quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

"O silêncio das inocentes"

Relato de uma garota que desenha charges para o blog Kisuki.me. Após ela produzir uma charge retratando algo que ela sofreu na infância, e que pensava não ser tão comum, se surpreendeu ao ver o número de mulheres que se identificavam com o caso da charge. Boa leitura. 

"Esta semana produzi uma tira sobre um fato que ocorreu comigo na infância e me marcou profundamente. Como ocorre com a maioria das mulheres no Brasil (quiçá no mundo), fui abordada por estranhos na rua que acharam oportuno me mostrar seu pênis (usei o termo “pau” na tira, mas acharam engraçado, então para ninguém se confundir quanto ao teor do texto, preferi recorrer ao termo científico). Na segunda vez em que isso ocorreu eu tinha cerca de 11 anos, mas na primeira eu sequer lembro que idade tinha.

Por ser um assunto delicado, muitas pessoas preferem não falar a respeito, mas ao ler a tira, várias outras mulheres comentaram que o mesmo havia ocorrido com elas, um estranho no ônibus ou mesmo um colega da escola. Segundo a pesquisa feita no site thinkolga.com, de 7.762 mulheres, 99,6% responderam que já foram assediadas sexualmente. Dentre outras estatísticas, 90% das mulheres responderam que já trocaram de roupa pensando no lugar onde iriam por medo de assédio, 82% foram agarradas na balada e 68% já foram xingadas por dizer não à cantada de alguém.

Se esse é um fato tão comum, por que é tão pouco discutido? Porque é subestimado. Em um grupo de discussão me apresentaram o termo gaslighting, oriundo do filme À Meia Luz (Gaslight, 1944), de George Cuckor, onde o marido de Paula Alquist (Ingrid Bergman) tenta convencer a ela e aos demais que sua mulher está louca. Segundo o Wikipédia, “gaslighting é uma forma de violência psicológica na qual uma falsa informação é apresentada na intenção de fazer a vítima duvidar da própria memória, percepção e sanidade”. Dadas as devidas proporções, a maior parte das mulheres se sente violada quando sofre qualquer forma de assédio sexual, mas acaba se convencendo (ou sendo convencida) de que está exagerando e no fim das contas, felizmente não aconteceu nada mais sério.

Se você duvida, mostre esse texto a um número considerável de pessoas e veja quantas consideram que estou exagerando, quantas acham que eu preciso de um tanque de roupa suja pra lavar e quantas acham que eu sou “malcomida”. Isso só pra mencionar os termos mais comuns quando qualquer tentativa de se fazer mostrar uma situação incômoda para as mulheres ocorre. Mas enquanto acham que eu estou exagerando, esse tipo de situação tem ocorrido com bastante frequência ao longo da vida das suas mães, irmãs e namoradas. E isso as traumatiza. Eu deixei de andar de bicicleta, mas a Joana deixou de andar de ônibus, a Clarice deixou de usar saias e a Denise não consegue mais confiar nos homens."

- Fonte: Kisuke.me