segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Afinal, "Cuba é ou não é?"

Esse pequeno texto, tem por intenção, de nos esclarecer questões referentes a análises sobre o socialismo em Cuba. Contrapor afirmações de certos setores da esquerda que alegam que "Cuba já consumou com tais medidas a restauração capitalista, já é algo dado", ou de que "Cuba nunca foi, ou não é, socialista". Seria mesmo isso? Bem, vejamos o problema destas afirmações...

A LIT- Liga Internacional dos Trabalhadores- volta à carga contra Cuba em recente documento, causando novamente frisson entre as correntes socialistas (1)

Para quem acompanha os debates entre as forças de esquerda, não há novidade em sua posição: consideram a Ilha uma ditadura capitalista. Um diagnóstico mais desalentador que o da própria mídia de direita. Afinal, ao menos a família Marinho ainda considera Cuba uma "ditadura comunista".

O cerne da questão aqui, que tem a atenção dos revolucionários desde a NEP soviética (NEP, coisa nenhuma; desde Marx, por exemplo, digamos, na "Crítica ao Programa de Gotha", quando o barbudo fala da nova sociedade, a socialista, "ainda carregada das marcas da velha sociedade, de cujo seio proveio") é o seguinte: até que ponto uma economia socialista pode agregar (levar consigo, seria mais exato) elementos de capitalismo, sem que deixe de ser socialista?

Uma coisa é evidente. Não há escalas de 1 a 10, sendo 1 capitalismo "puro" e 10 socialismo "puro". Esse termômetro, que sem sombra de dúvidas facilitaria muito a tarefa revolucionária, ainda não foi inventado. O que se pode é, concretamente (isto é, de forma não-binária, atenta às mediações), observar dada experiência histórica e, com base em suas características, dar um diagnóstico mais ou menos exato (o "mais ou menos exato" e as aspas em "puro", no início do parágrafo, não são acidentais; é preciso muito cuidado com conceitos fechados, "eternos", visto que "nada dura eternamente e que o movimento, a troca, a evolução conflitual são a lei de tudo o que existe" (2)).

Elementos de sistemas de produção diversos podem coexistir perfeitamente, sem que o principal seja descaracterizado. Pierre Villar dá como exemplo os financistas da Roma antiga e os mercadores de Veneza (ah, Shakespeare...) que, se eram uma realidade, por outro lado não eram os agentes principais da produção social de suas épocas- logo, seria impróprio falar em um capitalismo romano ou veneziano (3). O ponto nodal é esse: atentem que eu falei em "elementos" lá atrás. Temos o sistema dominante e elementos, resquícios, fragmentos, de outros- não estamos falando em sistemas híbridos, mistos, e nem poderíamos. Os diferentes sistemas de produção estão em contradição, e cedo ou tarde um será devorado. Em nível global, é fácil verificar que em um mundo hegemonicamente capitalista é evidente que a experiência socialista isolada será presa fácil (daí a premência da revolução permanente em seu aspecto horizontal, o de expansão).

Retornemos a Cuba. Trotsky diz que "a sociedade comunista não pode suceder imediatamente à sociedade burguesa", dado o peso da herança material e cultural do passado (4). O período transicional é mais ou menos longo, conforme não o sonho ou o desejo dos revolucionários, mas as relações de base concretas. Grant, em polêmica com Cliff -que sustentava o caráter de capitalismo de Estado da URSS, em oposição ao diagnóstico trotskyano do Estado Operário degenerado- destaca que em tal período transicional categorias econômicas peculiares ao capitalismo continuarão a existir; algumas leis capitalistas irão ser aplicadas, outras revogadas (5).

Nesse sentido, as medidas de teor capitalista tomadas em Cuba a partir do "período especial" (isto é, do soçobro da URSS em diante) estão dentro de vicissitudes inerentes ao período transicional, mormente se falando de um país isolado e materialmente desguarnecido. São, destarte, necessárias para garantir a própria existência do socialismo na Ilha. É claro que há uma contradição palpável neste argumento: o de recorrer ao capitalismo para salvar o socialismo. Por isso eu ter insistido acima, para que não deixemos brecha a nenhum oportunismo: elementos, apenas elementos. Nada mais que isso, sob pena da descaracterização da experiência. Desta forma, as medidas capitalistas em voga na Ilha podem levar Cuba, cedo ou tarde, à restauração da economia de mercado, caso adotem um ritmo vertiginoso como uma triste Perestroika caribenha; mas onde há uma possibilidade, a Liga Internacional dos Trabalhadores vê um fato consumado- daí o erro de diagnóstico.

Sim, é contraditório usar do capitalismo, mesmo que pontualmente, para se resguardar a revolução socialista. Mas de fato, já disse Trotsky, o desenvolvimento da humanidade é muito contraditório, mas não iremos por isso renunciar ao passo à frente com receio do meio passo atrás(6). Com todas as contradições, Cuba segue. Aliás, é extraordinário que uma pequena ilha sobreviva ao cerco ianque por tanto tempo. É que, quando o extraordinário se torna cotidiano, é a revolução. 

- Por Joycemar Tejo, fonte: Solidários. 

Notas: 

(1) "Llamamos a rodear de solidaridad a los trabajadores y al pueblo cubano" - http://bit.ly/gpdu9X 

(2) Jean Kessler, em introdução à "Miséria da filosofia" de Marx.

(3) Apud Théo Araújo Santiago, "Capitalismo: transições".

(4) Leon Trotsky, "A revolução traída". Ainda sobre a questão econômica (especificamente na URSS), ver o capítulo "O desenvolvimento econômico e os ziguezagues da direção", da mesma obra. 

(5) Ted Grant, "Against the theory of State Capitalism"- http://bit.ly/hptEbH 

(6) Leon Trotsky, "Dictatorship and revolution", de 23/ 10/ 37.