segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

O mito do GULAG e seu comparativo com tiranias capitalistas

Através de um estudo histórico e científico, o autor deste texto desmascara a propaganda anticomunista sobre o GULAG e o terrorismo ideológico feito acima dele. Revela a verdadeira ação do GULAG (Administração Geral dos Campos) e seu papel na reinserção do indivíduo na sociedade soviética através da dedicação ao trabalho produtivo, e explica diante da verdade histórica, os "abusos".

É muito comum encontrar em livros pretensamente de história ou mesmo debates em fóruns de discussão o termo "GULAG", geralmente usado de forma errada, inclusive, em frases como "a URSS tinha gulags", "você já ouviu falar do gulag?", "eu sei o que eram os gulags". Quem nunca ouviu falar desse ou daquele indivíduo que "abandonou o socialismo após saber da existência dos Gulags"? Geralmente a abreviação é usada como forma de propaganda anticomunista em livros sobre a guerra fria, por irresponsáveis sem qualquer estudo a respeito do assunto ou ainda em boatos que estão a anos-luz de qualquer estudo sério a respeito do assunto, algo que este texto se propõe a fazer.

Karl Heinrich Marx, expressão máxima do socialismo científico, ensinava que "as idéias predominantes de uma época são as idéias da classe dominante", neste diapasão, a burguesia internacional gasta milhões em propaganda anticomunista. Comparar a guerra ideológica travada entre a burguesia e os trabalhadores é como comparar um dois indivíduos que vão para uma luta de boxe. É claro que aquele que tem mais dinheiro poderá pagar pelo melhor técnico, comprar os melhores alimentos, suplementos que lhe darão energia de primeira categoria, as melhores luvas, o melhor protetor bucal, os melhores médicos, caso tenha uma lesão, e ainda poderá comprar o júri da luta. O boxeador pobre, entretanto, terá que rezar que para achar um bom técnico disposto a ajudá-lo, talvez não poderá comprar os melhores alimentos, faltando-lhe uma dieta apropriada, não poderá comprar os caros suplementos, terá que contar com médicos da rede pública de saúde e terá de ser bom o suficiente para que o júri se convença. Esta analogia é necessária, para que o leitor possa compreender a potestade que é a imprensa da burguesia, que através de suas editoras monopolistas publica quase que exclusivamente livros de propaganda anticomunista, cujas livrarias apresentarão apenas uma versão da história. Sabe-se, entretanto, que na história não faltam exemplos de exércitos armados apenas com foices e martelos, de camponeses protegidos apenas por trapos e no máximo armaduras de couro, que derrotaram cavaleiros protegidos por armaduras de aço, como ocorreu em Portugal. Sabe-se que os camponeses da República de Novgorod, da velha Rússia, conseguiram derrotar a mais poderosa ordem de cavaleiros da Idade Média na Europa, os cavaleiros teutônicos, e que na Alemanha o povo trabalhador, sob a liderança do cavaleiro Geyer Florian, derrotou a nobreza germânica. Essa é a dimensão e natureza da luta contra a ideologia da burguesia, uma luta contra a elite reacionária que visa trazer apenas a subjugação da classe operária e de todos aqueles que defendem uma sociedade justa.

Dada a compreensão desta luta, deve-se primeiramente sublinhar que diferente do senso comum, o GULAG significa "Glavnoye Upravlyenye LaGyera", isto é, "Administração Geral dos Campos". Falar em "gulags" é o mesmo que falar em "Sistemas Penitenciários" no Brasil, por exemplo, é um termo impreciso, incoerente, que nitidamente revela o desconhecimento do interlocutor a respeito do assunto e sua completa falta de epistemologia e de preparo para debates, ao qual é recomendado apenas o silêncio. A Administração Geral dos Campos era o órgão que administrava os diversos campos de trabalho na URSS, que seguia o princípio penal de que o preso deve dedicar-se à atividade produtiva como forma de sua recuperação. Este sistema, presente em monarquias e repúblicas, em sistemas autoritários e libertários, são uma constante em praticamente todos os sistemas penais dos países civilizados. Segundo Júlio Frabbrini Mirabete, eminente jurista brasileiro, ex-procurador de justiça do Estado de São Paulo e membro da Academia Paulista de Direito, e Rodrigo de Abreu Fudoli, autor de "Da remissão da pena privativa de liberdade", o sistema penitenciário passou por uma considerável evolução ao longo da história. A princípio, a pena privativa de liberdade partia do princípio de vingança e castigo, era comum, na Roma antiga, que os condenados recebessem como pena o trabalho nas galés, grandes barcos com remos operados por presos, depois, na época do Iluminismo, foi questionada a idéia do castigo físico, tendo ganho força a ideia de "trabalhos forçados", da "escravidão" meramente como elemento de penalização, numa época em que na Europa o capitalismo já estava em vigor. Entre os séculos XVI e XIX desenvolveu-se a ideia do trabalho pedagógico, moralizante e disciplinador do infrator da lei. Ao contrário do senso comum de que "o trabalho reeduca" é um lema nazista, este é na realidade um lema do sistema penal, seja ele de um país de orientação socialista, nazista, liberal, conservador...

