sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Crítica à matéria “A imperdoável cegueira ideológica de Hobsbawn” – da revista VEJA

Texto da colunista Myle Cristina, com colocações contundentes acerca de uma matéria da ‘revista de fofoca’ VEJA, que se trata de um mero texto que tenta desprestigiar Eric Hobsbawn a todo custo, se sustentando em um severo e agressivo anticomunismo, que a devida revista de fofoca já tem larga experiência:


Sabendo da minha afinidade com a produção de Hobsbawm, um amigo me pede para que eu faça crítica a um artigo de uma determinada revista. Peço o link, e eis que ele me envia:

"A imperdoável cegueira ideológica de Hobsbawn" - Revisa VEJA (sic)

Creio que independente dos princípios de determinado meio de comunicação, existe uma coisa chamada 'imparcialidade' que deve ser respeitada e colocada em prática, assim como um historiador, sem perder sua criticidade e seu papel atuante, deve saber ser honesto e justo para com o seu trabalho em analisar e relatar fatos históricos. Dever no qual Eric Hobsbawm foi impecável.

Essa semana a Carta Capital, revista que não nega sua vertente de esquerda, lançou um artigo sobre o Salvador Dali, mestre do surrealismo e assumidamente anticomunista. No artigo, a colunista já começa dando uma lapada direta e exemplar: 'Em minha opinião, as paixões intelectuais e artísticas não deveriam ser contaminadas pelas opiniões políticas.'(http://migre.me/hEG01). E, sem abrir mão da criticidade, assim segue-se um artigo muito bem escrito sobre a vida e obra de Dalí.

O direito de tecer críticas e ser contrário não é o que me levou a escrever, mas sim a falta de dignidade ao construir tal artigo sobre uma produção tão complexa e vasta. Iniciado com um ad hominens ridículo, o colunista segue: "Marxista irredutível, Hobsbawm chegou a defender o indefensável: numa entrevista que chocou leitores, críticos e colegas, alegou que o assassinato de milhões orquestrado por Stalin na União Soviética teria valido a pena se dele tivesse resultado uma "genuína sociedade comunista".

Tomando por referência o artigo 'O Stalinismo', (http://migre.me/hEG3r), o colunista ignora um série de ressalvas feitas durante sua construção e coloca o que lhe é agradável no seu trabalho de terrorismo ideológico. E, de fato, hoje, justamente pelas ressalvas e um aparente ignorar das condições da URSS em determinadas conclusões, é um artigo bastante criticado. Vale lembrar que Hobsbawm estava imerso ao seu tempo, as condições temporais mais as formas com as quais foram feitas as denúncias dos crimes de Stálin, por mais que HOJE nós saibamos a falta de veracidade de boa parte das acusações, o atingiram assim como qualquer historiador marxista da época fora da URSS. Ainda que seja uma questão bastante discutível.

Sobre a tal relação conturbada com suas raízes judaicas, ressaltando a falta de criatividade da revista ao usar o mesmo argumento já feito contra Marx - vou ficar devendo a fonte - é uma afirmação bastante maliciosa (e falsa) usada para justificar seu 'insano apoio a causa palestina', sendo a Veja uma ferranha defensora de Israel e uma das responsáveis da limpeza de sua imagem por aqui.

Basicamente construído na ânsia de ligar a URSS ao III Reich, no que diz respeito à brutalidade insana do segundo, o artigo apenas faz um leve citar de suas outras obras ignorando todo seu conteúdo. E, insistindo em desmerecer seu trabalho por sua origem ideológica, o autor mostra uma falta de conhecimento sobre o que escreve, e até sobre o próprio estudo da História, ao julga-lo como apenas sendo um historiador marxista.

Não me surpreende tal coisa vindo de Veja, um dos motivos principais que me fazem não ter estomago para lê-la, mas me preocupa no tange seu poder de influência como meio de comunicação. Não busco aqui uma verdade absoluta, mas fica claro a tendência de criar dicotomias entre 'os seus e os nossos', uma dualidade que não existe na avaliação histórica e que se torna bastante perigosa para compreensão. De forma justa e esclarecedora para com o qual o motivo que coloquei a escrever, concluo com as palavras do próprio Hobsbawm sobre o que se trata ser um historiador e seus principios:

"A destruição do passado — ou melhor, dos mecanismos sociais que vinculam nossa experiência pessoal à das gerações passadas — é um dos fenômenos mais característicos e lúgubres do final do século xx. Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínua, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem. Por isso os historiadores, cujo ofício é lembrar o que outros esquecem, tomam-se mais importantes que nunca no fim do segundo milênio. Por esse mesmo motivo, porém, eles têm de ser mais que simples cronistas, memorialistas e compiladores.''

- Mylena Cristina