A
mais difícil região onde as mulheres tiveram que se bater pela sua liberdade
foi a Ásia Central. Ali, as mulheres eram tratadas como bens semoventes, vendidas
em matrimônio. Mesmo assim, quando muito jovens, e nunca, depois disso, eram
vistas em público sem o horroroso paranja* — um longo véu preto feito com crina
de cavalo tecida, que cobria toda a face, dificultando a respiração e a visão
das mulheres. A tradição conferia aos maridos o direito de matar as esposas
caso retirassem o véu e os mulás, sacerdotes muçulmanos, justificavam tal
prática através da religião. As russas trouxeram a primeira mensagem de
liberdade: elas montaram clínicas de bem-estar para a criança e, através delas,
as mulheres nativas retiraram o véu em suas presenças.
Ali,
foram discutidas as liberdades a serem conquistadas pelas mulheres e os males
advindos do uso do véu. O Partido Comunista pressionou seus filiados a permitir
que suas esposas retirassem os véus se assim desejassem.
Quando
visitei Tashkent pela primeira vez, em 1928, uma conferência de mulheres
comunistas estava denunciando: "Nossas camaradas estão sendo violadas,
torturadas e assassinadas. Por isso, ainda este ano, teremos que acabar com
essa horrorosa obrigação do uso de véus; este deve ser um ano histórico."
Enquanto
isso, incidentes chocantes deram razão a esta resolução. Houve o caso da garota
de uma escola de Tashkent, que recebeu férias para que pudesse participar de
agitações pelos direitos das mulheres na aldeia de sua casa. Como resposta, seu
corpo desmembrado foi mandado de volta à escola em uma carroça, onde se lia:
Isto é para a liberdade de suas mulheres.
Uma
outra mulher havia recusado as atenções de um proprietário de terras e
casara-se com um camponês comunista. Em conseqüência, um grupo de dezoito
homens, incitados pelo proprietário, a violou no oitavo mês de gravidez e
lançou seu corpo em um rio. Poemas foram escritos por mulheres para expressar
sua valentia e o suplício a que fora submetida. Quando Zulfia Khan, uma
lutadora da liberdade, foi queimada viva pelos mulás, as mulheres de sua aldeia
escreveram um lamento: "Ó mulher, o mundo não esquecerá da sua luta pela
liberdade! Sua chama não os deixou pensar que te consumiu. A chama na qual você
queimou é uma tocha em nossas mãos."
A
fortaleza da opressão ortodoxa era Santa Bokhara. Ali, um dramático
desvelamento vinha se organizando. Foi difundida a notícia de que "algo
espetacular" aconteceria no dia 8 de março, o Dia Internacional das
Mulheres. Celebraram-se reuniões massivas de mulheres em muitas partes da
cidade naquele dia, e as oradoras urgiram que todas as mulheres se "desvelassem
de uma só vez". As mulheres marcharam, então, à plataforma, lançaram seus
véus ante suas companheiras e realizaram uma manifestação pelas ruas. Tribunas
foram erguidas, de onde os líderes do governo saudavam as mulheres. Outras
companheiras mais, se uniram à parada, saindo diretamente de suas casas e
abandonando seus véus ao passar nas tribunas. Aquele ato quebrou a tradição do
véu em Santa Bokhara. Muitas mulheres, claro, vestiram seus véus novamente
antes de encarar seus maridos enfurecidos. Mas o véu aparecia cada vez menos,
desde então. Ao tomar conhecimento deste fato, o Poder Soviético usou várias
armas para libertar as mulheres, como a educação, a propaganda e a lei em todas
as partes. Grandes julgamentos públicos condenaram duramente os maridos que
assassinaram suas esposas. Com a pressão das novas exigências, juízes
confirmaram a pena de morte para os praticantes do que o velho costume não
considerava como crime**.
A
arma mais importante para livrar as mulheres era, como na própria Rússia, a
industrialização. Visitei um novo moinho de seda em Velha Bokhara. O diretor
desse empreendimento, era um homem pálido, exausto, trabalhando sem sono para
construir uma nova indústria. Disse não esperar que o moinho fosse lucrativo
por muito tempo. "Nós estamos treinando as aldeãs para ter um novo pessoal
nos futuros moinhos de seda do Turcomenistão. Nosso moinho é a força
conscientemente aplicada que quebrou o véu das mulheres; nós exigimos que as
mulheres se desvelassem no moinho". Jovens trabalhadoras do setor têxtil
escreveram canções para o novo significado da vida, quando trocaram o véu pelo
lenço de cabeça russo, o kerchief. "Quando tomei a estrada da fábrica, eu
lá encontrei um novo kerchief, um kerchief vermelho, um kerchief de seda,
comprado com o trabalho das minhas próprias mãos! O rugido da fábrica está em
mim. Me dá o ritmo, me dá a energia".
Alguém
pode ler isto quase sem recordar, mas em contraste "A Canção da
Camisa", de Thomas Hood, expressou como eram as fábricas inglesas de hoje:
"Com dedos cansando e trabalhando/com as pálpebras pesadas e vermelhas,
uma mulher sentou, vestida de trapos/manipulando a agulha e a linha. Pondo,
ponto a ponto, em pobreza, fome e sujeira,/ e ainda, com uma voz de doloroso
cansaço/ela cantou a canção da camisa". Na Inglaterra capitalista, a
fábrica apareceu como uma arma de exploração para lucro. Na URSS, ela era não
apenas um meio de riqueza coletiva, mas, também, uma ferramenta conscientemente
usada para quebrar as algemas do passado.
-
Anna Louise Strong***
Fonte: anovademocracia.com
Notas:
*O paranja era muito semelhante à burca afegã.
**Desde então, passou a ser crime punível com a
pena capital assassinar mulheres que retirassem o véu.
*** Anna Louise Strong, jornalista e
escritora estadunidense, durante muitos anos, viveu na União Soviética e na
República Popular da China. Autora de inúmeros livros e reportagens sobre os
países que visitou e residiu, tais como Rússia na guerra e na paz, A China luta
pela liberdade, Rio Selvagem, Cartas da China, dentre outros, Strong se tornou
uma das maiores entusiastas personalidades que divulgavam as grandes
realizações e lutas dos povos que construíam o socialismo. De sua intensa
atividade como repórter-correspondente, destaca-se a entrevista com o maior
líder revolucionário que o mundo conheceu, o presidente Mao Tse-tung, realizada
em 1946 — quando, desde Yenam, a lendária base de apoio situada ao noroeste da
China dirigia o Exército Popular e as massas de seu país na luta contra a
agressão militar japonesa.
O texto que AND publica a seguir, uma tradução de Cristiano Alves, descreve a luta pela emancipação das mulheres soviéticas e expressa as observações da autora, Anne Louise Strong, nos 20 anos de vivência nas terras livres da então revolucionária União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
O texto que AND publica a seguir, uma tradução de Cristiano Alves, descreve a luta pela emancipação das mulheres soviéticas e expressa as observações da autora, Anne Louise Strong, nos 20 anos de vivência nas terras livres da então revolucionária União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).