Autores como Wilhelm Reich, em "A revolução sexual", mencionam que na Rússia socialista e mais tarde na URSS, era comum que o trabalho dos presos tivesse um caráter moralizante, disciplinador, onde os presos trabalhavam na confecção de objetos como calçados, o que lhes permitia se reinserirem na sociedade após o cumprimento de suas penas. Enquanto nos anos 20 e 30 predominava esse princípio na União Soviética, países como os Estados Unidos aplicavam penas de trabalhos forçados, nos quais o prisioneiro trabalhava exaustivamente com bolas de ferro em seus pés, cena inexistente no país dos sovietes. Segundo o autor sueco Mário Sousa, autor do brilhante trabalho denominado "Myten om miljontals fångna och döda i Stalins Sovjetunionen"(O mito dos milhões de presos e mortos na União Soviética de Stalin), "para os campos de trabalho Gulag iam os criminosos de crimes graves (homicídio, roubo, violação, crimes econômicos, etc.) e uma grande parte dos condenados por atividades contrarrevolucionárias. Outros criminosos com pena superior a três anos podiam também ser postos em campos de trabalho. Depois de um tempo num campo de trabalho o preso podia ser mudado para uma colônia de trabalho ou uma zona especial aberta. Os campos de trabalho eram zonas muito grandes onde os condenados viviam e trabalhavam debaixo de um grande controlo. Trabalhar e não ser um peso para a sociedade era coisa evidente, nenhuma pessoa saudável passava sem trabalhar"(escrito português de Portugal conforme a velha regra)[1]. Ainda, o autor fala sobre as colônias de trabalho, que eram 425, onde havia um regime com menor controle, mais livre, para onde iam geralmente infratores de crimes menores e crimes políticos, trabalhando em fábricas ou mesmo colônias agrícolas, esses presos eram remunerados. No Brasil, existe um sistema similar ao este, ele se chama "Colônia penal", sendo a maioria agrícola e algumas de natureza industrial, fabricando, por exemplo, bolas de futebol, exercendo atividades que venham a possibilitar a reinserção do indivíduo na sociedade.

É certo que nenhum sistema penitenciário é um sanatório, casa de descanso ou spa, de maneira que no sistema soviético, assim como em outros, havia irregularidades, nenhuma delas, ordenada por Stalin ou qualquer órgão diretivo do Estado Soviético. Estes casos de abuso contra prisioneiros ocorreram em sua maioria durante os anos II Guerra Mundial, quando nem a população podia viver tranquilamente sob a ameaça dos fascistas invasores, sofrendo com o racionamento de comida e uma série de privações, como não poderia deixar de ser, essas privações também ocorriam nos campos de trabalho. Muitos dos guardas que cometiam esses abusos eram pessoas que perderam sua família ante os nazistas ou seus colaboradores, pessoas que perderam suas casas, filhos, entes queridos ou simplesmente viram milhares de seus camaradas serem queimados vivos ou enforcados pelos defensores das idéias de Hitler, com quem encontravam-se frente a frente no Gulag nos anos depois da guerra. Diante do fato de que essa guerra alterou a vida de todo o país, vitimando mais de 20 milhões de soviéticos, é compreensível que muitos guardas do NKVD viessem a oferecer um tratamento gentil e cortez para criminosos nazistas. Apesar do quê, havia casos excepcionais em que o próprio Stalin chegou a pedir clemência para com os presos do Wehrmacht, o que contradiz a ideia do "Stalin cruel". Segue-se, entretanto um exemplo de ordem cruel:

