quarta-feira, 18 de junho de 2014

Crítica da via Pacífica

Todos pensam que a revolução cubana acabou quando as guerrilhas revolucionárias tiveram seu fim e o velho Estado burguês de Cuba caiu. É verdade, uma batalha se tinha ganhado, mas a guerra contra a burguesia até hoje, não está perto de chegar a um fim. Talvez com esse pensamento que Che escreveu este texto, onde faz uma crítica à grande parte dos movimentos progressistas da América Latina:

Crítica da via Pacífica

Pode-se discutir longamente a questão de saber se a tática deve ser a ação guerrilheira ou se é possível realizar outras ações como eixo central da luta. Nossa convicção de que a ação guerrilheira deve ser o eixo central na América se baseia em dois argumentos:

Primeiro: se levarmos em consideração o fato de que o inimigo lutará para manter-se no poder, devemos pensar na destruição do exército opressor, e para isso opor-lhe um exército popular. Esse exército não nasce espontaneamente, deve armar-se com o material pertencente a seu inimigo, o que implica uma luta dura e permanente na qual as forças populares e seus dirigentes ficam expostos ao ataque de forças superiores sem terem condições razoáveis de defesa ou manobra. Em contrapartida, o núcleo guerrilheiro situado em terreno de luta favorável garante a segurança e a permanência do comando revolucionário, e as forças urbanas, dirigidas a partir do estado-maior do Exército do Povo, podem realizar ações de capital importância.

Segundo: o caráter continental da luta. Poder-se-ia conceber esta nova etapa da emancipação da América como o confronto de duas forças sociais lutando pelo poder num território dado? Evidentemente não. A luta causaria a morte de todas as forças populares e de todas as forças repressivas. Os ianques intervirão por solidariedade de interesses e porque a luta na América é decisiva. Eles o farão com todas as suas forças, castigarão as forças populares com todas as armas de destruição a seu alcance. Não deixarão que o poder revolucionário se consolide. E, se por acaso isso acontecer, voltarão a atacar, não o reconhecerão, tentarão dividir as forças revolucionárias, introduzindo todo tipo de sabotadores, e tentarão afogar economicamente o novo Estado, aniquilá-lo em outras palavras.

Em função desse panorama, consideramos difícil que se chegue à vitória num só país. À união das forças repressivas, devemos responder com a união das forças populares. Em todos os países em que a situação de opressão chegar a um ponto insustentável, devemos erguer a bandeira da rebelião, e esta bandeira terá, por necessidade histórica, um caráter continental. A Cordilheira dos Andes se tornará a Sierra Maestra da América como disse Fidel, e todos os imensos territórios que compõem este continente serão o cenário da luta mortal contra o poder imperialista.

Não podemos dizer quando esta luta adquirirá este caráter continental, nem quanto tempo durará, mas podemos prever seu advento, porque ela é filha de circunstâncias históricas, econômicas e políticas e por isso não poderá se desviar do seu rumo.

Ernesto 'Che' Guevara
Em vez desta estratégia e desta tática continentais, lançam-se fórmulas limitadas: luta eleitoral sem grande peso, algum avanço eleitoral aqui, acolá, dois deputados, um senador, quatro prefeitos; uma grande manifestação popular dispersada a tiros; uma eleição que se perde com menos votos que a anterior; uma greve que se ganha, dez que se perdem; um passo à frente, dez atrás; uma vitória localizada aqui, dez derrotas lá. E de repente mudam as regras do jogo e tudo recomeça.

Porque tais atitudes? Porque essa dilapidação das energias populares? Por uma única razão. No seio das forças progressistas de alguns países da América, existe uma confusão terrível entre objetivos táticos e estratégicos. Temos de reconhecer a inteligência da reação, que conseguiu fazer destras posições ofensivas mínimas o objetivo fundamental de seu inimigo de classe.

Nos países onde esses erros tão graves são cometidos, o povo mobiliza suas legiões, ano após ano, para conquistas que lhe custam imensos sacrifícios e que não tem o mínimo valor. São apenas pequenas colinas dominadas pelo fogo cerrado da artilharia inimiga. O nome delas são parlamento, legalidade, greve econômica legal, reivindicações por aumento salarial, Constituição burguesa, libertação de algum herói popular. E o pior de tudo é que para ganhar estas posições tem de intervir no jogo político do Estado burguês e, para obter a autorização de entrar neste jogo perigoso, é preciso demonstrar que aturará dentro dos estritos limites da legalidade, que é bonzinho, que não representa perigo, que não passará pela cabeça de ninguém assaltar casernas ou trens, nem destruir pontes, nem punir os carrascos e os torturadores, nem ir até as montanhas e erguer com o punho forte e definitivo a única e violenta afirmação da América: a luta final por sua redenção. 

— Ernesto 'Che' Guevara [Texto retirado do livro "Che Guevara - Política" da editora Expressão Popular]