado,
buscando eliminar um parasita muito disseminado no mundo, a religião.
De
acordo com o historiador Nikolai Dejevsky, “em 1921 mais de metade dos
mosteiros da Rússia estava fechada, um número incalculável de igrejas tinha
sido destruído ou transformado em prédios seculares”. Numa ação rápida, a União
Soviética conseguiu poupar dinheiro com obras, necessário para a época, com a
substituição de igrejas por prédios seculares como clubes sociais, cinemas,
mercados e até silos de grãos. Isso permitiu que com os próprios componentes da
religião ela pudesse ser eliminada.
Baseados
no pensamento de Marx e Lenine, os soviéticos também se utilizaram de armas da
própria religião para acabar com ela e valorizar o proletariado. Um dos
melhores exemplos dessa política é o “batismo soviético”, que de acordo com
Dejevsky tinha o objetivo de juramento de fidelidade ao regime, e da dedicação
e estudo da teoria comunista.
Outros
Estados seguiram essa tendência, como a Albânia, a China, o Camboja e o
Afeganistão. Por isso o ateísmo de Estado é tão importante para o marxismo,
promovendo uma ação a favor do próprio proletariado. A religião só promove a
inércia e a aceitação passiva das atuais condições de exploração, numa teoria
de libertação a partir de atos fracos e calados, e abandono da ideia de
revolução com a crença no mundo superior.
Ao
aniquilar a religião, o proletariado estará ajudando a si mesmo. O ateísmo no
marxismo permite a libertação da atitude contrarrevolucionária, e qualquer
aliança com movimentos religiosos de qualquer tipo se apresenta como uma
desfiguração completa do marxismo.
Portanto,
podemos dizer que é um processo de “desintoxicação social”, uma tentativa de
eliminar o ópio do povo, um dever do socialismo. Todo Estado socialista deve
obter essa política social, levando à população a confiança em seu próprio
poder, em sua força social modificadora das estruturas e das explorações.
Esse
também é um passo que outrossim devemos levar como principal no comunismo, pois
a militância ateísta é tão importante quanto a comunista. A abolição de crenças
leva à libertação proletária. Como disse uma operária do mesmo livro citado no
início deste texto: “Quando a justiça está do meu lado, luto até morrer. Que
diabo! Nós também temos direito a um pouco de bem-estar!”.
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Caio Jardim-Sousa