2 - Nesse período um conjunto
de ideias ocidentais e contrarrevolucionárias ganham bastante espaço na China,
especialmente entre os estudantes. Nesse período dos anos 80 o marxismo estava
apagado dos currículos universitários (Robert Ware, que lecionou marxismo na
China, faz referência a um enfraquecimento nos anos 80 para falar da força do
mesmo em geral), possivelmente como uma “contraparte” a Revolução Cultural da
década anterior e devido as reformas havia um grande interesses por “ideias
estrangeiras”.
3 - Essas ideias também
ganhavam espaço no Partido Comunista, com ícones reformistas como o
secretário-geral Hu Yaobang e Zhao Ziyang. Daí surgiu um forte conflito
no seio do Partido, com um lado mais liberalizante radicalmente
liquidador-reformista (os já citados), o surgimento de uma ala mais de esquerda
que relacionava a liberalização com as próprias reformas econômicas (Chen Yun)
e um centro que era contra os liquidadores mas defendia as reformas econômicas
(Deng Xiaoping).
4 - Ocorreram outras
manifestações estudantis na segunda metade dos anos 80. Um exemplo é o
movimento estudantil de 1986, liderado pelo professor anticomunista Fang Lizhi
(“o marxismo deve ser abandonado”), o mesmo que organizou o movimento de 1989.
Fang Lizhi defendia abertamente uma “economia totalmente livre” e um processo
radical de privatizações. A rádio A Voz da América teve um papel
importante na formação desses movimentos.
5 - O movimento estourou com a
morte de Hu Yaobang, no entanto ele foi organizado com antecedência. Fang Lizhi
fez um tour pelo ocidente, defendendo a “democracia” e a economia de livre
mercado, para levantar fundos.
China em 1988. |
6 - O movimento ocupou
Tiananmen e o governo tentou negociar. A Federação de Estudantes recusou
negociar a não ser que o governo atendesse certas medidas de antemão, como
reconhecer o seu movimento como “igual” (as altas autoridades do Estado que
deveriam negociar). O que as lideranças do movimento fizeram foi liquidar as
negociações e forçar o conflito, o que posteriormente seria esclarecido como
sua intenção mesmo já que acreditavam que não poderiam “conquistar a liberdade
sem a guerra civil” e queriam criar um fato político através da repressão do
movimento (lição básica de Gene Sharp muito repetida na recente Primavera
Árabe). Queriam criar um mártir e por isso não orientaram os manifestantes a
evacuarem a praça quando o governo encerrou as tentativas de negociar e deu
sinal para a repressão, mesmo que eles (os líderes) estivessem fugindo do país
com passaportes falsos. O partido passou SEIS SEMANAS sem reprimir o movimento
e tentando desmobiliza-lo por meios pacíficos. Por duas semanas antes da
repressão recorreram a meios educativos e de contra-agitação, sem aplicar a lei
marcial, com soldados desarmados nas ruas e os manifestantes orientados a
voltar pra casa (isso num contexto em que manifestantes tentaram tomar prédios
públicos, que “perturbaram a ordem”, etc).
7 - Não, tanques não
atropelaram em massa os manifestantes. A Anistia Internacional relatou isso
para pouco tempo depois retificar o “erro”(que compram até hoje). A violência
começou poucos antes da desocupação da praça pelas forças do governo. O
movimento estava em decadência e possivelmente a violência foi uma estratégia das
lideranças do movimento para dar gás. No dia 2 junho, um sexta-feira em que o
exército e a policia decidem re-estabelecer a ordem, manifestantes assaltaram
carros com armas do exército, ainda assim a ordem dos oficiais foi não reagir.
No dia seguinte, haviam grupos de manifestantes armados com cassetes, paus,
pedras e barras de ferro, que começaram a atacar (e matar) os soldados e
policiais desarmados. Teve um soldado queimado e outro mutilado (imagens como
essa seriam passadas para os serviços de segurança da Alemanha Oriental quando
começaram as manifestações neste país posteriormente naquele mesmo ano). No dia
4 de junho entram as tropas da repressão. A praça foi rapidamente desocupada,
não ocorreram conflitos na mesma, mas nas ruas adjacentes. Morreram milhares de
soldados e manifestantes. A imprensa estrangeira observou que existiam
manifestantes em especial que se destacavam da multidão, mais velhos e mais
preparados, que sabiam por exemplo como incapacitar um tanque.
8 - Os reformistas liquidadores
do partido, como Zhiao Ziyang, se organizaram para tomar o poder (não
conseguiram), se aproveitando dos acontecimentos.
9 - A repressão foi decidida
depois de duros debates partidários (que inclusive culminaram na expulsão de
figuras reformistas como Zhiao). Um dos principais advogados da repressão foi
Deng Xiaoping. Chen Yun a princípio foi contra a repressão, mas aceitou a
decisão de desocupar a praça a força.
10 - Oficiais de Taiwan
declararam em diversas ocasiões seu apoio aos manifestantes e suas relações com
as lideranças, bem como seus prospectos em relação ao processo de 89 (derrubada
do Partido Comunista, reunificação, etc). Hoje sabemos que esses
movimentos recebiam dinheiro da Ilha Formosa. As lideranças também sempre
expressaram simpatia para com o país, considerando-o um exemplo, mantendo
relações com sua elite e com o Partido Kuomitang (para quem reivindicavam a
legalidade no continente).
11 - De fato, nas manifestações
existiam bandeiras vermelhas e retratos de Mao Zedong, bem como slogans de
“perestroika”, mas isso é só mais um sintoma da falta de clareza das
manifestações, que deram vazão a insatisfação com uma série de problemas e se
valia muito do discurso genérico contra a corrupção. Não é impressionante dado
o status da figura de Mao Zedong na China, no entanto as lideranças ainda eram
notavelmente anticomunistas. Essa narrativa das “massas socialistas que só
queriam algumas mudanças” e não “derrubar o Estado” foi difundida pela imprensa
ocidental da época para reforçar a ideia de “jovens ingênuos, manifestantes
inocentes”.
12 - A rádio A Voz da América
tentou incitar uma insurreição dizendo que os soldados não estavam obedecendo
as ordens de cima, o que não era verdade.
13 - Os líderes do movimento se
re-encontraram em Paris e fundaram a Federação para a Democracia na China, que
professava: “desenvolver a economia de iniciativa privada e acabar com a
ditadura de partido único”. Declaração muito similar documentos do Kuomitang de
Taiwan quanto sua estratégia de trabalho ideológico no continente. Na verdade,
o programa era como um todo parecido com o do Kuomitang. Atacavam a própria
fundação da República Popular e Mao Zedong pelos “crimes” de “expropriações a
luz do dia”, “repartir a terra” e “perseguir o Kuomitang”. A crítica a China
continental era muito similar e a Federação era especialmente orientada na
defesa da propriedade privada e da livre empresa, que era repetitivamente
enfatizada, que o partido único era um freio ao desenvolvimento, ao livre
mercado e as privatizações (inclusive escolheram o milhionário Wan Runnan como
secretário-geral).”