quinta-feira, 27 de março de 2014

"Enquanto isso... no atendimento do 190...", relato de um Policial de esquerda.

Texto de Eduardo Ribeiro dos Santos, um policial militar, que apesar da instituição que faz parte, é um revolucionário de esquerda, e já passou por várias e várias represálias dentro da própria Polícia Militar por não negar seus princípios políticos. O texto é sobre o atendimento do 190 a uma transexual:

Enquanto isso... no atendimento do 190...

— Polícia militar emergência.

— Preciso de ajuda! (aos berros!)

— Correto, senhora. Tente se acalmar e me conte o que houve (não sei porque insisto nisso...como se fosse fácil "se acalmar" nesse tipo de situação, mas enfim...).

— Meu namorado me agrediu, me bateu, jogou para fora do meu apartamento e não me deixa entrar, me cortou o cabelo... Preciso de uma polícia aqui (aos choros).

— Entendo. Qual seu nome senhora? Para eu colocar na ocorrência.

— Meu nome? (nervosa e constrangida)

— Sim, para eu colocar na descrição...para quando os policiais chegarem eles procurarem por você...

— Eh...que bem... tipo...

— Calma senhora, só estou perguntando seu nome.

— Eh...que ...que....meu nome é Roberto...eu sou trans*...(totalmente constrangida)

— Não há nada de errado nisso. Mas qual seu nome?

— Roberto... (constrangida)

— Não...eu perguntei qual seu nome....(neste ponto eu entendi porque teve o cabelo cortado)

— Como assim? (surpresa)

— Eu perguntei seu nome, não da sua identidade. Seu nome real, aquele que você quer ser chamada assim que a equipe chegar.

— Bruna.....meu nome é Bruna....(muito surpresa)

— Correto, Bruna. Registrei aqui seu nome. Agora deixe-me pegar os demais dados da ocorrência."

Dali para frente se acalmou. Dentro do que era possível se acalmar. Pensei então em como funciona basicamente a violência: A agressão não é apenas física, aquilo que o corpo sente na pele, mas sobretudo pode ser tão ou mais pérfida quando atinge o âmago do ser.

Nunca saberei se Bruna foi agredida por ser Bruna ou por ter nascido Roberto, naquela situação específica.

Mas superando esta agressão, quando é que Bruna deixará de ser agredida apenas por ser...ela mesma?

- Eduardo Ribeiro dos Santos