sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Ateísmo, pedra angular do marxismo

Texto de Caio Sousa-Jardim acerca da forte presença das concepções ateístas, materialistas e etc., no seio do movimento comunista. O artigo toca fortemente na questão da crítica a concepção do paraíso no céu, se pautando da “apologia” a construção do “paraíso” terrestre e material:

“Então vocês ainda precisam de um Deus e do seu paraíso para serem felizes? Não podem construir com as próprias mãos a felicidade na terra?”

O pôster comunista faz menção aos símbolos religiosos e seus templos: "Esse passado será jogado no lixo".
Assim começa a fala do operário Etienne, na obra Germinal, de Émile Zola. Um comunista convicto, Etienne tenta conscientizar seus colegas de trabalho sobre a importância da construção do “paraíso terrestre” dos operários, mas é praticamente ignorado com as ilusões religiosas a ele apresentadas. Isso demonstra a inércia, e ao mesmo tempo, a descrença no comunismo que a religião pode causar.

O marxismo é, antes de tudo, um movimento ateísta e antirreligioso. Não por razões de ódio ou de crítica a Deus, mas da importância de um secularismo para a construção da consciência operária e do Estado socialista.

Um dos trechos de Marx mais citados é o famoso “a religião é o ópio do povo”, presente no livro Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, de 1843. Essa frase, antes de tudo, é apresentada mais como uma crítica ao pensamento de que o homem deve girar em torno da religião, e da ideia propagada de que a religião deve ser o local de procura do homem às explicações. Seguem os trechos:

“O sofrimento religioso é, de uma e de todas as vezes, a expressão do sofrimento real e um protesto contra o sofrimento real. Religião é o suspiro da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração, e alma de condições desalmadas. É o ópio do povo.
A abolição da religião como a felicidade ilusória do povo é a demanda por sua real felicidade”.”

Assim, Marx pretende afirmar que a real felicidade do homem só poderá ser alcançada com a ausência da religião, um processo opressor da consciência humana. E é justamente este ponto que Etienne compreende, como todo marxista.

A religião, antes de tudo, é a maior influenciadora na descrença no comunismo. Com promessas tentadoras baseadas em metáforas e eventos incríveis, a religião pretende “prometer” e apresentar ao operário a tentadora mercadoria do paraíso eterno, pautada na ideia do sofrimento terrestre como “teste temporário” para se alcançar a alegria no Reino dos Céus. Assim como apontam vários sociólogos, a religião é um agente social que pretende apresentar a imagem enganadora, pois a desolação dos proletários pode ser facilmente acalmada, já que estão ocupados demais ao trabalhar para os demais. Segue o que foi dito por Lenine em 1905, em Novaya Zhizn:

“A religião é uma das formas de opressão espiritual que em todo lugar oprime fortemente as massas populares, muito sobrecarregadas pelo seu perpétuo trabalho pelos outros, por miséria e isolação. A impotência da classe explorada em sua luta contra os exploradores inevitavelmente dá luz à crença numa vida melhor após a morte assim como a impotência do selvagem em sua batalha contra a natureza dá luz à crença em deuses, demônios, milagres, e semelhantes.”

Neste ponto, já podemos compreender que a questão do ateísmo marxista repousa mais na ideia de religião do que de Deus em si, apesar de uma crítica à religião já se assemelha a critica à ideia de Deus, numa perspectiva social. Essa perspectiva social também pode ser trabalhada no burguês, ao crer que, com a religião, pode justificar a exploração de seus funcionários com atos de caridade e doações esporádicas, um dos pilares para a salvação. A caridade religiosa é, antes de tudo, uma legitimação da exploração do proletariado pelo burguês e a aceitação da desigualdade social, perdoada a um preço barato e benéfico para a burguesia. De acordo com Lenine:

“Aqueles que labutam e vivem em miséria durante toda sua vida são ensinados pela religião a serem submissos e pacientes enquanto na terra, e para terem conforto na esperança de uma recompensa celestial. Mas aqueles que vivem do trabalho dos outros são ensinados pela religião a praticar a caridade enquanto na terra, por conseguinte oferecendo a eles uma maneira barata de justificar toda a sua existência como exploradores e vendendo a eles por preço moderado passagens para o bem-estar no céu.”

