quarta-feira, 11 de junho de 2014

Resumo sobre o forjado “Massacre” da Praça de Paz.

Trecho do texto “Fuga da História: Cyrana Menezes canta o repente que a CIA gosta” do André Drummond Ortega Jr, que resume os acontecimentos em torno do conhecido Massacre da Praça de Paz. A versão de que os comunistas chineses massacraram os estudantes – supostamente – pacíficos e desarmados é desseminada há muito pelos meios de comunicação burgueses, e é até mesmo reproduzida entre vários integrantes que se dizem de esquerda. As investigações mais aprofundadas sobre o fato tendem a ser abafadas (para não dizer “censurada” no nosso regime de “liberdade”). Aqui, um resumo que abarca questões fundamentais para compreensão do evento que ficou conhecido erroneamente como “massacre”. Boa leitura.

“1 - A China passou por um processo de reformas nos anos ’80, que manteve algumas características do socialismo e expandiu o capitalismo (aquela visão que temos hoje só se consolida com reformas dos anos 90).

2 - Nesse período um conjunto de ideias ocidentais e contrarrevolucionárias ganham bastante espaço na China, especialmente entre os estudantes. Nesse período dos anos 80 o marxismo estava apagado dos currículos universitários (Robert Ware, que lecionou marxismo na China, faz referência a um enfraquecimento nos anos 80 para falar da força do mesmo em geral), possivelmente como uma “contraparte” a Revolução Cultural da década anterior e devido as reformas havia um grande interesses por “ideias estrangeiras”.

3 - Essas ideias também ganhavam espaço no Partido Comunista, com ícones reformistas como o secretário-geral Hu Yaobang e Zhao Ziyang.  Daí surgiu um forte conflito no seio do Partido, com um lado mais liberalizante radicalmente liquidador-reformista (os já citados), o surgimento de uma ala mais de esquerda que relacionava a liberalização com as próprias reformas econômicas (Chen Yun) e um centro que era contra os liquidadores mas defendia as reformas econômicas (Deng Xiaoping).

4 - Ocorreram outras manifestações estudantis na segunda metade dos anos 80. Um exemplo é o movimento estudantil de 1986, liderado pelo professor anticomunista Fang Lizhi (“o marxismo deve ser abandonado”), o mesmo que organizou o movimento de 1989. Fang Lizhi defendia abertamente uma “economia totalmente livre” e um processo radical de privatizações.  A rádio A Voz da América teve um papel importante na formação desses movimentos.

5 - O movimento estourou com a morte de Hu Yaobang, no entanto ele foi organizado com antecedência. Fang Lizhi fez um tour pelo ocidente, defendendo a “democracia” e a economia de livre mercado, para levantar fundos.
Foto de 1988
China em 1988.
6 - O movimento ocupou Tiananmen e o governo tentou negociar.  A Federação de Estudantes recusou negociar a não ser que o governo atendesse certas medidas de antemão, como reconhecer o seu movimento como “igual” (as altas autoridades do Estado que deveriam negociar). O que as lideranças do movimento fizeram foi liquidar as negociações e forçar o conflito, o que posteriormente seria esclarecido como sua intenção mesmo já que acreditavam que não poderiam “conquistar a liberdade sem a guerra civil” e queriam criar um fato político através da repressão do movimento (lição básica de Gene Sharp muito repetida na recente Primavera Árabe). Queriam criar um mártir e por isso não orientaram os manifestantes a evacuarem a praça quando o governo encerrou as tentativas de negociar e deu sinal para a repressão, mesmo que eles (os líderes) estivessem fugindo do país com passaportes falsos. O partido passou SEIS SEMANAS sem reprimir o movimento e tentando desmobiliza-lo por meios pacíficos. Por duas semanas antes da repressão recorreram a meios educativos e de contra-agitação, sem aplicar a lei marcial, com soldados desarmados nas ruas e os manifestantes orientados a voltar pra casa (isso num contexto em que manifestantes tentaram tomar prédios públicos, que “perturbaram a ordem”, etc).