"O Presidente Bush clama ao Congresso que permita que a CIA continue usando procedimentos de interrogatório "alternativos" - o que inclui, de acordo com registros publicados, forçar os prisioneiros a ficar em pé por 40 horas, privando-os do sono e o uso da "cela fria", na qual o prisioneiro é deixado nu em uma cela mantida próxima de 50 graus negativos e molhado com água fria"[2]

O sistema carcerário soviético alcançou o número máximo de 2,5 milhões(aproximadamente) de presos em 1953, após a Segunda Guerra Mundial, quando muitos nazistas foram encarcerados e aumentou a incidência de criminalidade em razão das condições materiais do país após a guerra, tratava-se de um país em tempos difíceis, que teve grande parte de sua infraestrutura destruída e sua qualidade de vida alterada pela guerra, algo que jamais aconteceu, por exemplo, em países como os Estados Unidos, que desde o início do século XIX, isto é, há quase 200 anos, não conhece uma guerra em seu território. Este país, que gasta milhões por ano em guerras imperialistas e propaganda anticomunista, tem mais de 2 milhões de miseráveis e tem a maior população carcerária do mundo, tendo alcançado o número de 7 milhões de presos em 2007[3], o que é quase a população da cidade do Rio de Janeiro. Este número chegou a ser confirmado no site The Conservative Voice (A voz conservadora), em link[4] que atualmente está fora do ar. Um fato interessante sobre o sistema penitenciário soviético é que nem mesmo por parte dos anticomunistas mais extremistas há relatos de abuso sexual de presos por outros presos ou mesmo por parte de policiais, como acontece no Brasil e nos Estados Unidos. No primeiro, por exemplo, durante o período fascista que vigorou de 1964 a 1985, é possível encontrar casos de prisioneiros que sofriam técnicas de tortura deploráveis, mulheres que tinham insetos introduzidos no canal da vagina, que eram deixadas nuas e sem tomar banho por semanas, homens que tinham a sua masculinidade humilhada, com a introdução de objetos fálicos em seu ânus e mesmo sendo estuprados pelos mesmos torturadores que usavam termos homofóbicos contra comunistas. Embora no sistema penitenciário soviético houvessem casos de presos que sofriam tratamento duro das autoridades do NKVD como socos na barriga, nada se compara ao tratamento que os presos políticos do Brasil sofriam na época da ditadura latifundiário militar, tais como estupros, choques elétricos, mutilação, sodomia e outros tipos de abuso sexuais e físicos. Diferente do que ocorreu no Brasil, desconhece-se casos de dissidentes soviéticos que tenham saído paraplégicos do Gulag.

Disparates segundo o qual "a ditadura militar brasileira foi mais branda do que a ditadura comunista-terrorista" não passam de clichês vazios e desprovidos de qualquer objetividade, ignorando que em muitos casos eram regimes revolucionários que em razão de situação extraordinária adotaram o Estado de Exceção, uma vez que viviam uma ameaça real, a Rússia, por exemplo, foi invadida por 14 países só entre 1918-21, a URSS, em 1945, foi invadida por dezenas de países vassalos da Alemanha nazista, mais ela própria, por mais de 2 milhões de homens só no primeiro dia da invasão, tendo perdido 20 milhões ante a histeria anticomunista alemã; isso tudo sem contar os casos de terrorismo nos anos 20 e 30 promovidos com o intuito de desestabilizar o sistema socialista, na URSS e fora dela, contra suas representações diplomáticas. A ditadura latifundiário-militar fascista não conheceu invasores externos, quando muito guerrilheiros treinados em Cuba, China e Tchecoeslováquia contra tiranos formados por escolas de tortura nos Estados Unidos e alguns até mesmo na antiga Alemanha nazista. Não é segredo para ninguém que enquanto o governo perseguia implacavelmente os comunistas, patrocinava grupos neonazistas como o CCC e tinha nazistas convictos no poder como Fillinto Müller, além de ter homiziado fugitivos do Tribunal de Nuremberg como o Dr. Josef Mengele, que conviveu tranquilamente no Brasil até sua morte, um nazista protegido por fascistas, por farsantes pseudo-nacionalistas.