O ateísmo e a defesa da ideia de um ópio do povo são a pedra angular do marxismo, pois o Estado deve desconstruir a religião para levar os operários a acreditarem em sua força social. Sem a dependência religiosa, o proletariado pode tomar consciência de sua importância e modificar o ambiente de exploração em que vive.

Agora, não pretendo me prender no ateísmo marxista-leninista, e peço que se aprofundem muito neste tema. Mostraremos, a partir de então, como um Estado marxista deve proceder para eliminar a religião do povo e construir a moral proletária como preenchimento desse aspecto.

Durante longos períodos, a Igreja foi o órgão que mais ditou as ordens da sociedade e da política. Na Europa, por séculos a Igreja foi a força legitimadora das desigualdades e da exploração das pessoas, em especial a servidão. O secularismo foi o primeiro passo para a exaltação da preferência pelo homem, onde ele passa a ser seu próprio Sol. A Revolução Francesa começou essa tendência que se espalharia pela Europa na queda das monarquias.

Já na Rússia, desde o século X a Igreja Ortodoxa era a maior força religiosa, seguida pelos evangélicos. Seus ideais de introspecção reforçaram a perca do senso de comunidade e do individualismo, o que não permitiu a união dos trabalhadores até a chegada das ideias marxistas. A propagação das ideias marxistas permitiu que a cultura religiosa fosse suplantada por uma cultura proletária imediatamente após a Revolução de Outubro, O Estado Soviético, assim como qualquer marxista, teve que seguir o caminho de um ateísmo de Estado, buscando eliminar um parasita muito disseminado no mundo, a religião.

De acordo com o historiador Nikolai Dejevsky, “em 1921 mais de metade dos mosteiros da Rússia estava fechada, um número incalculável de igrejas tinha sido destruído ou transformado em prédios seculares”. Numa ação rápida, a União Soviética conseguiu poupar dinheiro com obras, necessário para a época, com a substituição de igrejas por prédios seculares como clubes sociais, cinemas, mercados e até silos de grãos. Isso permitiu que com os próprios componentes da religião ela pudesse ser eliminada.

Baseados no pensamento de Marx e Lenine, os soviéticos também se utilizaram de armas da própria religião para acabar com ela e valorizar o proletariado. Um dos melhores exemplos dessa política é o “batismo soviético”, que de acordo com Dejevsky tinha o objetivo de juramento de fidelidade ao regime, e da dedicação e estudo da teoria comunista.

Outros Estados seguiram essa tendência, como a Albânia, a China, o Camboja e o Afeganistão. Por isso o ateísmo de Estado é tão importante para o marxismo, promovendo uma ação a favor do próprio proletariado. A religião só promove a inércia e a aceitação passiva das atuais condições de exploração, numa teoria de libertação a partir de atos fracos e calados, e abandono da ideia de revolução com a crença no mundo superior.

Ao aniquilar a religião, o proletariado estará ajudando a si mesmo. O ateísmo no marxismo permite a libertação da atitude contrarrevolucionária, e qualquer aliança com movimentos religiosos de qualquer tipo se apresenta como uma desfiguração completa do marxismo.

Portanto, podemos dizer que é um processo de “desintoxicação social”, uma tentativa de eliminar o ópio do povo, um dever do socialismo. Todo Estado socialista deve obter essa política social, levando à população a confiança em seu próprio poder, em sua força social modificadora das estruturas e das explorações.

Esse também é um passo que outrossim devemos levar como principal no comunismo, pois a militância ateísta é tão importante quanto a comunista. A abolição de crenças leva à libertação proletária. Como disse uma operária do mesmo livro citado no início deste texto: “Quando a justiça está do meu lado, luto até morrer. Que diabo! Nós também temos direito a um pouco de bem-estar!”.

- Caio Jardim-Sousa