7 - Não, tanques não atropelaram em massa os manifestantes. A Anistia Internacional relatou isso para pouco tempo depois retificar o “erro”(que compram até hoje). A violência começou poucos antes da desocupação da praça pelas forças do governo. O movimento estava em decadência e possivelmente a violência foi uma estratégia das lideranças do movimento para dar gás. No dia 2 junho, um sexta-feira em que o exército e a policia decidem re-estabelecer a ordem, manifestantes assaltaram carros com armas do exército, ainda assim a ordem dos oficiais foi não reagir. No dia seguinte, haviam grupos de manifestantes armados com cassetes, paus, pedras e barras de ferro, que começaram a atacar (e matar) os soldados e policiais desarmados. Teve um soldado queimado e outro mutilado (imagens como essa seriam passadas para os serviços de segurança da Alemanha Oriental quando começaram as manifestações neste país posteriormente naquele mesmo ano). No dia 4 de junho entram as tropas da repressão. A praça foi rapidamente desocupada, não ocorreram conflitos na mesma, mas nas ruas adjacentes. Morreram milhares de soldados e manifestantes. A imprensa estrangeira observou que existiam manifestantes em especial que se destacavam da multidão, mais velhos e mais preparados, que sabiam por exemplo como incapacitar um tanque.

8 - Os reformistas liquidadores do partido, como Zhiao Ziyang, se organizaram para tomar o poder (não conseguiram), se aproveitando dos acontecimentos.

9 - A repressão foi decidida depois de duros debates partidários (que inclusive culminaram na expulsão de figuras reformistas como Zhiao). Um dos principais advogados da repressão foi Deng Xiaoping. Chen Yun a princípio foi contra a repressão, mas aceitou a decisão de desocupar a praça a força.

10 - Oficiais de Taiwan declararam em diversas ocasiões seu apoio aos manifestantes e suas relações com as lideranças, bem como seus prospectos em relação ao processo de 89 (derrubada do Partido Comunista, reunificação, etc).  Hoje sabemos que esses movimentos recebiam dinheiro da Ilha Formosa. As lideranças também sempre expressaram simpatia para com o país, considerando-o um exemplo, mantendo relações com sua elite e com o Partido Kuomitang (para quem reivindicavam a legalidade no continente).

11 - De fato, nas manifestações existiam bandeiras vermelhas e retratos de Mao Zedong, bem como slogans de “perestroika”, mas isso é só mais um sintoma da falta de clareza das manifestações, que deram vazão a insatisfação com uma série de problemas e se valia muito do discurso genérico contra a corrupção. Não é impressionante dado o status da figura de Mao Zedong na China, no entanto as lideranças ainda eram notavelmente anticomunistas. Essa narrativa das “massas socialistas que só queriam algumas mudanças” e não “derrubar o Estado” foi difundida pela imprensa ocidental da época para reforçar a ideia de “jovens ingênuos, manifestantes inocentes”.

12 - A rádio A Voz da América tentou incitar uma insurreição dizendo que os soldados não estavam obedecendo as ordens de cima, o que não era verdade.

13 - Os líderes do movimento se re-encontraram em Paris e fundaram a Federação para a Democracia na China, que professava: “desenvolver a economia de iniciativa privada e acabar com a ditadura de partido único”. Declaração muito similar documentos do Kuomitang de Taiwan quanto sua estratégia de trabalho ideológico no continente. Na verdade, o programa era como um todo parecido com o do Kuomitang. Atacavam a própria fundação da República Popular e Mao Zedong pelos “crimes” de “expropriações a luz do dia”, “repartir a terra” e “perseguir o Kuomitang”. A crítica a China continental era muito similar e a Federação era especialmente orientada na defesa da propriedade privada e da livre empresa, que era repetitivamente enfatizada, que o partido único era um freio ao desenvolvimento, ao livre mercado e as privatizações (inclusive escolheram o milhionário Wan Runnan como secretário-geral).”