Um dos pontos curiosos ao se falar do GULAG, é que ele é atacado pelos mesmos indivíduos que defendem que "bandido bom é bandido morto". Alguns círculos direitistas, celebrando o massacre do Carandiru, condenam a repressão comunista a uma revolta carcerária ocorrida na Ásia Central, quando os nazistas detentos da OUN-UPA[5] tomaram um campo de trabalho e montaram um governo rebelde no Cazaquistão, revolta essa descrita e aplaudida no livro de Solzhenytsin, que é na Rússia apelidado de So-lzhi-nytsin(lzhi significa "mentiras", em russo). O autor, que esteve no GULAG e saiu de lá em perfeitas condições de saúde, não faz nem esforço para em seu livro ocultar a sua admiração pelo nazismo, criticando Hitler apenas por não ter usado devidamente o potencial do movimento colaboracionista. Este pseudo-humanista, venerado pela extrema-direita, chega ao extremo de defender estupradores, fazendo apologia a dois soldados que haviam sido presos por estuprar uma civil alemã.

De fato, as críticas ao sistema do Gulag são desprovidas de epistemologia e carecem de objetividade. Mesmo números como os 10, 20, 70, 100 ou 300 milhões, não podem ser corroborados por dados, uma vez que os dados oficiais apontam o número de 2.369.222 pessoas presas e 642.980 executados, durante o período de 1921 a 1954, isto é, num período total de 33 anos, apresentando um número menor do que os Estados Unidos da América(que só em 2007 tinha mais de 7 milhões de encarcerados, sendo o campeão mundial de detentos), e mesmo a República Federativa do Brasil, que anualmente tem mais de 250 mil presos. As execuções dizem respeito a crimes contra-revolucionários, uma vez que, conforme já descrito, a Rússia e a URSS enfrentaram uma ameaça real, concreta e objetiva que justificaram a aplicação do Estado de Exceção, uma guerra civil, a invasão por 14 países neste intercurso, sabotagem, revoltas, terrorismo e a II Guerra Mundia. Houve momentos em que houveram abusos de autoridade, como durante a era em que Genrih Yagoda dirigiu a OGPU, facilitando a infiltração de agentes nazistas, e Nikolay Yejov, que mais tarde foi executado pelos seus abusos, algo que jamais aconteceu a qualquer torturador da ditadura fascista brasileira ou da ditadura americana.

- Por Vladimir Tavares


Notas:

[1] SOUSA, Mario. Mentiras sobre a história da União Soviética. Em http://www.mariosousa.se/MentirassobreahistoriadaUniaoSovietica.html Acesso em 12/04/2011, às 22:00

[2] MALINOWSKI, Tom. What cruelty is. Artigo do jornal The Washington Post. Em http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2006/09/17/AR2006091700516.html Acesso em 12/04/2011, às 22:03

[3] Study: 7.3 millions of in U.S. prison system in '07 - CNN. Em http://articles.cnn.com/2009-03-02/justice/record.prison.population_1_prison-system-prison-population-corrections?_s=PM:CRIME Acesso em 10/04/2011 às 14:54

[4] http://articles.cnn.com/2009-03-02/justice/record.prison.population_1_prison-system-prison-population-corrections?_s=PM:CRIME

[5] OUN-UPA: Organização dos Ucranianos Nacionalistas-Exército Insurrecional Ucraniano, grupo terrorista organizado e dirigido por Stepan Bandera, que recebeu guarida na Alemanha Ocidental após a II Guerra Mundial. Era conhecida por suas atrocidades contra populações ucranianas, bielorrussas, tchecas e polonesas, países que reconhecem essa organização como criminosa de guerra. Empregada pelos nazistas para combater os partizans comunistas, eles aterrorizavam vilas e matavam as famílias de guerrilheiros anti-nazistas ou simplesmente de pessoas que não queriam aderir à sua organização. O Exército Americano tem registros de sua colaboração com os alemães, embora seus apologistas insistam em dizer que lutaram "contra Hitler e contra Stalin".